Plinio Corrêa de Oliveira
“Odiai o erro, amai porém os que erram” (I)
Legionário, N.º 470, 14 de setembro de 1941 |
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Em nosso último artigo, tratamos da verdadeira interpretação a ser dada à famosa afirmação de que “a caridade não conhece limites”. Bem entendido, tal princípio é tão verdadeiro que não há a menor dúvida de que aqueles que o contestassem teriam perdido inteiramente o senso católico. Com efeito, a caridade de Nosso Senhor Jesus Cristo nos urge a que façamos bem a todos, e ainda mesmo aos inimigos. Parentes ou estranhos, amigos ou inimigos, correligionários ou adversários, patrícios ou estrangeiros, hereges ou pagãos, a todos se deve estender a caridade do verdadeiro católico. Assim, nem as diferenças de raça, nem as de língua, nem ainda as de religião são suficientes para deter o curso da caridade cristã. E, como esta não se detém ante qualquer barreira, bem se pode dizer dela que não tem limites. Mas se se entende pela afirmação de que a “caridade não conhece limites” que ela impõe obrigações iguais para com os parentes e os estranhos, os patrícios e os estrangeiros, e sobretudo os que são católicos e os hereges, pagãos, ou sectários de filosofias e sistemas políticos condenados, há nisto um erro gravíssimo. Nem nossas obrigações são as mesmas para todas estas classes de pessoas, nem elas obrigam do mesmo modo. E, por isto, pretender que temos as mesmas obrigações, sempre igualmente fortes, e em todos os casos e circunstâncias, para com os bons filhos da Santa Igreja e os que professam doutrinas condenadas, é gravíssimo erro que não se pode nem se deve suportar. Procuraremos, hoje, analisar outra questão importantíssima. Costuma-se dizer que “devemos odiar o erro e amar os que erram”. Quem ousaria negar o sublime princípio que essa frase define? Do que se alimentou o zelo de todos os apóstolos que desde os primórdios da Igreja até hoje, em linha ininterrupta, têm combatido o erro procurando salvar das garras dele os que erram? Exatamente de um ódio ao erro e de um amor ao pecador. Diminua-se no espírito do apóstolo ou este ódio ou este amor, e ele deixará de ser um apóstolo autêntico. Entretanto, esta frase precisa ser bem entendida. Devemos certamente amar os que erram, e isto ainda mesmo quando no paroxismo de seu ódio à verdade eles nos causam os maiores prejuízos e nos infligem as mais tremendas afrontas. Mas como devemos amá-los? Em outros termos, no que deve consistir concretamente esse amor? Em que sentimentos, em que ações se deve ele traduzir? A pergunta não é ociosa. Deus que é infinitamente Sábio não julgou suficiente recomendar-nos que “O amassemos sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, por amor a Ele”; pelo contrário, julgou o Criador necessário promulgar dez Mandamentos em que esse preceito do amor ficasse bem definido, perfeitamente explicitado e as obrigações daí decorrentes concretamente descriminadas. E a Santa Igreja ainda julgou dever acrescentar cinco Mandamentos aos dez que Deus promulgara nos primeiros tempos: tudo isto só para que o cumprimento do preceito do amor não ficasse entregue aos caprichos do sentimentalismo, mas se efetuasse conforme a vontade de Deus. Assim, pois, não é supérflua a questão. Amemos os que erram. Ai dos que não amam os pecadores e os hereges! São eles próprios hereges e pecadores. Mas como se devem amar os hereges e pecadores? Por exemplo, é contrário ao preceito da caridade, como o define a Igreja, combater-se e desautorizar-se a pessoa de quem sustenta e propaga o erro, para assim melhor combater o próprio erro? É uma interessante questão, que muito de perto diz respeito ao “Legionário”, que tantas vezes tem sido atacado como mau intérprete do pensamento católico, porque ao mesmo tempo que denuncia as grandes heresias políticas de nossos tempos, não poupa censuras a seus fautores. Age o “Legionário” contra o que a doutrina católica preceitua sobre a caridade? Vamos aos argumentos. Gostaríamos de saber em que contrariamos a doutrina católica ou o espírito do Evangelho com o que abaixo se segue. * * * Ainda mesmo que se combata o erro, será legítimo atacar encarniçadamente as pessoas que o sustentam? A isto respondemos que muitíssimas vezes esta prática é conveniente, e não só conveniente, senão indispensável e meritória perante Deus e a sociedade. Com efeito, não é pouco frequente a acusação que se faz ao apologista católico de lidar sempre com os aspectos pessoais das questões. E quando se lançou em rosto a um dos nossos que atacou uma personalidade, parece aos liberais e aos que têm ressaibos de liberalismo, que não há mais o que dizer para o condenar. E não obstante não têm razão. Não, não a têm. As idéias más devem ser combatidas e desautorizadas, deve-se torná-las aborrecíveis e desprezíveis, e detestáveis à multidão, à qual tentam arrastar e seduzir. Além do mais, pelo princípio de causalidade, as idéias não se sustentam por si próprias no ar, nem por si próprias se difundem e propagam, nem por si próprias causam todo o prejuízo à sociedade. São como as flechas e balas, que a ninguém feririam se não houvesse quem as disparasse com o arco e o fuzil. Ao arqueiro e ao fuzileiro se devem dirigir, pois, em primeiro lugar os tiros de quem deseje ferir sua mortal pontaria, e qualquer outro modo de guerrear poderia ser muito conforme aos princípios liberais, mas não teria o sentido comum, nem de longe. Os autores ou propagandistas de doutrinas heréticas são soldados com armas envenenadas: suas armas são o livro, o periódico, a arenga pública, a influência pessoal. Não basta, pois, recuar para evitar o tiro: o que em primeiro lugar se deve fazer, por ser mais eficaz, é pôr fora de combate o atirador. Assim, convém desautorizar e desacreditar seu livro, periódico ou discurso, e não só isto, como ainda desautorizar ou desacreditar em alguns casos sua pessoa. Sim, sua pessoa, pois que este é o elemento principal do combate, como o artilheiro é o elemento principal da artilharia e não a bomba, nem a pólvora, nem o canhão. Em certos casos, pois, é legítimo publicar suas infâmias, ridicularizar seus costumes, cobrir de ignomínia seu nome e sobrenome. Sim; e isto se pode fazer em prosa ou em verso, com gravidade ou com chiste, por meio da gravação e por todos os meios que ainda se venham a inventar. Só é necessário que a mentira não seja posta a serviço da justiça. Isso não; ninguém tem o direito de se distanciar da verdade por pouco que seja, mas nos limites desta não deve ser esquecida aquela frase de Cretineau-Joly: “A verdade é a única caridade permitida à História” e, poder-se-ia acrescentar “também à defesa da Religião e da sociedade”. O hábito dos Santos Padres prova esta tese. Ainda mesmo os títulos de suas obras dizem claramente que, ao combater as heresias, procuravam desferir o primeiro tiro contra os heresiarcas: “Contra Fortunato maniqueu; contra Adamantox; contra Felix; contra Secundino; quem foi Petiliano; dos gestos de Pelágio; quem foi Juliano, etc”. De sorte que quase toda a polêmica do grande Agostinho foi pessoal, agressiva, biográfica, por assim dizer, tanto quanto doutrinária; corpo a corpo com o herege tanto quanto com a heresia. E o mesmo poderíamos dizê-lo de todos os Santos Padres. De onde tiraram, pois, os liberais, a estranha novidade de que ao combater os erros se deve prescindir das pessoas, e até mesmo afagá-las e acariciá-las? Atenhamo-nos ao que sobre isto ensina a tradição cristã e defendamos nós, ultramontanos, a Fé como sempre ela foi defendida na Igreja de Deus. Fira, pois, a “espada” do polemista católico, fira e vá direito ao coração, pois que esta é a única maneira verdadeira de combater. |