Plinio Corrêa de Oliveira

 

Cavaleiros de Maria,

Chefes Autênticos

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, N.º 465, 10 de agosto de 1941

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Como Presidente da Ação Católica, senti intenso júbilo ao ler os dois excelentes opúsculos que o Rev.mo Pe. Valter Mariaux, S.J., Diretor do Secretariado Geral das Congregações Marianas de Roma, publicou com os títulos de Chefes e Cavaleiros de Maria. Graças a um gesto de inspirada sabedoria do Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano, as relações entre a Ação Católica e as associações auxiliares já foram definidas de modo lapidar. O documento em que essa delicada questão foi solucionada é qualquer coisa de imperecedouro e intangível, representa mais uma diretriz doutrinária e prática que se funda em razões imutáveis, às quais nada há que retirar ou acrescentar. De acordo com esse documento, a Ação Católica só pode lucrar com o desenvolvimento das associações auxiliares, que não são para ela apenas valiosas colaboradoras mas preciosa sementeira de membros. E, por isto, é com antecipada satisfação que contemplo os frutos magníficos que os dois livros do eminente Diretor do Secretariado das Congregações Marianas em Roma produzirão nas falanges marianas do Brasil.

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Se Deus quiser, jamais me fartarei de sustentar que, no Brasil, nos contentamos por demais com rótulos e exterioridades. Quando vemos uma grande multidão comparecer a uma cerimônia católica, nosso peito se dilata de entusiasmo, e uma tranqüilidade rotunda nos invade euforicamente: o Brasil é mesmo um grande país católico. No entanto, se tomássemos em conta que multidões não menores se aglomeravam nas praças públicas da Espanha, do México, da Baviera, etc., antes da perseguição, uma reflexão amarga não poderia deixar de nos passar pela mente: estará o Brasil vacinado contra perigos tão grandes quanto os que hoje flagelam aqueles três países?

Não conheço mais particularmente as circunstâncias que formavam o clima da vida religiosa do México antes da perseguição. Na Espanha, porém, como também nas regiões católicas da Alemanha, é incontestável que um grande renascimento religioso se operava. Os católicos pareciam cada vez mais aguerridos, empreendedores e firmes. Suas organizações prometiam ganhar de dia para dia maior solidez. Tudo fazia prenunciar uma grande primavera espiritual. Seria injustiça imaginar que as massas enfeixadas nas organizações católicas alemãs e espanholas eram levadas por uma religiosidade balofa. Os triunfos da Igreja na Alemanha e na Espanha, antes da perseguição, não eram apenas triunfos efêmeros como o de Nosso Senhor em Jerusalém. A própria resistência que o elemento católico tem desenvolvido em um e outro país prova-o de sobejo. E, no entanto, a verdade patente, incontestável, evidente, é esta: as multidões católicas, tão frementes de santo entusiasmo antes da perseguição e tão invencíveis em sua esplêndida constância sob o aguilhão dos adversários, não foram suficientes para evitar a tormenta e esmagar o mal quando ainda em gérmen.

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Penso que não será difícil explicar este fato tão lamentável quanto curioso. Durante muito tempo, os órgãos da propaganda liberal timbraram em inculcar nos católicos uma visão incompleta - e portanto errônea - de seus deveres. A ignorância religiosa, aliada ao pouco acatamento à voz dos Papas e dos Episcopados, permitiu que essa propaganda se infiltrasse insidiosamente no espírito de muitos católicos, até mesmo dos mais preparados e fervorosos. E, assim, uma flexão geral se fez sentir, que teve como conseqüência o cultivo das virtudes que poderíamos chamar (embora impropriamente) passivas, enquanto as virtudes ativas eram postas sob silêncio, ou injustamente denegridas.

É claro que Nosso Senhor há de ser, eternamente, o ideal de perfeição de todo o verdadeiro católico. E, por isto mesmo, a propaganda liberal não hesitou em apresentar às massas uma imagem deformada de Nosso Senhor, uma imagem radicalmente diversa da que a Igreja, única intérprete infalível dos Evangelhos, nos apresenta. À força de elogiar a mansidão, a brandura, a inefável doçura de Nosso Senhor, a propaganda liberal conseguiu ocultar no mais profundo silêncio sua não menos adorável energia.

Quanto se escreveu sobre o inefável amor com que Nosso Senhor, ainda no último beijo, procurou atrair a Si a alma negra de Judas? E, entretanto, quão pouco se escreveu sobre a majestade terrível com que Nosso Senhor, dizendo “ego sum” aos que O procuravam, a todos prostrou por terra, transidos de pânico? Entretanto, seria Nosso Senhor menos adorável em uma atitude do que na outra?

Este hábito de ocultar alguns dos exemplos que Nosso Senhor nos deu, e de só pôr em relevo outros, trouxe os resultados que normalmente dele deveriam decorrer. Qualquer católico mediano compreende a sublimidade do perdão, da cordura, da mansidão, da misericórdia; compreenderá ele igualmente a sublimidade da energia com que deve combater o erro, castigar os que erram, desarmar a heresia e sagazmente lhe desvendar as tramas e conspirações?

Houve um tempo em que aos grandes oradores sacros e guerreiros cristãos se dava o nome de “martelo dos hereges”. Hoje, essa alcunha seria tida como um elogio? Compreende-se ainda a necessidade de “martelar” os hereges? Ainda sobrevive no espírito de alguém a idéia de que o martelo dos hereges é o bisturi com que a Cristandade se desfaz dos membros podres, e que, se é um crime amputar-se um membro antes de empregar meios curativos menos radicais, é crime maior retardar a amputação do que urgentemente deve ser cortado? O médico que ordene precipitadamente a amputação de uma perna pode obrigar seu doente a perder sem necessidade um membro. Mas o que adie temerariamente a operação compromete a existência do corpo inteiro. Qual dos dois é mais desidioso? Qual o erro que com mais cautela se deve evitar?

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Dissemos que certas virtudes foram exageradamente exaltadas. Outras entretanto foram ou deturpadas ou postas sob o mais impenetrável silêncio. Um católico perspicaz era alcunhado de alma de inquisidor. Um católico enérgico era considerado como uma alma sombriamente feudal, que só pensava em noites de São Bartolomeu (como se o feudalismo ainda existisse por ocasião da noite de São Bartolomeu), em massacres e em instrumentos de tortura. O espírito das cruzadas era vilipendiado. Lutar, proclamar os direitos de Cristo e de sua Igreja, fazer face denodadamente ao erro, desmascará-lo com invencível desassombro, tudo isto parecia impróprio da mansidão católica.

Quanto à perspicácia, não havia virtude menos compatível com a formação religiosa de muita gente, do que ela. Se fôssemos praticar ao pé da letra as doutrinas que certos católicos possuem a respeito do juízo temerário, o número de cretinos estaria singularmente acrescido neste mundo. Desconfiar? Investigar? Multiplicar ao serviço do Bem todos os recursos da astúcia da serpente? Quem diria, em certos meios católicos, que isto foi expressamente recomendado por Nosso Senhor?

Não espanta que pessoas com tal formação, excelentes para suportar sem se vergar às mais tremendas tempestades, não fossem capazes de evitar o tufão, de se articular, de lutar e de esmagar o neo-paganismo quando ainda ele estava em gérmen.

Tudo neste mundo é sujeito a mutações inopinadas. Nada do que é humano é invulnerável à ação modificadora ou destruidora do tempo. Quem ousaria afirmar que o Brasil jamais terá de fazer face a perigos graves para a integridade de sua Fé? E, em emergências tais, estaria ele preparado a fazer face ao mal, a ser heróico na prevenção, e não apenas na paciência?

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Os dois livros do Rev.mo Pe. Valter Mariaux são magníficos para dar aos Congregados Marianos uma formação à altura das gravíssimas responsabilidades históricas que sobre eles pesam. Esses livros formam católicos completos, não apenas católicos que procuram ver Nosso Senhor com um olho só, mas católicos de uma formação equilibrada, nos quais o cultivo das virtudes mais próprias para o combate não estanca a delicadeza de alma que é um dos mais autênticos encantos do espírito brasileiro; mas nos quais, em compensação, o cultivo dessa delicadeza não dessora a personalidade, privando-a dos viris necessários para aqueles que tenham sempre em mente a advertência do Evangelho: o reino dos Céus é dos violentos, e sem violência não pode ele ser conquistado.

Cavaleiros de Maria, Chefes autênticos, que Nosso Senhor encha deles as fileiras azuis dos soldados de Sua Mãe, para a maior glória de Deus e exaltação da Santa Madre Igreja!!

Seria uma grande consolação saber-se que esses livros se encontram, não apenas nas estantes, mas à cabeceira de todos os Congregados e membros da Ação Católica.


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