Plinio Corrêa de Oliveira
Bondade
Legionário, N.º 463, 27 de julho de 1941 |
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Em meu último artigo procurei mostrar até que ponto está falseado, no espírito, o conceito a respeito do que deve ser um moço autenticamente católico. Esquecidos de que o Catolicismo é a única escola do perfeito e completo heroísmo, daquele heroísmo que sobrenaturaliza e santifica a personalidade inteira do indivíduo e não apenas algumas de suas qualidades, que implica em uma imolação total de si mesmo tendo em vista uma finalidade superior, muitos católicos chegaram a ter de sua própria Religião uma visão tão diminuída, que lembram invencivelmente a queixa do Apóstolo, quando dizia: “estão diminuídas as verdades entre os filhos dos homens”. Verdades que não estão repudiadas, negadas, nem calcadas aos pés. Mas verdades que pesam duramente sobre os ombros fracos dos que as professam; verdades que em lugar de serem tidas por seus venturosos adeptos como um meio de triunfo espiritual sobre o pecado, a concupiscência e o erro, em lugar de serem consideradas como o caminho indispensável de uma esplêndida ascensão espiritual, pesam duramente como se fossem onerosas correntes de cativeiro moral, dolorosos instrumentos de suplício, cujo portador tudo faz por atenuar seu peso e amesquinhar seu volume, diminuindo assim esse ônus que, entretanto, longe de ser na realidade um peso cruel, um estigma de cativeiro, é um salva-vidas sem cujo auxílio o homem não sobrenada na vida espiritual. Ocupa lugar de destaque nessa triste galeria de verdades diminuídas, de virtudes amesquinhadas, de sofismas interiores mais ou menos conscientes e mais ou menos covardes, a noção que habitualmente se tem de “bondade”. * * * Segundo a opinião corrente, o que é uma pessoa boa? Esse conceito é eminentemente variável. O que se exige de uma boa senhora não se exige de um bom ancião; o que se exige de uma boa criança não se exige de um bom moço. A moral, para a grande maioria de nossos contemporâneos, varia quase completamente segundo a situação de cada qual, e, não raras vezes, o que em uma pessoa, em uma senhora por exemplo, seria tido como imperativo preceito de moral, em um moço parecerá ridículo e desprezível defeito. A bondade, pois, segundo esses censuráveis conceitos, varia conforme o sexo e a idade. Vejamos rapidamente alguns perfis de pessoas habitualmente tidas por “muito e muito boas”. Antes de tudo, o conceito de “bom rapaz”. Não há, talvez, expressão de que tão freqüentemente se abuse. Verificando-se a que série incontável de indivíduos ela é dada, fazendo-se o levantamento dos defeitos que um rapaz pode ter, sem por isto deixar de ser “bom” segundo a opinião corrente, verifica-se desde logo que, desde que ele não tenha morto, ferido ou espancado gravemente alguém, desde que não tenha roubado pelo processo do arrombamento, desde que não tome tóxicos, é qualificado de bom. Pode esse rapaz esbanjar criminosamente sua mocidade arrastando-a pelos mais miseráveis antros da cidade, são: “rapaziadas”. Pode ele ter os vícios os mais lamentáveis, como por exemplo do jogo: se ele ainda não perdeu a fortuna na roleta, ou a embriaguez ainda não lhe arruinou a saúde, tudo isto não passará de aprazíveis “rapaziadas”. Pode ele, ainda, praticar as mais censuráveis leviandades no terreno sentimental, como seja de alimentar esperanças e provocar decepções, movido apenas pela vaidade e pelo capricho; tudo isto será muito engraçado, terá seu “inegável pitoresco”, será típico de um jovem que não queira passar por inteiramente desinteressante. * * * Evidentemente, segundo essas abomináveis regras de moral, há restrições a estabelecer. Um moço que contraia imprudentemente um noivado com o intuito de jamais cumprir sua promessa de casamento fará uma coisa muito engraçada. Mas se a vítima da aventura em vez de ser uma pessoa estranha aos adeptos dessa singular moral, for pelo contrário uma filha, uma irmã, uma parente, tudo isto passará a ser qualificado infalivelmente de genuína crapulice. Um moço que, a título de “rapaziada”, arme um “rolo”, fará algo de muito divertido. Mas se, durante o “rolo” ferir alguém gravemente, o que em qualquer “rolo” pode suceder, e com isto andar às voltas com a polícia, deixará de ser tido como um “bom rapaz” para ser um “indivíduo que até tem ficha na polícia”. Em última análise, tudo isto reverte em uma adoração do êxito. Tudo aquilo que não teve mau êxito será desculpável por pior que seja. Tudo aquilo que tem mau êxito será censurável. Tudo o que não fere os interesses pessoais é jocoso e interessante. Tudo que os fira será censurável e digno de condenação. * * * Essa moral tem, evidentemente, também sob outros pontos de vista, suas contradições. Um comerciante, ferido às vezes por circunstâncias imprevistas e invencíveis, pede falência: foi um homem que não pôde cumprir a palavra dada aos credores, e, por isto, em torno dele se estabelece um ambiente de reprovação. Um homem vai ao altar, jura manter uma fidelidade plena a sua esposa, sabe perfeitamente que não obteria o consentimento desta para o casamento se ela soubesse que tal juramento não é sincero, e, tudo isto ponderado, casa-se. Depois, rompe o compromisso assumido, e isto por um ato libérrimo de sua vontade. Mas contra esse homem só existe a reprovação dos parentes de sua esposa, os quais acham muito natural que outros façam o mesmo com pessoas que lhes são perfeitamente estranhas. Na moral comercial, presenciam-se aberrações do mesmo jaez. Um indivíduo pode impunemente ocultar os defeitos da mercadoria por ele fornecida, elevar desmesuradamente ou abaixar injustamente os preços, armar “trusts” e lançar ao desemprego centenas ou milhares de empregados: tudo isto é lícito. Mas ai dele se roubasse um cigarro ou um charuto em casa de algum amigo! E assim por diante, vê-se como a moral mundana é inteiramente vã, representando apenas a sobrevivência de alguns vagos princípios de moral católica. No artigo passado, vimos o que se deve pensar do “carola”. Por mais que esse tipo seja risível, como não o achar admirável em comparação dos sacripantas que tão freqüentemente o mundo canoniza como “bons”? |