Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

À margem do "conflito" teuto-russo

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 29 de junho de 1941, N. 458

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I - Ensina a Sagrada Teologia que são três os inimigos capitais de todo o homem que procura atingir sua santificação: o mundo, o demônio e a carne. Na liturgia do santo Batismo faz a Igreja com que os neófitos renunciem ao mundo, o demônio e a carne e assentem sobre os escombros da dominação de tais inimigos o edifício da vida espiritual dos filhos de Deus. Não se trata aí, de uma figura literária, mas de uma realidade objetiva e indiscutível.

A vida espiritual de cada alma se ressente da ação, ora mais intensa ora menos, destes três fatores contra os quais o homem luta com os recursos de sua inteligência e de sua vontade, iluminadas e robustecidas pela graça.

Qualquer pessoa erraria gravemente se, fazendo a análise da vida espiritual de outra - de um Santo, por exemplo - abstraísse de um desses três fatores. Eles atuam em todos os homens, se bem que de maneira sempre diversa de homem para homem, e abstrair de qualquer destes três adversários seria para o historiador de uma alma uma renúncia completa a qualquer trabalho histórico e crítico realmente [bem] feito.

II - Essas verdades são geralmente adquiridas, como também é geralmente aceito pelos católicos que a história de um homem é essencialmente a história de sua alma. Todo o resto são acidentes que só interessam na medida em que a alma dele se serviu para aproximar de Deus ou por eles se deixou dominar e separar do Criador.

Infelizmente, porém, essas grandes verdades não são transplantadas pela generalidade das pessoas para o campo da história dos povos. Se a História de cada indivíduo é sobretudo essencialmente a história de sua alma, é obvio que a história de um povo é sobretudo e essencialmente a história daquilo que se costuma chamar de mentalidade do país. É ponto indiscutível em Teologia que assim como perante Deus cada alma tem sua responsabilidade própria, também as coletividades humanas, como as famílias, as cidades, as classes sociais, os países, têm responsabilidades coletivas.

Para se ver isso, basta considerar que um povo tem responsabilidade própria e definida perante o tribunal de Deus. E um dos maiores deveres de um povo consiste principalmente na criação de um ambiente favorável à virtude e infenso ao vício.

III - Assim como a alma de um indivíduo é objeto de uma ação convergente da graça divina, que toca a inteligência e a vontade, e das tentações do demônio, das seduções do ambiente a da fragilidade da carne que nos arrastam para o mal, assim a mentalidade de um país trabalhada por todos esses fatores de santificação ou de pecado, é propriamente a história da vicissitude das lutas que na alma nacional de cada povo as virtudes travam contra o demônio, que constitui a medula da história nacional.

IV.  Destes fatores que, de um lado ou de outro, solicitam a inteligência e o livre-arbítrio do homem, um há que é essencialmente ininteligente: é a carne.

Mas os outros, isto é a graça de Deus, a ação do mundo e a do demônio são de natureza inteligente. Na vida de certos Santos, percebe-se como a ação da Providência é amorosa e sábia. Ela prevê com longa e inteligente antecedência todos os acontecimentos, tudo dispondo ou tudo tirando proveito para a santificação das almas. Menos perceptível na vida de outros Santos, ele nem por isso é menos real. Deus não falta e sua Providência é sempre infinitamente sábia e amorosa. Por outro lado, também se nota na vida de certos Santos como o demônio usa de todos os recursos de sua inteligência para os combater. De longe urde o príncipe das trevas seus embustes, prepara lentamente as crises, [prepara] paciente e gradualmente os acontecimentos até preparar aqueles estados de espírito que lhes permitirá desfechar o ataque tão ambicioso. Ora se há uma ação seguida, inteligente, articulada, pela posse de uma alma, como não se admitir uma ação inteligente, seguida articulada, para a posse da mentalidade de um povo inteiro? Isto quanto ao que diz respeito ao demônio. Vejamos o que se deve pensar do mundo.

V.  Quem fala em mundo não fala evidentemente no mundo material. 

O “mundo”, no sentido que a Igreja emprega a palavra, é a humanidade, o meio ambiente. Esta palavra tem na Escritura duas significações distintas. Segundo uma, indica toda a sociedade humana. Segundo a outra, apenas a parte má dessa sociedade. Assim, Nosso Senhor emprega a palavra no primeiro sentido quando diz que quer que o mundo inteiro arda com o fogo sobrenatural que Ele veio trazer ao mundo. E emprega a palavra em seu segundo sentido, quando na agonia, se recusa a rezar pelo mundo.

 Em um e em outro sentido, o “mundo”, também exerce uma ação inteligente. Não somos os que crêem que a responsabilidade de um homem se encerra com sua existência. Suas ações lhe sobrevivem. As idéias que ele pregou continuam a ter adeptos. As instituições que ele fundou continuam a atravessar os séculos.

Fala-se em “século de Péricles”, de Augusto, de Carlos Magno, de São Luiz, de Luiz XIV. Na realidade, esses homens não marcaram apenas um século com sua personalidade, mas muitos séculos, e se esses séculos se assinalaram é porque continuam a influenciar consideráveis massas humanas durante séculos inteiros.

Napoleão costumava dizer que a educação de uma criança começa cem anos antes dela nascer. Que significa isto senão que nossas idéias, nossos atos, nossas obras estão projetando sua influência sobre todas as gerações que nascerem dentro destes cem anos?

É isto que explica a coerência e precisão das grandes linhas dos acontecimentos históricos, linhas nas quais as gerações não são senão pontos, e os séculos não figuram senão como centímetros.

A história não é e não pode ser um conglomerado de fatos desconexos e ininteligentes. Não rebaixemos tanto o homem. Não prescindamos tanto a Deus, não fechemos tanto os olhos à ação do demônio.

VI - Por isto é que o “Legionário” não vê no grande assalto do naturalismo que teve início no século XV ou XVI e que, de impiedade em impiedade, chegou às grandes heresias religiosas, filosóficas e sociais modernas, somente uma irrupção tumultuária e desordenada do espírito da lascívia e da impiedade, um mero jogo de paixões inteligentes e interesses cegos, mas uma investida metódica que o espírito das trevas tramou contra os filhos do luz.  

VII - Com efeito, os pesquisadores que tem estudado a evolução das idéias religiosas, filosóficas e sociais, dos fenômenos políticos e econômicos, dos sistemas artísticos e dos modos de vida, desde o século XV até hoje, se comprazem em mostrar que até mesmo os fenômenos os mais espontâneos, as idéias as mais arraigadas, os acontecimentos os mais inesperados, tem sido aproveitados no sentido de imprimir à marcha da civilização um rumo uniforme que, partindo do naturalismo humanista, chegou a nossos dias à inteira negação da doutrina e da civilização católica, na legislação da URSS ou do III Reich.

Voltaire, contemplando a ordem admirável que rege  o movimento de todos os corpos celestes, escreveu a frase famosa: “Je me trouble et ne puis songer que cet horloge existe et n'ait pas d'horloger” [“Eu fico perplexo e não posso imaginar que este relógio exista e não exista relojoeiro”]. Tanta uniformidade de consequências no meio de um tumultuar de idéias e paixões desconcerta. E não se pode imaginar que sem um relojoeiro a disparidade das doutrinas e dos interesses dos Tempos Modernos, e na época contemporânea, apresentasse tal regularidade de consequências.

É evidente que o mundo teve uma imensa massa de produções próprias e espontâneas nesses muitos séculos que nos separam das primeiras manifestações do humanismo pagão. Mas o fato aí está, patente e até gritante: apesar de tanta espontaneidade de produção, houve uma coesão tão surpreendente de efeitos que realmente causa impressão.

VIII - Admite-se geralmente que a Renascença pagã gerou de monstro em monstro, de erro em erro, de revolução em revolução, o comunismo, cuja doutrina filosófica e social nefasta é a realização plena dos erros que o paganismo humanista tinha em seu bojo. Em última análise, a Rússia soviética apresenta uma semelhança chocante com o mundo antigo, exceção feita do que este tinha de bom. A mesma tirania absoluta, a mesma exploração de massas imensas por uma pequena oligarquia de gozadores. A mesma negação da personalidade humana, engolfada em uma concepção panteística do Estado. A mesma depravação dos sentidos. A mesma indiferença do homem para com seus semelhantes, que arrancou a um poeta pagão aquela exclamação hoje já cediça: “homo homini lupus”. A mesma negação de todos os valores superiores que fazem do homem o rei da criação e o elevam acima da brutalidade animal.

IX - Os escritores nazistas, fascistas e outros têm acentuado fortemente esta verdade e timbram, em geral, em responsabilizar por tamanha catástrofe as forças secretas, [...] "Maçonaria" tradicionalmente empenhadas em destruir a civilização ocidental, impondo ao gênero humano uma brutalização e um aviltamento que facilitará a realização de todos os planos [...].

Neste sentido, tem eles multiplicado livros e discursos em que, inegavelmente, servindo-se de documentos e argumentos já divulgados por autores católicos muito anteriores ao totalitarismo, afirmam, ao par de alguns exageros, muitas verdades incontestáveis e preciosas.

X - Qualquer que seja a posição que a este respeito se assuma, é impossível não reconhecer que se a destruição total da Igreja Católica e da civilização por esta criada é objeto de um plano metódico e multissecular, o nazismo apresenta uma execução flagrante e completa desse plano. Se os rabinos nacionalistas que perseguiam a Igreja nos seus primeiros séculos, porque ela pregava ao mundo um monoteísmo que não estava reservado senão aos filhos de Israel, tivessem podido ver em uma visão de muitos séculos o partido nazista, como teriam sorrido de gozo! Pois o que faz o nazismo senão reconduzir à idolatria pagã, abertamente professada e liturgicamente praticada, um dos povos mais gloriosos da civilização católica? Se Juliano o Apóstata tivesse podido prever o aparecimento de um Hitler no século XX, teria porventura exclamado o famoso “vicisti tandem, Galilei”? Se os humanistas pagãos da renascença tivessem podido ver em pleno século XX deuses mitológicos invocados não mais como figura de ficção literária, mas como entidades reais, o que teriam exclamado?

Há algum tempo atrás, nas escolas públicas de certos municípios brasileiros, se tornou obrigatório para os alunos que cantassem um hino a Tupã, antes das aulas. Era uma ridícula e indiscutível imitação do exemplo nazista. A este propósito, a revista “Careta” publicou uma espirituosa caricatura em que mostrava um ídolo indígena, posto no alto de uma coluna, e tendo a seus pés um menino que lhe dirigia o hino.

Na legenda, o caricaturista colocou mais ou menos as seguintes palavras: “Ó ídolo, eu bem dizia que acabaria por derrotar Anchieta”. Se todo o mundo pudesse compreender que realidade dolorosa e profunda há atrás desse gracejo certo, talvez sem que seu autor lhe medisse toda a importância!

XI - Não podemos perceber por que motivo certos espíritos obstinadamente curtos insistem em negar qualquer importância real ao paganismo alemão. Por que se há de entender que ele consiste em uma série de fórmulas ocas e sem conteúdo que seus próprios autores não tomam a sério? Não é pagã a legislação? Não o é a educação? Não o é a organização da família? Não são os princípios de força que norteiam toda a sua política internacional? O monte Tálgeto, de onde em Sparta se atiravam os filhos defeituosos, era apontado como símbolo do paganismo. Pois ele existe no III Reich, não mais sob a forma material de um monte, mas ressuscitado nas leis, nas idéias, e nas salas cirúrgicas onde se esterilizam os pretensos tarados. A escravidão era outra característica do paganismo. E o que é o trabalho forçado que o Sr. Hitler impõe a todos os habitantes da Alemanha, senão um primeiro passo, e bem grande, para a restauração da escravidão? O culto da força como única regra da vida dos homens e dos povos era típico no mundo pré-cristão. E onde atingiu ele proporções mais assustadoras do que no III Reich, onde se nega aos países fracos, aos homens fracos, aos povos ditos “inferiores” qualquer papel no mundo, que não seja o de instrumento para o serviço, uso e gozo dos homens e dos povos fortes?

Fala-se nas feras do Coliseu como típicas do paganismo. Hoje, nos campos de concentração, não há leões nem chacais. Mas há homens que sabem fazer sofrer mais do que leões e do que chacais...

“Não queremos mártires, mas apóstatas”, exclamava Juliano. De quem é hoje em dia essa exclamação? Não é dos adeptos da ideologia do Dr. Rosenberg?

Assim, se houve um plano premeditado para assentar sobre os escombros do mundo cristão, o mundo pagão, força é confessar que o nazismo realiza uma situação concreta que teria feito sorrir de gozo os autores deste plano.

XII - Quer isto dizer que entre o nazismo e o comunismo não existem diferenças? Não. A diferença está em que o nazismo procura realizar com um método sumamente inteligente e com um sábio espírito de contemporização aquilo que o comunismo tentou levar a cabo com uma estúpida precipitação.

O comunismo começou por incendiar igrejas e conventos, trucidar Sacerdotes e virgens consagradas ao Senhor, destruir com uma só investida todo o mundo czarista e recostar comodamente sobre seus escombros. Mas os morticínios fizeram mártires. Os crimes levantaram protestos e ascenderam ressentimentos. Sob os escombros das igrejas queimadas, ou à sombra das poucas igrejas que se conservavam abertas, a vida espiritual começou novamente a reflorir. A despeito do aspecto desolador em que a Rússia se encontra, das inúmeras e deploráveis ruínas morais que o bolchevismo conseguiu realizar, é inegável que não foi possível extirpar dali a Igreja Católica. O próprio chefe do serviço de propaganda oficial do ateísmo, nascido cismático, se converteu ao Catolicismo por ver o heroísmo sobrenatural com que os católicos resistiam à perseguição. Milhões de almas se perderam provavelmente. O povo se bestializou no ateísmo e na depravação. Mas não foi possível impedir que a Igreja sobrevivesse e estendesse suas raízes.  Mais uma vez a mão sangrenta da revolução via escapar-lhe das garras a oportunidade de esmagar integralmente l’infâme, isto é, a Igreja. Dos escombros do bolchevismo, como outrora dos da Revolução Francesa, a Igreja emergia vigorosa e cheia de uma vitalidade contra a qual todas as violências haviam sido irremediavelmente vãs.

XIII – Se um simples pecado mortal é coisa sumamente odiosa, que dizer-se de perseguição torpe e demoníaca que o comunismo moveu à Igreja? Não há palavras que bastem para censurar, nem lágrimas que bastem para chorar, nem energias que bastem para combater os horrores do comunismo. A Igreja floresce apesar da perseguição, e não por causa da perseguição. Tem-se repetido, com razão, que o sangue dos mártires é semente de cristãos. Mas essa afirmação implicaria em uma criminosa canonização de todos os perseguidores e de todas as perseguições, se não nos lembrássemos de que não menos fecunda sementeira de cristãos é a palavra de Deus distribuída aos povos pela Hierarquia em tempos de paz e liberdade religiosa. Isto posto, é preciso não supor que um católico pode ver na perseguição um bem ou quase isto: em tal caso, Nero teria sido um benfeitor e Constantino um malfeitor da Igreja.

XIV - Tudo isto não obstante, como não reconhecer que o inimigo mais perigoso do Catolicismo não é a espada, mas o sofisma, não é a ameaça, mas a mentira, e que Marat ou Calles fizeram muito menos mal às almas do que Voltaire ou Kant? A terribilidade de um inimigo não se mede pelo vigor com que se serve da espada, mas pela agilidade com que manuseia a pena.

Ora, se o comunismo tem sido abominavelmente cruel no exercício da violência, como mostrar que o nazismo tem sido ainda mais perigoso pois que, sem desdenhar a crueldade (digam-nos os campos de concentração), montou pelo rádio, pelo teatro, pelo cinema, pelo livro, pelos jornais, pelas exposições ambulantes, por todos os meios enfim, a mais formidável máquina de descristianização, por meios ideológicos que jamais a História tenha visto? Na sua ação ideológica internacional, o comunismo fracassara. Dotado de dinheiro larguíssimo, de todo o bafejo [...] das forças secretas, [...] o comunismo explorou contra a Igreja o ataque direto e desabrido, a injúria soes, a blasfêmia e a calúnia. E depois de muitos decênios, eis que prometera aos operários riquezas mirabolantes, jamais alcançou maioria eleitoral em qualquer país.

Ora, manda a verdade que se acrescente que a máquina de propaganda nazista foi utilizada com uma habilidade superior aos recursos da natureza humana. O nazismo não começou incendiando conventos nem matando sacerdotes: preferiu preludiar com a assinatura de uma concordata. O comunismo atirou os maus contra os bons. O nazismo começou por atrair a confiança dos bons, para depois os arrastar ao mal. Foi tal a convicção que a propaganda incutiu no espírito do povo de que Hitler era um novo Godofredo de Bouillon que vinha salvar a Igreja do comunismo, que Pio XI, na Enciclica “Mit Brennender Sorge”, em que condenou o nazismo, chegou a ponto de afirmar que só levantou sua voz contra este quando a perseguição já estava tão visível que ninguém a poderia de boa fé contestar, e isto se bem que, durante um largo espaço de tempo anterior, o Santo Padre já tivesse tido o desejo de se manifestar. Em outros termos o que significa isto? O próprio Pontífice o disse: receava ele não ser crido se denunciasse as perseguições nazistas, tal era a eficácia da propaganda oficial teuta, e por isto só falou quando a própria evidência dos fatos lhe servia de documento.

De lá para cá, como correram as coisas! O autor destas linhas não pode esquecer do acento de dor de um Sacerdote alemão que lhe dizia que, efetivamente, as devastações ideológicas do nazismo na juventude arrolada sob a bandeira hitlerista eram as mais vastas e desoladoras possíveis! Os moços! Como os amou Nosso Senhor! E como não poderia sentir o coração cortado de dor pensando que uma multidão deles chega ao paganismo o mais cru, nas fileiras nazistas?

Quer-se ter uma idéia da devastação que o nazismo conseguiu causar? Quem não conhece almas que recebem com assiduidade os Sacramentos que sempre creram em tudo que a Igreja crê, fizeram tudo o que ela manda, e no entanto... afirmam mais ou menos veladamente que Pio XI errou quando condenou o nazismo? Ou que, sem ousar chegar tão longe, pensam e agem em função do nazismo como se jamais o Santo Padre o tivesse condenado? E que depois disto se horrorizam diante da complacência de certos católicos franceses para com o comunismo, como se eles não tivessem incidindo em abominação igual! Oh, o arqueiro e a trave!

XV - Muito recentemente, se publicou na Inglaterra uma obra verdadeiramente extraordinária, de um sacerdote alemão, que, sob o pseudônimo de “Testis Fidelis”, narra toda a perseguição do III Reich contra o catolicismo.

É importante notar que o autor dessa obra, citado aliás em uma Pastoral do Cardeal-Arcebispo de Londres, mostra que a política do Sr. Hitler contra a Igreja não é apenas uma série de medidas de perseguição. Toda essa política tende a desenvolver um largo e profundo plano de descristianização do povo, a fim de eliminar toda a influência dos Evangelhos e assentar sobre princípios diametralmente opostos a estas uma civilização (?) nova.

Não se trata, pois, de uma luta passageira, mas de um antagonismo profundo, irredutível e militante, que empreende o cerco da Igreja com todas as armas. É o que “Testis Fidelis” demonstrou com impressionante precisão.

XVI - Nos planos de impiedade o comunismo fracassou. E assim, mais uma vez, o demônio atirará a um canto o azorrague, e começará a fazer a guerra de sofismas e mentiras que tão bom resultado lhe trouxe no Paraíso terrestre. A violência comunista não surtiu resultado total. A vitalidade da Igreja na Rússia, no México ou na Espanha dos republicanos será um dos mais belos capítulos de sua história em todos os tempos. Se o Sr. Hitler vencer na Rússia, sob a sua inspiração se começará a fazer ali o que se faz na Alemanha, e o que se começou a fazer, mais ou menos, por toda a Europa nazificada. O comunismo depravou os tíbios e os maus e perseguiu os bons. O nazismo encherá a princípio de entusiasmo, os bons, para depois arrastar para o mal.

Hoje como ontem, amanhã como hoje, o “Legionário” sustentou e sustentará a identidade do substractum ideológico do nazismo e do comunismo. Essa solidariedade ideológica não ficou apenas no terreno meramente doutrinário e especulativo. Publicaremos no próximo número uma lista de notícias que o “Legionário” deu em outras ocasiões, demonstrando a solidariedade efetiva entre os dois regimes.

XVII - Quem sabe - poder-se-ia objetar - se o Sr. Hitler teve o intuito de iludir o comunismo com uma aliança falsa, esperando depois atacá-lo quando já estivesse em declínio o poderio inglês? Quem sabe se não foi no próprio interesse da civilização católica que ele procedeu assim?

Não se compreende que o comunismo se tivesse deixado ludibriar assim. Não teria ele previsto isto? e teria ido seu engano a ponto de dar ordens a todos os partidos comunistas do mundo a fazer o jogo do nazismo?

Depois, se são esses os intuitos do nazismo, como explicar que ele faça tão forte perseguição religiosa na Alemanha? Para iludir? E também será para iludir que ele entregou parte da Polônia aos bolchevistas, sujeitando-a a uma tremenda perseguição religiosa? Serão esses os processos dos homens de Deus?

Entregam eles ao demônio milhares de vítimas para salvar a humanidade? Haveria mais abominável maquiavelismo do que o que jogasse com os destinos eternos das almas, mandando umas para o inferno para que outras se salvem?

XVIII - O “Legionário” mostrou insistentemente como depois do pacto teuto-russo, certo anti-bolchevismo de fancaria cessou inteiramente, pessoas que escancaravam a boca para falar do comunismo e censurar.

A temibilidade de um inimigo e não a aliança deste com a Inglaterra emudeceram de súbito quando o comunismo se aliou ao nazismo.

Toda a cócegas anti-bolchevista neles se havia acalmado como que por encanto... E contra o Sr. Hitler nem uma expressão de desencanto, nem uma voz de reprovação: “Il Führer ha sempre raggione”... [o Führer sempre tem razão]

Agora, provavelmente, esse comunismo de fancaria vai renascer, pois que será um pretexto disfarçado para apregoar a benemerência do novo Constantino do século XX.

XIX - E o que acontecerá?

Prever é sempre ingrato. Mas não está fora de cogitação que o Sr. Hitler, se vencer, constitua na Rússia um governo que procure fazer uma concordata com a Igreja (concedendo embora aos cismáticos posição melhor), e chegue talvez à restauração da monarquia (o que é pouco provável). Mas será uma monarquia ou governo Quislingeano. Como na Alemanha, a obra de desorientação começara por uma fase de acordos. Depois... virá o resto, isto é, a perseguição, a abolição gradual da fortuna particular, a paganização intensa, etc. etc. Em suma, para a Rússia gloriosamente renitente ao comunismo, se procurará encontrar meio mais eficaz de paganização. É isto o que, ao menos no momento, parece mais provável.

Mas se a Rússia vencer?

Já acentuamos como é lamentável... e, infelizmente, pouco raro o espetáculo de católicos que não se persuadem de que o nazismo e seus vários sucedâneos internacionais são contrários à Igreja. Há certa gente dotada de uma ingenuidade ou de um nacionalismo invencivelmente opaco, até que se constitua, que uma frente absolutamente única contra o inimigo comum de todos os católicos, infelizmente durará. Mas se vencer a Rússia, a frente única estará automaticamente formada. E todos nos encontremos em trincheira opostas à dela, dispostos a todos os heroísmos para esmagar a III Internacional, de cujos erros todos os católicos devem ser inimigos militantes, intransigentes, meticulosos e apaixonados. A nefandíssima “politique de la main tendue” está morta e sepultada.

Em relação aos comunistas, só há duas atitudes que de nenhum modo se excluem: rezar para que Deus os esclareça, e lutar em todos os campos e terrenos para que eles não façam mal ao próximo alastrando suas péssimas doutrinas.


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