Plinio Corrêa de Oliveira

 

Rerum Novarum

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 18 de maio de 1941, N. 453

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Numerosas são as comemorações que por toda a parte se realizam, a fim de celebrar de modo condigno o cinquentenário da Encíclica “Rerum Novarum. Entre estas, avulta de modo particular o “Congresso de Direito Social” que, com a colaboração de nossas autoridades eclesiásticas e civis e por iniciativa de um ativíssimo e valoroso grupo de realizadores, visa perpetuar o reconhecimento de todo o Brasil ao imortal Pontífice que, por seus ensinamentos, indicou o único caminho a seguir na tormentosa “questão social”.

O que publicamos em nossa edição de hoje, somado a tudo quanto sobre tão relevante acontecimento se vai ouvir nas sessões do “Congresso de Direito Social”, torna dispensável ao autor do artigo de fundo falar sobre a doutrina da “Rerum Novarum”. Assim, procuro abordar hoje um outro aspecto da grande Encíclica.

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Há dois modos de se estudar uma ideia. Um consiste em considerá-la de modo apenas especulativo. É propriamente o estudo da doutrina, estudo este sempre fundamental, sempre indispensável, sempre primacial em importância e cuja carência tanto prejudica a vida intelectual em nossos dias. O outro consiste em passar da posição especulativa para uma atitude mais prática, em mobilizar a vontade a serviço da doutrina que se estudou, em embeber dessa doutrina toda a personalidade ou, em outros termos, em assimilar essa doutrina, fazendo dela uma mentalidade.

Ora, a “Rerum Novarum” não é apenas uma exposição especulativa, mas uma Encíclica que cria uma mentalidade. E jamais teremos compreendido suficientemente a obra de Leão XIII se não atendermos a isto.

Muitas eram as mentalidades a respeito do problema social, antes da “Rerum Novarum”. Em geral, cada mentalidade traduzia a preocupação dominante de quem a possuía. Uns, levados por sentimentalismo vivaz, consideravam tão somente as desgraças da classe operária, e, na ânsia febril  de lhes dar remédio, se transformavam em apologistas de todos os meios, pacíficos ou violentos, legítimos ou ilegítimos, para realizar logo, e inteiramente, uma transformação que aliviasse o operariado dos males de que sofre.

Outros, preocupados com o problema da autoridade, com a necessidade de fazer face a todo o transe, à onda revolucionária que crescia, de evitar que o igualitarismo nivelador se apoderasse de toda a organização social e destruísse as “elites” tão indispensáveis à grandeza da civilização, tendiam a ver sobretudo na questão social, uma questão de revolução e de contra-revolução, e assim eram incondicionalmente do lado da autoridade e dos patrões, por mais justas que fossem as reivindicações operárias.

Ao lado destes dois grandes grupos havia evidentemente os exploradores. Os demagogos especulavam com a miséria operária, para facilitar o curso da revolução. E os plutocratas da alta finança internacional exploravam evidentemente os princípios de autoridade, para justificar seus lucros imoderados e sua sede de ganho.

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Leão XIII começou por desfazer este choque de mentalidade e separar nitidamente os exploradores dos idealistas. Não pode haver maior flagelo para os demagogos do que os conceitos, por vezes santamente duros, que o grande Papa expendeu sobre a “peste” do socialismo e sobre o câncer do espírito de revolução. Seria preciso ler as Encíclicas contra a maçonaria – a  grande envenenadora da questão social – contra o liberalismo, etc., para compreender tudo quanto Leão XIII levou a cabo contra a “raça de víboras” que, sob pretexto de caridade, queria atear o incêndio diabólico da revolução social.

Paralelamente a isto, Leão XIII desmascarou duramente as manobras dos ultra plutocratas que, sob pretexto de autoridade, queriam apenas oprimir o próximo e derrocou todo o castelo de pretexto e preconceitos liberais atrás dos quais se entrincheiravam para negar à Igreja e ao Estado o direito de intervir na questão social.

Finalmente Leão XIII mostrou claramente que os católicos não devem estabelecer uma falsa antinomia entre autoridade e caridade, que a autoridade não é tirania e a caridade não deve ser igualitarismo e que, por conseguinte, é indispensável que os elementos realmente católicos jamais ataquem a autoridade dos patrões levados por um falso espírito de caridade, ou combatam as reivindicações operárias quando legítimas, levados por um falso espírito de autoridade.

Quebre-se os dentes à hidra do liberalismo demagógico, decepe-se o demônio do egoísmo, estabeleça-se um largo espírito de cooperação católica entre as classes e nem os ditames da caridade chorarão a autoridade e nem a dignidade da autoridade ferirá os direitos da caridade.

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Esta mentalidade de equilíbrio, evidentemente, é essencial para se compreender e executar a “Rerum Novarum”. Sem ela, nada é possível fazer em matéria de atividade social católica.

Mas a este propósito cabe uma pergunta. O panorama social, depois de Leão XIII, ficou muito mais carregado em cores do que era então. Se hoje vivesse o grande Pontífice, como consideraria ele a realidade atual?

Exatamente como a considerou Pio XI no “Quadragesimo Anno”. Isto é, com o mesmo equilíbrio e a mesma sabedoria, e, portanto, preconizando as mesmas soluções.

A luta hoje não é tanto entre patrões e operários, quanto entre o estatismo e o individualismo. E a este problema Leão XIII teria exatamente a palavra de equilíbrio que teve Pio XI. Assim, não procuremos fazer hoje em dia da doutrina católica nem um pretexto para a restrição abusiva das funções do Estado e nem um pretexto para uma dilatação usurpadora de suas atribuições.

Trabalhemos com a mentalidade da Igreja, sendo sempre, como Ela, intransigentemente equilibrados em todos os nossos juízos e atitudes. E assim chegaremos certamente àquela vitória que tantos corações ardentes e almas generosas colimam.


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