Plinio Corrêa de Oliveira

 

Mais uma vez

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, N.º 441, 23 de fevereiro de 1941

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Um grande moralista, o Padre Vermeersch (S.J.), professor da Gregoriana, sustenta que a virtude que mais falta aos homens do século XX é a fortaleza. A afirmativa pode causar espécie. Por toda a parte, ao que parece, predominam as características da brutalidade do homem contemporâneo. Como, pois, sustentar que é a fortaleza que lhe falta? Não se poderia, muito pelo contrário, afirmar que o que ele perdeu foi o senso da mansuetude, da benignidade, da misericórdia farta?

Se bem que paradoxal, a opinião do insigne Jesuíta é perfeitamente verdadeira. O excesso de brutalidade não prova que possuamos a virtude da fortaleza. Não se confunda o endurecimento do coração paganizado dos homens de nossos dias, com a tempera de aço que deve ter todo coração verdadeiramente cristão. A brutalidade contemporânea não é algo que supera ou transcende a fortaleza, mas é pelo contrário uma caricatura dela. Assim, pois, a evidente bestialização da humanidade não significa, de modo nenhum, que ela possua aquela energia sobrenatural cuja carência o insigne professor da Gregoriana costuma lamentar. Por outro lado, se é fato que a brutalidade é a grande característica dos processos daqueles que estão arrolados sob as bandeiras de Satanás, (e digo intencionalmente no plural a palavra “bandeiras”, porque hoje Satanás possui diversas, com diversos emblemas e diversas cores), é absolutamente evidente que o mesmo não se pode dizer daqueles que lutam pela boa causa. A única característica do século XX não está na brutalidade dos maus, mas ainda na tibieza, na mansuetude covarde, na ingenuidade opaca, na irreflexão leviana, daqueles que, muitas vezes, empunham armas em defesa da boa causa. Chamberlain não é menos característico de nossa época do que Hitler; a perfídia de Von Papen não é mais típica do que a cegueira de certos católicos alemães que por ele se deixaram iludir, e, de modo geral, só há, neste triste século, uma coisa tão surpreendente e tão chocante quanto a brutalidade e o cinismo dos totalitários: é a ingenuidade e a falsa paciência dos que se lhes opõem.

* * *

Pensava eu em tudo isso quando, há dias, lia o noticiário europeu referente ao pacto turco-búlgaro. Segundo informava um despacho telegráfico, foi em vão que se esperou que a Rússia levantasse uma oposição qualquer àquele acordo, no qual não é difícil discernir as marcas digitais de Von Papen, embaixador nazista junto a Ancara. Interessada em defender a Rumânia, a Rússia recuou. Interessada em defender a Bulgária, recuou também. Interessada em salvar os frangalhos de seu prestígio europeu, conservando restos de hegemonia nos Balcãs, não se mexeu. E assim, sem estorvos nem embaraços, a influência nazista chegou àquela península, cobrindo hoje quase toda a Europa, e realizando assim um bloco totalitário imensamente temível para a Igreja.

Entretanto, os noticiários dos jornais, deixando transparecer evidentemente as esperanças do público, e, por sua vez, alimentando-as, encaminhava todos os espíritos no sentido de admitir uma próxima intervenção soviética na Europa oriental, intervenção essa que pusesse em sério cheque a expansão nazista. Entre esses infelizes “esperançosos” não terão faltado leitores do “Legionário” que, acompanhando já há anos a campanha que vimos fazendo no sentido de demonstrar a evidente afinidade nazi-soviética, a cada passo se põe a esperar novamente a colisão dos dois países totalitários e a estruturar castelos de ilusões com base nessa hostilidade evidentemente irreal.

Claro está que essa ilusão, versando sobre os acontecimentos bem remotos, não terá trazido para a Igreja conseqüência catastróficas. Isto não obstante, fica-se a pensar se as orientações de tais elementos, no caso de deverem enfrentar acontecimentos mais próximos, seria muito mais esclarecida e muito mais sagaz. Digamos a verdade. Nosso povo é ingênuo. A ingenuidade não é nele insanável e todos os homem que, por seu valor, souberam se destacar entre nós, fizeram-no pelo triunfo sobre esse pendor nacional. Num certo sentido, dado que todos os povos tem seus pendores maus, ainda devemos julgar-nos satisfeitos pelo fato de que nosso pendor é este, enquanto tantos outros tendem para a brutalidade sem limites. Mas essa verificação não nos deve servir de consolo, como aos Apóstolos, que dormiram no Horto das Oliveiras durante a agonia do Senhor, não poderia servir de consolo legítimo o fato de não terem sido eles nem o traidor nem os soldados que entregaram ou prenderam o Mestre. Muito mal tem sido feito pela ingenuidade dos bons e por isso mesmo o Mestre lhes recomendou a vigilância. Ora, o que é a atitude do ingênuo, senão a do indivíduo que não sabe vigiar? E o que é a vigilância senão a vitória sobre a ingenuidade?

Assim, pois, não é apenas por motivos meramente acadêmicos, que lamentamos tanta ingenuidade que se discerne em torno de nós. A razão é mais profunda. Mas os ingênuos continuarão a não concordar... Para certos ingênuos, a única cura possível é a primeira dentada do lobo. Só então acordam, se a dentada não for desde logo em órgão vital.


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