Plinio Corrêa de Oliveira

 

Missões

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 26 de janeiro de 1941, N. 437

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É sem dúvida uma notável realização a grande campanha missionária que se realizará em toda a Arquidiocese a título de exercício quaresmal e preparação pascal, por determinação do Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano.

O “Legionário” dará ulteriormente, a seus leitores, informações pormenorizadas acerca do grande plano elaborado para conseguir o êxito do notável empreendimento. Por hoje, bastem-nos algumas considerações gerais sobre o assunto.

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Quando ouvimos falar em missão, vem-nos imediatamente ao espírito a idéia de alguma longínqua obra de apostolado entre os selvagens do Alasca, do Solimões ou de Uganda. Realmente, no uso comum, este sentido do vocábulo “missão”, sentido sem dúvida exato, mais restrito, como que monopolizou a palavra. E, assim, não serão talvez muito numerosos os paulistas que, ao ouvir dizer que a Arquidiocese será missionada, pensarão que a Igreja julga que retornamos às condições precárias dos zulus ou dos tupiniquins. Entretanto, a palavra “missão” tem um sentido muito mais amplo, que neste artigo procuraremos esclarecer.

O verbo latino “mittere” significa “enviar”. Dele deriva a palavra “missionário”, que significa “enviado”. Dele também deriva a palavra “missão”, que é o ato pelo qual se envia alguém a alguma pessoa ou a algum lugar.

Um Sacerdote que desenvolve na Nigéria ou entre os esquimós sua ação apostólica, pode ser chamado “missionário” com toda a propriedade de expressão, pois que foi o próprio Deus que o enviou. Ele é um enviado, e quem o enviou foi a Igreja. Quem o enviou foi Deus.

A grande missionária por excelência é a Hierarquia Eclesiástica. Recebeu ela de Nosso Senhor Jesus Cristo a incumbência de pregar a todos os povos, batizando-os em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, e assim fraqueando-lhes as portas da vida eterna. A Hierarquia Eclesiástica, sendo enviada por Jesus Cristo a todos os povos, é, pois, no sentido mais exato e mais literal da palavra, uma missionária, ou antes, a grande missionária por antonomásia. Ela não foi enviada apenas aos povos que os Apóstolos visitaram, nem aos homens que viveram na época em que os Apóstolos viviam. Sua missão abrange, geograficamente, toda a Terra, e, cronologicamente, todos os séculos. De sorte que, pregando em Paris tanto quanto em Madagascar ou na mais miserável tribo malgache, falando a sábios ou a analfabetos, a ricos ou a pobres, a habitantes dos pólos ou dos trópicos, a nórdicos louros como heróis de lenda, ou a africanos negros como a ébano, Ela outra coisa não faz senão desenvolver sua ação de grande missionária.

Assim, pois, a Igreja é sempre missionária, e onde quer que Ela desenvolva seu labor apostólico, Ela está realizando uma atividade que, com toda a propriedade de expressão, pode ser chamada de missionária.

Isto posto, é obvio que também em São Paulo podem se realizar missões, pois que, existindo a Igreja em São Paulo, aí existe uma atividade missionária ininterrupta. E ai de nós, se para nossa suprema desgraça, essa missão algum dia deixasse de levedar as almas para a vida eterna.

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Em sentido mais estrito costuma se chamar “missão” às expedições apostólicas que demandam lugares inteiramente alheios à vida da Igreja, ou que, começando apenas a se converter, ficam por isto mesmo em situação anormal. Assim, por exemplo, é obra missionária, no sentido mais estrito da palavra, enviar Sacerdotes a uma região inteiramente pagã, onde a Igreja de Cristo seja inteiramente desconhecida. Assim também, é obra missionária, no sentido mais estrito da palavra, enviar Sacerdotes, ou simples Religiosos, a lugares onde, sendo ainda incipiente a vida da Igreja, não há uma Hierarquia Eclesiástica organizada. Os Vicariatos Apostólicos, as Prelazias, etc., são terras de missão, exatamente porque, sendo em tais lugares muito incipiente a vida da Igreja, não há propriamente Dioceses organizadas, mas apenas embriões de Dioceses, correspondendo ao estado embrionário das cristandades aí existentes.

Assim, a Igreja considera igualmente missionário enviar Sacerdotes a Noruega e Suécia, onde é pequeníssimo o número de católicos, e não há propriamente Dioceses, ou à Finlândia, ou mandá-los ao Solimões, ao Rio Negro, ou ao Oiapoque.

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Mas, ainda em sentido estrito, a palavra “missão” tem, na Igreja, outro grande e glorioso significado.

Viveu, no século XVII, um grande e santo Bispo, hoje inscrito no rol dos Doutores da Igreja. Impressionado com a crassa ignorância religiosa dos habitantes do campo em seu tempo, ignorância esta que os levava a ser, muitas vezes, quase tão alheios às coisas da Igreja quanto as populações mais longínquas do centro da Cristandade, comoveu seu coração apostólico, e, em seu espírito nasceu a idéia de fundar uma Congregação Religiosa que se incumbisse especialmente de evangelizar tais populações. Deste projeto, alimentado por Santo Afonso de Ligório - era este seu nome - e abençoado pela Igreja, nasceu a Congregação do Santíssimo Redentor, correntemente chamada dos Redentoristas.

A evidência dos fatos levou os gloriosos filhos de Santo Afonso de Ligório a não evangelizar apenas os habitantes dos campos. Estes, com efeito, se eram de diminutíssima instrução religiosa, ao menos eram protegidos, na austeridade de seus costumes, pelas próprias condições da vida dos campos. Pelo contrário, nos grandes aglomerados urbanos, que no tempo do grande Doutor já apresentava grande vulto, e tem crescido de lá para cá de modo cada vez mais assustador, há também camadas inteiras da população que não se limitam a apresentar a ignorância da gente do campo, mas que, a essa ignorância somam preconceitos de toda a ordem, habilmente disseminados pelos fautores de heresias, pelos subversores da ordem social, pelos anticlericais de todo o bordo, que envenenam em ação pertinaz e constante a alma popular.

A essa ação doutrinária dissolvente, deve-se somar ainda a ação corruptora dos divertimentos ilícitos, dos jogos, dos antros os mais variados, e ter-se-á uma idéia  nítida de todo o esforço desenvolvido pelos adversários da Igreja junto às grandes massas urbanas. Nesse terreno, tão duramente flagelado pelos inimigos de Cristo, a Igreja não poderia estar ausente. E um dos meios de ação mais fecundos, mais poderosos, mais ricos em graças de que ela dispõe, são exatamente as chamadas “Santas missões”.

Os Sacerdotes Redentoristas, especialmente afeitos a este duro mister, procuram os grandes aglomerados urbanos, e instalados na Paróquia ou quiçá fora dela, dirigem a palavra ao povo, pregando as verdades eternas.

A História registra os frutos imensos desse trabalho, para o qual os Filhos de Santo Afonso tem graças especiais. Não só Paróquias, mas vilas, cidades e Províncias inteiras tem sido regeneradas pela ação denodadamente apostólica dos Padres Redentoristas. Essa ação não tem sido apenas reconhecida pelos amigos da Igreja. Tem ela ainda outra consagração, por certo muito significativa: é o rancor dos inimigos da Igreja. Quantos e quantos dentre eles tem escrito contra as missões! E quantos tem proposto sua supressão! E quantos tem apontado como motivo de todo esse furor as conversões inumeráveis que as missões tem alcançado.

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Assim, pois, a iniciativa do Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano, firmada nos mais seguros antecedentes da tradição eclesiástica, vai proporcionar a todos os seus filhos espirituais os benefícios de um excelente costume da Igreja.

Ora, o que ninguém poderá contestar é que nesses prédios de apartamento, nesses cortiços, nesses quartéis, hospitais, fábricas, escolas, clubes, etc., há realmente almas infelizes, privadas da luz de Cristo, e que se encontram a distância muito maior da Igreja do que muita alma que, embrenhada pelas selvas da África ou perdida nas imensidões gélidas do Alasca, começam apenas a ser atingidas pelos esforços missionários!

Assim, pois, é com grande oportunidade que as missões se farão em São Paulo e é de uma urgência absoluta que todos rezem por seu êxito, concorram financeiramente ou com seu trabalho para sua grandeza, e enfim se dediquem de corpo e alma à grande ofensiva missionária que S. Ex.a Rev.ma desferirá agora em São Paulo.


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