Plinio Corrêa de Oliveira

 

Terceiro ato (3)

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 6 de outubro de 1940, N. 421

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Resumamos nossos dois artigos anteriores:

1) Os inimigos da Igreja e da civilização ocidental por ela elaborada jamais sonharam em estabelecer no mundo uma ordem liberal. O liberalismo foi, para eles, um pretexto para dissolver a estrutura de base monárquica e aristocrática da Europa ocidental, para a substituir por uma ordem jurídica e social inteiramente oposta.

O Catolicismo, di-lo Leão XIII com sua soberana e decisiva autoridade, não se identifica com qualquer forma de governo, e pode existir e florescer, quer em uma monarquia, quer em uma aristocracia, quer em uma democracia, quer ainda em uma forma mista, que contenha elementos de ambas. O destino do catolicismo não estava, pois, ligado ao das monarquias europeias.

Isto não obstante, é incontestável que estas monarquias, ao menos em seus traços fundamentais, estavam estruturadas segundo a doutrina católica. O liberalismo quis aboli-las e substituí-las por uma ordem diversa. A transformação que ele operou foi de monarquias aristocráticas de inspiração católica, em repúblicas burguesas e liberais de espírito e mentalidade anticatólica. Parecendo alterar apenas a forma de governo, o liberalismo, na realidade, deslocou as organizações políticas de nosso século e do século passado, das bases católicas em que assentavam, em bases anticatólicas.

Foi esta a tarefa histórica do liberalismo.

2) Na realidade, porém, o liberalismo sectário e anticlerical foi, no fundo, sempre e invariavelmente... antiliberal. A história de todos os movimentos liberais é esta. Enquanto estavam na oposição, reclamavam a liberdade de pensamento. Empossados no poder, começavam por perseguir do modo mais cruel os seus adversários ideológicos. Assim, pois, a reivindicação das liberdades públicas não era para eles o ideal a ser atingido, mas mero meio para conseguir o estabelecimento de um regime ferreamente ditatorial, que lhe servisse para impor livremente suas idéias.

Foi este o caso do terror, na França, e de todas as revoluções liberais vitoriosas, quer na Europa quer na América.

Retenhamos, pois, a seguinte consequência de incalculável importância: a ditadura de uma ideia hostil à Igreja foi sempre o móvel supremo do liberalismo. Para ele, a liberdade consistia em mero meio de ação quando estavam em oposição os liberais. O liberalismo jamais foi autenticamente liberal.

3) Precisemos a ideia suprema que, sob o pretexto liberal, o liberalismo queria fazer triunfar.

Assim como a aceitação, pela humanidade, dos princípios católicos, embora constitua atitude de caráter religioso, tem consequências de ordem política e social tão profundas, que chega a gerar uma civilização inteiramente nova, assim também, e necessariamente, a aceitação de doutrinas anticatólicas deve gerar uma outra civilização, em que as instituições políticas e jurídicas, a organização social, o regime do trabalho e a vida de família sejam inteiramente diversos.

Essa dupla apostasia, a das almas primeiramente, a das instituições e da sociedade em segundo lugar, foi sempre o móvel profundo da pseudo Reforma, da Revolução Francesa, dos movimentos (...) de aparência liberal etc. etc.

A expressão política e social mais coerente e mais radical desta corrente está no marxismo: uma ditadura proletária e absolutamente igualitária, de base perfeitamente anticatólica, que persiga com a máxima intransigência e o máximo rigor tudo o que, na ordem meramente ideológica como na ordem política, seja de molde a lhe causar o menor obstáculo.

4) Dotada pelo Espírito Santo de uma maravilhosa fecundidade, a Igreja Católica, a despeito de todo o trabalho movido contra Ela, reconquistou depois da guerra de 1914 imensa influência nas almas. À luz das ruínas fumegantes do conflito europeu, e sob a impressão sinistra dos movimentos sociais que ameaçavam subverter e consumir o mundo inteiro, a opinião pública começou a compreender melhor as Encíclicas e ensinamentos da Santa Sé, e o grande fato da pós-guerra foi indiscutivelmente um renascimento religioso verdadeiramente maravilhoso.

Uma expressão desse renascimento foi o êxito com que, em quase todos os países europeus, os católicos, dóceis ao ensinamento de Leão XIII, começaram, por toda a parte, a intervir na vida cívica, organizando grandes agremiações eleitorais que se apossaram da direção dos negócios públicos, e por toda a parte esmagavam as esquerdas. Bruning na Alemanha, Dollfuss na Áustria, o Partido Católico na Bélgica e na Holanda, a Federation Nationale Catolique na França, Gil Robles na Espanha, Dom Sturzo na Itália, servindo-se da liberdade de ação que o regime liberal outorgava indistintamente a bons e maus, conquistaram na vida cívica triunfos assinalados. Um renascimento de influência católica na vida cívica foi a consequência de seu renascimento na vida intelectual.

Posto de um lado o monstro hediondo da revolução social, e de outro lado a santíssima Cruz do Redentor, a humanidade abandonava cada vez mais a revolução, e se aproximava cada vez mais da cruz.

5) Foi à vista disto que o demônio resolveu fazer-se cruzado. Empunhou a bandeira da reação social. Multiplicou por todos os países os partidos da pseudo-direita, e, intentando o propósito evidentemente temerário e irrealizável de fazer uma cruzada sem cruz, quis promover a reconstrução de uma cristandade sem Igreja, de uma cristandade sem Cristo, de uma cristandade que não seria senão o cadáver da verdadeira e autêntica Cristandade.

Daí o nazismo de camisa parda, o camisa oliva dos fascistas britânicos etc., etc.

Em última análise, o que viria a ser o regime instituído por estes partidos: uma ditadura tão férrea quanto a comunista, tão sem religião quanto ela, tão igualitária quanto ela. Logo, este anticomunismo era, no fundo, perfeitamente comunista.

Em outros termos, a reação era uma grande farsa!

6) Mostrou-o exuberantemente Pio XI, nas duas magistrais Encíclicas contra o nazismo e contra o comunismo. O pacto Ribbentropp-Molotov veio dar-lhe razão. Na ordem teórica como na prática, a ditadura proletária e anticatólica do nazismo se apertam a mão amistosamente. A farsa acabou: o pseudo-cruzado acabou abraçando o neo-maomé, e deixou abandonada a Cruz que simulara defender.

Durará esta situação?

Depende. É o que hoje pretendemos mostrar.

* * *

O grande meio de “bluff” dos partidos da pseudo-direita é o entusiasmo. Criam eles uns tantos lemas de sentido vago, de valor literário duvidoso, mas capazes de empolgar as massas. Ambíguos, estes lemas, que cada qual os interpreta à vontade, conciliam as mais variadas tonalidades da opinião pública. Isto tudo se arregimenta em partidos submetidos a uma calefação psicológica intensa. Todos os seus partidários aplaudem freneticamente idéias vagas, programas vagos, objetivos de ação vagos. Todo o mundo se sente embriagado de heroísmo diante de vagos perigos, multiplicados na imaginação dos partidários pela circulação de notícias dramáticas sobre conspirações etc. Um entusiasmo ardente arrebata a multidão. O incondicionalismo é apresentado como único meio de vitória. Analisar ou raciocinar é trair. Pensar, portanto sem raciocinar ou analisar, também pensar é trair. Só uma coisa é legítima: obedecer sem discutir, morrer sem saber porque.

Assim, ao lado da Religião forma-se, no coração do partidário, uma idolatria política que ocupa em seus afetos um lugar que só à Religião deveria pertencer. Está preparado o terreno: no dia em que a Religião tiver um atrito com o partido, o entusiasmo deve arrancar da Igreja o fiel que o amor de Deus já não conseguirá reter.

Isto posto, é evidente que qualquer obra de nazificação supõe necessariamente uma obra de entusiasmo. É preciso gerar o entusiasmo. E, para tanto, é preciso ter algum grande inimigo comum contra o qual atirar as massas fascinadas.

Assim, não é impossível que a propaganda nazista, dia mais dia menos, ou ano mais ano menos, restaure o velho mito do anticomunismo. Atuando a fundo na mentalidade dos povos conquistados, a propaganda nazista procurará nazificar a todos eles. Não nos iludamos: o desmembramento dos países pequenos como a Holanda, a Bélgica, a Suíça etc., servirá de ficha de consolação à França de Pétain. Procurar-se-á entusiasmar o povo francês, o povo belga, o povo holandês, o povo norueguês. A todos dará uma compensação na carniça dos povos pequenos. E neste dia, a propaganda nazista terá chegado ao auge de sua eficácia.

Isto posto, quem não percebe que o cenário se pode modificar bruscamente, e que amanhã como ontem somos capazes de ver um mundo cada vez mais bolchevizado pelo nazismo, atirar-se contra o comunismo, para o destruir? Pouca gente perceberá a farsa. No fundo, quando o nazismo houver vencido o mundo, terá vencido realmente o programa da III Internacional. Simplesmente, a bandeira rubra terá sido substituída pela parda, a foice e o martelo pela cruz suástica.

Mas a Igreja de Deus é indefectível. Antes disto, Deus intervirá nos acontecimentos, e salvará a pobre humanidade pecadora.


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