Plinio Corrêa de Oliveira

 

Terceiro ato

(continuação)

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 29 de setembro de 1940, N. 420

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Mostramos, em nosso último artigo, o panorama da Europa de pós-[Primeira] Guerra.

O comunismo, que era consequência lógica dos princípios de Rousseau, de Voltaire e da Revolução, havia feito no Velho Continente devastações sem igual. Por toda a parte, nas elites intelectuais, artísticas e sociais, nos parlamentos, na diplomacia, nas classes armadas, nos círculos mais responsáveis do movimento financeiro e da vida agrícola, conquistava ele partidários resolutos e dedicados. Todos sentiam que a forma republicana burguesa da Europa não oferecia a esta o apoio de instituições estáveis e fixas, e que era mister caminhar para uma outra ordem de coisas. E mais do que nunca, eram volumosas as fileiras dos que procuravam, na foice e no martelo do emblema comunista, o símbolo deste mundo novo que haveria de nascer.

Entretanto, se das hostes liberais que até 1914 constituíam a maioria numérica da opinião europeia, o movimento migratório para o comunismo era vigoroso, também das mesmas hostes o movimento para o catolicismo não era menor, a expansão comunista fizera sentir claramente, aos espíritos que ainda conservavam ao menos resquícios de bom senso e moralidade, o abismo a que conduziriam necessariamente  as doutrinas cépticas e liberais dos enciclopedistas. Isto posto, não lhes foi difícil perceber que só a Igreja proporcionaria ao mundo base para um estado de coisas diverso do comunismo. Daí um movimento de admiração em torno da Igreja, que fazia com que crescesse o amor que a Esta votavam os fiéis, e subisse extraordinariamente o número de conversões das mais altas esferas intelectuais.

Paralelamente à expansão comunista, o outro fenômeno que domina a pós-guerra é indiscutivelmente o de um movimento católico de caráter social e político que recoltava em mãos católicas uma influência preponderante na direção da vida cívica e das atividades sociais da maior parte dos povos. Um conhecido historiador francês não católico chegou a afirmar que a Igreja alcançou em nosso século, por meio da ação política dos católicos, uma influência maior do que a que teve nos mais áureos dias da Idade Média.

O Catolicismo e o comunismo pareciam claramente como os dois polos de atração do pensamento contemporâneo. Ou o Catolicismo no que esta palavra tem de essencialmente completo e profundo, ou o comunismo. Não havia outra alternativa. E cada vez mais o mundo, colocado entre o demônio e Jesus Cristo, numa situação tão claramente definida pelos fatos objetivos, optava por Cristo contra Belzebu. A prova disto era sem dúvida o renascimento católico entre os estudantes e em geral na mocidade. Por toda a parte, trabalhada pelo Espírito Santo, como diz Pio XI, a mocidade se acercava novamente de Jesus Cristo. E todos sabemos como Jesus Cristo é bem servido quando Ele tem a Seu serviço os moços.

Que faria o demônio? Lutar de viseira erguida? Mas a viseira erguida é para ele a máxima ruína, porque ele é todo repelente em seu ser, e desde o alto da cabeça até a planta dos pés nada tem que não seja horripilante. Que fez ele? Não podendo dentro deste panorama, lutar e vencer, não podendo atrair para a ditadura ateia e igualitária que era seu ideal as massas, empunhou por sua vez o estandarte da ordem, turvou o ambiente, fez-se cruzado contra o próprio comunismo... e acabou arrastando o mundo inteiro às portas da mesma ditadura proletária e ateia que nunca deixou  de ser seu ideal.

Como se passou isto?

* * *

Por toda a Europa, começaram a aparecer movimentos anticomunistas fortemente organizados. Não tinham eles um programa fixo nem uma base ideológica claramente definida. Afetavam ser radicalmente anticomunistas. Depois do esmagamento da hidra, ver-se-ia pormenorizadamente o que fariam.

O aspecto positivo de seu programa era sumamente complexo, tanto do ponto de vista filosófico como político. Filosoficamente, seus pensamentos se escondiam atrás de uma fraseologia ambígua, que tanto poderia ser interpretada em sentido católico, quanto em sentido teosofista e panteístico. Politicamente, pleiteavam eles reformas radicais vagamente enunciadas, contidas em fórmulas dotadas de violento poder explosivo sentimental, mas cujo conteúdo ideológico seria difícil precisar: “a grandeza do país”, a “restauração de uma nação imperial”, etc., etc., faziam sonhar as massas com delírios de grandeza e de poder, cujo preço se insinuava desde já que deveria ser uma obediência cega.

Estude-se uma por uma estas fórmulas, e ver-se-á que elas tinham um duplo objetivo: a) amalgamar na mesma corrente pessoas de opiniões muito diversas das quais cada qual interpretaria a ideologia do partido a seu modo; b) criar um ambiente de entusiasmo delirante, frenético, incondicional, em torno do partido, seus homens e suas insígnias. A admiração do chefe ocupa sempre um papel mais importante do que as idéias. O chefe é infalível, “ha sempre raggione” [ele tem sempre razão]. É ele o demiurgo que conquista províncias, derruba montanhas, ergue exércitos, seca pântanos, e destrói os vizinhos. Ele é o próprio partido. É para segui-lo que o partido existe. O que ele fizer está bem feito. O incondicionalismo é o fim supremo, a mais alta perfeição, o requinte mais genuíno do espírito do partido. É algo como a Santidade da Igreja. É a plenitude da integração do espírito do partido.

* * *

Qual a posição da Igreja nesta ideologia? Está aí o erro fatal: a Igreja é apontada como uma boa aliada, como uma colaboradora útil, não porém como o alicerce essencial, como a salvação por excelência, a arca fora da qual só há perdição, a doutrina monolítica que só é autenticamente aceita quando aceita inteiramente, sem reservas, sem restrições, sem rebuços.

Assim, pois, o ambiente se turvou. Não houve mais dois campos nem dois estandartes. Não havia só, face a face, Cristo e o demônio. Aparecera, nas mãos dos partidos das direitas, uma “terceira solução”, suportável talvez para os católicos como um mal menor, mas sempre uma solução, para a qual Cristo não era a pedra angular: portanto, uma solução precária, que no fundo fazia o jogo do demônio.

A limpidez meridiana do quadro à Santo Inácio, dos estandartes da Igreja e do demônio, se diluía nas névoas deste novo artificio. As massas bolchevistas cometeram o crime de se levantar contra Cristo. Os “homens de bem” - notem-se as aspas - cederam à tentação de alicerçar fora de Cristo sua salvação. “Sereis como deuses”. Isto é, dareis como se fosses deuses, ao edifício social, a estabilidade que só Deus lhe pode dar. Mais uma vez, a miragem seduziu o homem: o triunfo das direitas estava assegurado.

Mas a manobra foi feita dolosamente. O ambiente de entusiasmo supunha um ambiente de unanimidade nacional. E não era possível conseguir essa unanimidade, senão atraindo para esses movimentos os católicos ingênuos.

Evidentemente não foi difícil arrastar para esses movimentos certos católicos habitualmente elogiados por seus adversários como “sensatos”, “compreensivos”, “generosos”, que no fundo são imprevidentes, acomodatícios e faltos de energia. Aderiram eles ao movimento da direita com o intuito de os infiltrar até o fundo da alma, porque “quem ama o perigo nele perece”, como diz o Espírito Santo.

Assim, pois, os católicos filiados a estes movimentos começaram por achar que deviam interpretar em sentido favorável todas as suas ambiguidades. Cometido este erro, começaram a se empolgar pelo movimento, e a entender que o deveriam servir com todo o afinco, pois que não era contra a Igreja.

Este abismo atraiu outro abismo. E começaram eles a sentir um tal ardor de incondicionalismo político, que se poderia perguntar por quem optariam, caso a Igreja entrasse em conflito com o partido. Evidentemente, foi necessário um certo engodo. Hitler assinou para este efeito a concordata com a Santa Sé, como todos os partidos da direita também prometiam suas concordatas. Prometia-se tudo. Mas uma coisa ficaria claro: o regime não seria católico, se bem que favorecesse a Igreja.

Essa atitude foi eficaz. No engodo destas concordatas, muitos católicos, esquecidos das legítimas reservas da Hierarquia, se precipitaram no abismo. E, assim, além de roubar à Igreja todas as massas desejosas de combater o comunismo, mas que não eram explicitamente católicas, roubara ainda inúmeros católicos.

Qual o termo final disto? Com clareza cada vez maior, o lado positivo dos regimes da direita foi perdendo sua primitiva ambiguidade. Não se tratava mais de esconder a realidade: o nazismo, como outros “ismos”, foram mostrando programas e convicções filosóficas tão vizinhas do comunismo, que a linha demarcatória entre uma e outra coisa desapareceu.

Insistentemente, Pio XI denunciou esta verdade. O pacto Ribbentropp-Molotov veio mostrar sua autenticidade. As direitas não eram senão pseudo-direitas. Arrastando as massas na luta contra o comunismo, as pseudo-direitas as levaram na realidade a uma ditadura proletária e igualitária, tão perfeitamente ímpia quanto a de Moscou. Satanás tinha ganho a partida.

Isto posto, pergunta-se se as coisas continuarão como estão. Novamente, o ambiente se aclarou de modo meridiano, e de um lado ficaram os católicos e do outro os totalitários. Será que o demônio permitirá que isto dure muito?

Receamos que não, e que um súbito embuste venha novamente turvar os campos. De um lado, é provável que os totalitários da pseudo-direita tentem novamente ocultar seu ardor anticatólico, abrandando sua linha de conduta para com a Igreja. De outro lado, não é impossível que sua campanha anticomunista vá recomeçar. Novamente, se acreditará que as pseudo-direitas são legiões de Anjos. E finalmente se verá que não há para isto a menor razão.

É o que a política “religiosa” de Pétain nos faz supor. Vejamos se esta hipótese se comprovará.


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