Plinio Corrêa de Oliveira

 

A nazificação da França

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 14 de julho de 1940, N. 409

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Como é doloroso para um jornalista católico verificar que suas previsões mesmo as mais sombrias tiveram nos fatos uma completa e inexorável confirmação! É essa dor que sente de modo amargo o “Legionário” ao registar as notícias publicadas esta semana na imprensa diária acerca da nazificação da França.

A nazificação da França! Estas palavras “hurlent de se trouver ensemble” [urram de se encontrarem juntas], e nossa pena treme de terror ante a enormidade da expressão que escreveu. Nazificação significa paganização, e a nazificação da França será, pois, a paganização da primogênita da Igreja. Nazificação significa proletarização, e a nazificação da França significa, pois, a proletarização do país em que as belas maneiras, a distinção, o “air de cour” [o ar de corte, n.d.c.], atingiram a expressão mais alta e mais genuína. É a pátria do minueto que se pretende d’ora em diante fazer marchar com o “passo de ganso”. É a literatura francesa, fina, leve, cristalina, nobre, que se pretende aviltar com a introdução do calor nazista, pesado, insolente, gotejando barbárie. Não há um só espírito bem formado que não considere esse empreendimento uma abominação. E é esta abominação que se pretende perpetrar!

* * *

Nesses últimos anos, o “Legionário” tem sustentado uma luta ingrata e intensa no sentido de desmascarar a política dos “homens de Munich”. Daladier na França e Chamberlain na Inglaterra, cercados ambos de uma camarilha de políticos docilmente postos às suas ordens outra coisa não fizeram senão prejudicar os respectivos países em benefício dos nazistas. A propaganda nazista sempre apontou os governos francês e inglês como agentes do judaísmo e da maçonaria, e por isso mesmo como forças bolchevizantes irredutivelmente adversárias do nazismo. O pacto Ribbentrop-Molotoff provou, entretanto, que a hostilidade teuto-russa não passava de um blefe. Isto posto, como definir a posição dos governos da França e Inglaterra? Se obedeciam à III Internacional e esta era ligada ao eixo Roma-Berlim, forçosamente teriam eles de ser simpáticos à Alemanha.

Infelizmente provou-o de modo exuberante o próprio curso dos fatos. A inominável vergonha de Munich; o colapso polonês verificado sem que a França e a Inglaterra agredissem a Alemanha; o desabamento da Noruega e Dinamarca que os aliados “não puderam” prever, a oprobriosa imobilidade a que reduziram por ordem superior as heroicas forças francesas da Maginot; as “curiosas coincidências” que determinaram a invasão da França, e a tragédia desse armistício tão duramente vergastado pelos franceses do mundo inteiro, que telegrafaram a Pétain lançando-lhe em face o ato que praticara, tudo isso prova que ou os “homens de Munich” são as criaturas as mais ineptas do mundo, ou obedeceram a um plano diabólico que visa a implantação do paganismo no mundo inteiro.

* * *

Quando o “Legionário” afirmava estas coisas, os franceses e ingleses que o liam acusavam de inimigo dos aliados. Aos franceses, se necessário fosse, responderíamos hoje que neste caso também são inimigos de seu país as colunas francesas que tão severamente telegrafaram a Pétain dos mais variados pontos do mundo, desde Tóquio até o Cairo, Canadá e Manilha.

Aos ingleses, perguntamos hoje se são inimigos de seu país os cidadãos britânicos cujo descontentamento o telegrama abaixo descreve:

“LONDRES, 2 (United Press) O descontentamento popular latente contra os membros do governo e demais funcionários partidários da política de apaziguamento ganhou hoje um novo impulso com a resolução aprovada por unanimidade pela conferência anual da União Nacional dos ferroviários, na qual se solicita a remoção dos elementos governamentais conhecidos por sua tendência contemporizadora. A resolução referida, que foi proposta pelo delegado de Edimburgo, Sr. A. H. Patton, será entregue ao rei Jorge VI, ao primeiro ministro, Sr. Churchill, e ao titular da pasta da Guerra, major Anthony Eden, tendo-se, além disso, decidido destacar uma delegação para que visite o chefe do governo, com o fim de “obter-se uma resposta direta”.

Texto da resolução

O texto da resolução proposta e aprovada diz o seguinte:

Solicitamos respeitosa, porém imperativamente e como questão de confiança pública e de moralidade nacional, que os membros do gabinete e outras pessoas que desempenham altas funções e que estiverem ligadas à política de apaziguamento do governo anterior, sejam removidos imediatamente de seus cargos, e que se preencham suas vagas com homens, nos quais, por seus antecedentes, se possa depositar confiança”.

O alcance da resolução

Ao explicar o alcance da resolução, o Sr. Patton declara:

O que receio hoje mais do que nunca não é o poderio da força aérea alemã e nem o do seu exército mecanizado, mas sim dos elementos suspeitos que continuam ocupando posições de relevo no poder. Não desejo mencionar nomes, nem quero que os integrantes dessa camarilha sejam submetidos a nenhuma classe de torturas; o que entretanto desejo é que os coloquemos em uma posição na qual não possam atraiçoar o país”.

Simultaneamente, observam-se novos sistemas de apoio do trabalhismo oficial contra as tendências apaziguadoras que o Sr. Chamberlain orientara, figurando nesse movimento popular importantes órgãos da imprensa diária e parlamentares, militares e outras pessoas que, anteriormente, militaram na oposição.

Nova moção aprovada

A noite passada, a conferência da União Nacional de Operários Mineiros Escoceses, de Glasgow, aprovou, por 61 votos contra 45, outra moção, pela qual se pleiteia também o afastamento de todos os elementos vinculados à política seguida pelo Sr. Chamberlain quando estava à frente do governo.

A conferência solicitou que o Congresso das Uniões Operárias da Escócia celebrasse uma reunião especial de emergência a fim de discutir a situação bélica, o que inevitavelmente provocará uma análise da conduta observada no passado pelos poderes públicos dos preparativos feitos para campanha e da situação ligada à guerra em si.

Não é preciso dizer mais. No momento em que a Inglaterra se apressa a enfrentar a maior crise de sua História, é um crime manter no governo elementos “moderados” em relação ao inimigo. Tem toda a razão os autores da moção: é “uma questão de confiança pública e de moralidade nacional” expulsar do poder tais figuras. Infelizmente, porém, tal expulsão não se dará.

* * *

Penetremos, porém, mais a fundo neste oceano de brumas, de opróbrios e de desgraças.

Os telegramas desta semana informam que a “França” (esta palavra vai entre aspas porque não é esta a verdadeira França) remodelou suas instituições, segundo um projeto de lei elaborado no dia imediato ao do armistício. Assim, enquanto todas as atenções do governo francês deveriam estar concentradas nos múltiplos e complexos problemas relacionados com o armistício, era outro o seu centro de atração: o ajuste das instituições francesas segundo a moda de Berlim.

Infelizmente, o Parlamento aprovou esta reforma. E teremos para a França uma constituição, ao mesmo tempo autoritária e proletária, baseada em um partido único de feitio totalmente nazista, que nazificará a França, e terá à testa do governo todos os “homens de Munich”, inclusive Laval e Flandin e De La Roque.

É possível que, de início, este governo, seguindo as pegadas do fascismo, se mostre simpático à Igreja. O futuro dirá o valor da sinceridade desse gesto.

Finalmente, cumpre acrescentar que, se os franceses aceitarem tal forma de governo, as condições de paz serão extraordinariamente benignas.

Mas em compensação a França não passará de uma Boêmia em ponto grande, governada por detrás (?) das cortinas por um “gauleiter” nazista.

* * *

Ao mesmo tempo que se processa um trabalho jurídico como seja a criação de novas instituições, elabora-se de modo mais ou menos disfarçado um trabalho de desbastamento do campo político. Por isto, o Parlamento francês já discutiu uma moção que provavelmente será aprovada, e habilitará o Sr. Pétain a perseguir todos os políticos que lançaram a França na guerra. Em outros termos os “homens de Munich”, ou seja, a quinta coluna, procurarão eliminar todos os que, na França, se opuseram a suas manobras. E, para tanto, chegarão ao extremo verdadeiramente inconcebível de os responsabilizar pela derrota.

Assim, pois, os autores da derrota condenarão os que a ela se opuseram, como se fossem estes os verdadeiros culpados!

Evidentemente, o trabalho será feito com inteligência, e é possível que “pour épater les bourgeois” [para enganar os ingênuos, n.d.c.] se procure processar também os Srs. Daladier, Reynaud e Gamelin. Mas como estes fazem parte do grupo de Munich, ou fugirão a tempo iludindo a vigilância das autoridades policiais, ou serão absolvidos. É muito difícil - se bem que possível - que algum deles seja efetivamente condenado e encarcerado.

Não podemos concluir esta tristíssima e longuíssima série de comentários, sem uma observação referente à remilitarização da França.

Como o público não ignora, verificado o ataque militar à base de Oran, a Itália tomou a iniciativa de permitir aos franceses de Pétain que se rearmassem para mais eficientemente lutar contra a Inglaterra. Em outros termos, o governo italiano confia tão absolutamente em Pétain, que não lhe passa pela cabeça que os totalitários franceses poderão algum dia voltar estas armas contra outrem que não sua aliada da véspera, a Grã-Bretanha. Para que comentar este fato?

* * *

Mas as coisas não pararão aí, e a nazificação da França não se consumará plenamente. Dia virá em que Deus levantará sobre os adversários de sua Igreja na França e na Alemanha o peso de seu braço vingador.

Nesse dia, uma era nova raiará sobre o mundo, finalmente apaziguado no aprisco de um só Pastor. Nesse dia, os povos exultarão e o mundo inteiro ouvirá a repetição da promessa evangélica: paz na terra aos homens de boa vontade. E não adianta a nossos adversários que se riam destas previsões.

O riso da coruja não consegue retardar a aurora que se levanta.


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