Plinio Corrêa de Oliveira

 

Fim da "Courtoisie"?

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 16 de junho de 1940, N. 405, pag. 2

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[Nota deste site: Em outras páginas desse mesmo número do Legionário, são publicadas matérias a respeito da queda de Paris, nessa fase da II Guerra Mundial]

 

Em fins do século VII de nossa era, a civilização cristã e a Igreja atravessavam períodos difíceis que, humanamente, não poderiam ser vencidos. A França, que a conversão de Clovis tornara o ponto de apoio da obra civilizadora da Europa bárbara, estava retalhada e decadente, governada pelos reis “fainéants” [ociosos, que não faziam nada n.d.c.]. As heresias fermentavam aqui e acolá; as hordas bárbaras conservavam a sua idolatria, os costumes cruéis, e hostilizavam o Papa; havia ainda resquícios do antigo paganismo e o Oriente já fazia ameaças de cisma. E contra todo este mundo cristão assim desgarrado e desorganizado, levantava-se o colosso muçulmano, forte e coeso, e até então invencível, e que, numa guerra já secular, queria banir do mundo a Religião Católica.

Foi então que surgiu aquele senhor da Nêustria e da Austrásia, cujos territórios são os do norte da França, onde hoje se deflagram os mais rudes combates da história, que, em Poitiers quebrou a arrogância do Islã, e marcou o início da decadência maometana. Esse mesmo guerreiro valente, que defendeu o Papa das hordas lombardas e o livrou da insolência dos gregos, mereceu a coroa de França e, mais ainda, mereceu da Providência ser o pai de Carlos Magno, o Imperador que levou aos confins da Europa a Fé e a civilização.

Mais de um século mais tarde, em 997, o imperador Oton III da Alemanha, filha do Império Carolíngio, convidava um sábio francês, Gerbert d’Aurillac, para vir em seu país ensinar na corte, a fim de que “desse polimento à sua rusticidade saxônica e lhe comunicasse alguma centelha da delicadeza grega”, conforme dizia a carta de convite

E assim, tudo quanto houve de bom em costumes, instituições e cultura, veio da Igreja do Ocidente através da França, de tal forma que o seráfico São Francisco de Assis quiz chamar-se Francisco pelo amor que lhe devotava.

Foi ainda pela França que as boas maneiras e a “courtoisie” [cortesia], esta intelectualização profunda do que há de animal na vida coletiva, ganharam o Ocidente. De fato, foi a Marquesa de Rambouillet quem as aprendeu na Roma dos Papas, e as propagou na corte de Luís XIII, de onde se extenderam às nações cristãs.

De um modo geral, portanto, se pode dizer que, se a Igreja deu ao mundo a doutrina Católica, a França - filha primogênita da Igreja -, sob a égide da mesma Igreja, amalgamou esta doutrina à vida social, e deu ao mundo a civilização Católica, que só pode ser uma no dizer dos Papas, esta flor de singeleza, pureza e nobreza tão bem resumidas no estilo gótico e na flor de lis. A França, assim, é a pátria cultural de todos os povos da Cristandade, de modo que [Gabriele] d’Annunzio pôde dizer sem exagero, em seu magnifico “Sonnet d’amour pour la France”, que se a França desaparecesse, o mundo ficaria em trevas.

Se o conservantismo consistir no desejo de guardar valores tão sublimes, será sem dúvida alguma um belo sentimento e uma grande virtude. Roguemos a Deus para que se lembre da França, de seus santos, de São Luís “et omni mansuetudinis ejus”.


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