Plinio Corrêa de Oliveira

 

Uma atitude equilibrada

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 9 de junho de 1940, N. 404

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É tal a confusão de espíritos que reina hoje no mundo que não falta entre os leitores do “Legionário” quem julgue que somos inimigos dos Aliados, pelo exclusivo fato de termos apontado os inumeráveis e pesadíssimos erros diplomáticos dos políticos da França e filiados ao que a imprensa já chama o “grupo de Munique”. De um representante nosso do interior - dos mais ativos e diligentes que temos - recebemos até uma carta em que informa que elementos do importante município onde ele trabalha estão organizando uma campanha contra o “Legionário”, sob a alegação de desejar ele a derrota dos Aliados.

O fato, sem me causar pasmo, causa-me tristeza. Não posso receber de sangue-frio a notícia de que o “Legionário” seja tido como simpatizante das hostes neo-pagãs que se atiram sobre a Europa hoje em dia, e que se suponha que estamos tão esquecidos de nosso dever, que chegamos ao extremo de considerar com olhos malévolos os esforços expedidos pela Primogênita da Igreja, em campo de batalha, para preservar a civilização do tremendo flagelo do totalitarismo.

Entretanto, como já disse, o fato não me causa surpresa. Os fariseus acusaram Nosso Senhor de ter feito com o demônio um pacto em virtude do qual se operavam seus milagres. O discípulo não pode ser maior que o Mestre. Se Aquele que por sua Paixão e Morte venceu o príncipe das trevas, foi acusado de aliado de satanás, não espanta que seus discípulos sofram a mesma acusação. Por isto, atados ao mesmo pelourinho que o Mestre, devem eles receber com satisfação estes insultos, que provam claramente sua fidelidade à doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se o espírito do mundo lança contra eles, hoje em dia, os mesmos ultrajes com que perseguiu Nosso Senhor, é porque sente com nitidez que eles continuam fiéis ao Redentor.

* * *

O “Legionário” jamais manifestou o menor desejo de que os Aliados perdessem a guerra. E se algum cego quisesse disso certificar-se bastaria um ligeiro estágio em nosso arquivo, onde, sendo-lhe [franqueadas] todas as cartas que recebemos quer de italianos, quer de alemães, este ponto ficasse inteiramente elucidado.

Na realidade, o “Legionário” fez aos governos francês e inglês as mais graves e pesadas censuras. Com longa antecedência, denunciou ele os erros diplomáticos que desde a capitulação da Áustria até nossos dias, passando por Munique, fizeram da diplomacia aliada a maior fábrica de catástrofes de que haja memória: imediatismo, confiança cega, ausência absoluta de uniformidade de conduta, tudo isto acabou por custar tão caro à França e a Inglaterra, que a realidade é esta que temos hoje diante dos olhos.

Seria amargo demais recapitular o vexame sem nome de Munique, o esfacelamento impune da Polônia, o abandono dramático da Noruega e tantos outros fatos.

Um só fato nos basta: é que os alemães infelizmente estão em pleno coração da França. Em outros termos, um exército indizivelmente valente e aguerrido como o francês foi vencido até aqui, e se continuarmos a esperar que o curso dos acontecimentos se altere em seu favor, força é confessar que nenhum francês esperava que tão rapidamente os alemães ingressassem em seu território.

Mostrou o “Legionário”, exuberantemente, que estes erros se originavam exatamente de uma “clique” de políticos que no além Mancha se haviam apossado do governo e imprimiam às suas atividades uma orientação que não poderia ter sido mais benéfica para Hitler nem mais catastrófica para a França e a Inglaterra, do que se Chamberlain e Daladier fossem da quinta coluna. Em outros termos, elementos da quinta coluna não poderiam ter agido de outro modo. Para cúmulo da infelicidade, à testa das tropas francesas também se encontrou um general como Gamelin, que por suas “distrações”, “infelizes coincidências” etc., proporcionou a Hitler vantagens maiores do que este jamais recebeu das atividades de Goering ou de Goebbels. E, mais uma vez repetimos, o resultado aí está.

* * *

Seria infantil imaginar-se que, fazendo tal afirmação, estamos ultrajando os franceses e ingleses. Sem falar na Inglaterra, basta-me afirmar que um indivíduo que pusesse em dúvida o patriotismo e a coragem do povo francês, longe de ultrajar a França, estaria fazendo um ultraje a si próprio, pois que demonstraria com isso ou uma suprema insinceridade, ou a mais vexatória das ignorâncias em relação à História.

O povo francês, tanto quanto o povo inglês, não têm a menor culpa pelos inomináveis erros dos que estavam à sua testa. Denunciar tais erros não era injuriar o povo, mas concorrer eficazmente para esclarecer os espíritos e conseguir finalmente a vitória.

Não pensaram de outra forma Weygand e Pétain inexplicavelmente relegados para postos onde não poderiam prestar a plenitude de seu concurso, esses dois grandes generais, vendo a Pátria em perigo, acorreram pressurosamente, e começaram por remover Gamelin do supremo comando. Já anteriormente, Daladier fora excluído, pelo Parlamento, da direção do governo. E hoje o telégrafo noticiou que o mesmo Daladier acaba de ser eliminado da pasta do Exterior. Na Inglaterra, Chamberlain foi “varrido” pela desconfiança parlamentar e, no momento em que escrevo, os telegramas procedentes de Londres informam que se cogita de depurar o Governo inglês de todos os “homens de Munique”.

Quando o parlamento francês, dando implicitamente razão aos que pensavam como o “Legionário”, demitiu Daladier da Presidência do Conselho, quando, dentro da mesma ordem de idéias, Gamelin foi expurgado pelos bravos generais Pétain e Weygand, quando finalmente o Sr. Reynaud se libertou da perigosíssima colaboração dos Srs. Daladier e De Monzie, últimos homens de Munique que restavam no Gabinete, porventura mostraram-se eles com isto germanófilos? Porventura injuriaram com isto a França? Ou, pelo contrário, libertando a França da sinistra “troupe” responsável pelo fracasso de Munique, eles prestaram à sua pátria o mais insigne dos benefícios? E, neste caso, por que criticar o “Legionário” como germanófilo?

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Se o “Legionário” é ardentemente antinazista, se deseja com todas as suas forças a vitória dos aliados, há uma coisa, entretanto, que ele se recusa obstinadamente a ser: germanófobo. Somos, se nos permitirem o neologismo, “nazistófobos”. E entendemos que Hitler é o inimigo n.º 1 da Alemanha, porque o país inimigo de um povo não é quem lhe ataca as fronteiras, mas quem lhe rouba a Fé. Não podemos, pois, desejar a vitória de Hitler. Mas daí a odiar o povo alemão como tal, há um verdadeiro abismo. E este abismo, nós não o queremos de nenhum modo transpor. Nos alemães católicos, vemos irmãos diletíssimos em Nosso Senhor Jesus Cristo. Nos não católicos, vemos almas a serem convertidas. Não podemos imaginar nem admitir que, do desejo do fracasso do nazismo, se deduza o desejo de eliminar o povo alemão, ou de lhe infringir os mais cruéis sofrimentos. Lembrem-se todos de que o próprio Lloyd George confessou há dias atrás que se Hitler subiu ao poder na Alemanha, deve-se o fato à intransigência com que os Aliados trataram seu antecessor imediato, o Sr. Bruning, chefe do Partido Católico. Não resta dúvida de que o nazismo deve cair. Mas seria um erro gravíssimo imaginar que só a Alemanha é responsável pelo nazismo.

* * *

Outro erro seria imaginar que não vemos também falhas e defeitos do lado francês. Mas estas falhas e estes defeitos não são graves nem tão irremediáveis - qual o povo, hoje em dia, que não esteja cheio de umas e outros - que nos esqueçamos da missão providencial da França.

Em plena perseguição religiosa na França, eis o que aos Bispos Franceses escreveu Pio X, são palavras que o virtuoso Pontífice julgou não dever omitir quando a França estava em plena perseguição religiosa. Não há motivo para que a omitamos hoje, quando tão consideravelmente melhoraram as relações entre a Igreja e o Governo francês:

A França foi chamada por nosso Venerável Predecessor, como vós o lembrastes, a nobilíssima nação missionária, generosa e cavalheiresca. Para sua maior glória, acrescentarei o que escrevia ao Rei São Luís o Papa Gregório IX:Deus, ao qual obedecem as legiões celestes, estabeleceu neste mundo diversos reinos, segundo a diversidade dos idiomas e dos climas, e conferiu a grande número de governos missões especiais para a realização de seus desígnios. E assim como outrora ele preferiu a tribo de Judá à de todos os outros filhos de Jacob, assim também ele gratificou com bênçãos especiais a França, de preferência a todas as outras nações, para a defesa da liberdade religiosa. Por este motivo, continua o Pontífice, a França é o reino de Deus e os inimigos da França o são de Jesus Cristo. Por este motivo, Deus ama a França porque ama a Sua Igreja, que transpõe os séculos e recruta legiões para a eternidade. Deus ama a França que nenhum esforço pode jamais destacar inteiramente da causa de Deus. Deus ama a França, na qual em tempo algum a Fé perdeu o vigor, e onde reis e soldados jamais hesitaram em enfrentar perigos e derramar seu sangue pela conservação da Fé e da liberdade religiosa”.


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