Plinio Corrêa de Oliveira
Comentando...
Legionário, 26 de maio de 1940, N. 402, pag. 2 |
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O século em que vivemos não tem direito algum de crítica às divagações ridículas do pensamento bizantino ou os sofismas vazios dos fins da Idade Média. Eis que, no Rio de Janeiro, certo individuo, tendo beijado publicamente uma jovem foi preso pela Polícia, não sem querer previamente resistir à prisão. O juiz criminal de primeira instância muito acertadamente, condenou o despudorado sujeito. Vai daí o Tribunal de Apelação, pela sua câmara competente, entendeu de reformar a justa sentença, sabem por que? Porque nos autos não se encontrava a descrição do modo qual o malfadado beijo fora dado... Ora esta é de se lhe tirar o chapéu! A prevalecer o critério do Tribunal de Apelação carioca daqui a pouco todos os guardas deverão ser munidos de régua, compasso e esquadro, e talvez mesmo de um de um teodolito [instrumento de precisão para medir ângulos horizontais e ângulos verticais, muito empr. em trabalhos geodésicos e topográficos, n.d.c.]. Quando encontrarem algum cidadão em atitude equívoca não o deverão prender incontinenti, isso não! Deverão pedir muito delicadamente ao indiciado o favor de permanecer apenas alguns instantes na precisa posição. Depois, com toda a presteza, para não irritar o paciente, medirão milímetro por milímetro os ângulos e as distâncias da atitude suspeita. Só então, à vista de um tal relatório, a prisão seria considerada lícita ou ilícita pelos órgãos judiciários. Entretanto, a única coisa realmente importante em todo este caso, a Câmara de Apelação Criminais não cogitou de saber: o beijo é uma expressão de afeto cujo significado varia de lugar para lugar, o mesmo acontecendo em relação ao seu uso mais ou menos generalizado. Entre nós, porém, consideradas as circunstâncias de fato existentes em nosso país, um homem só pode beijar moralmente quatro classes de mulheres: esposa, filha, irmã e a própria mãe. E, mesmo neste caso, só é feito em público quando não possam dar margem a mal-entendidos, e de tal maneira que ninguém possa julgar nada menos airoso, inclusive os próprios guardas. E era isto, justamente, que o Tribunal deveria procurar saber, em vez de enveredar por elucubrações sem nexo, que nada deixam a desejar daquelas mui célebres discussões que se travaram a respeito do ovo e da galinha ou das quimeras no vácuo, na decadência medieval. Afinal de contas não sabemos o que será da moralidade pública, se vigorar a jurisprudência que a câmara criminal do Rio estabeleceu. Dentro de tal bitola de pensamento ainda ver-se-iam pairar dúvidas sobre se o comportamento de Diógenes, nos jardins de Atenas, era ou não digno de punição. |