Plinio Corrêa de Oliveira

 

Ainda a união

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 7 de abril de 1940, N. 395

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Já me referi, em artigo anterior, à solidariedade sobrenatural inquebrantável que deve reinar em todos os católicos filiados a organizações religiosas. O artigo de hoje se destina não a esta porção de escol, já arregimentada no exército de Cristo-Rei, mas à massa geral dos fiéis.

O assunto é complexo. Facilmente, tratando dele, as pessoas incidem em exageros ou atitudes unilaterais que prejudicam uma visão objetiva dos fatos.

Principalmente entre os católicos militantes se notam, às vezes, a este respeito, generalizações perigosas. Alguns entendem que essa grande massa de católicos, que por aí existem, vivendo divorciadas, ao menos em parte, do pensamento e da orientação moral da Igreja, nem sequer merecem o nome glorioso de católicos. Rugindo tragicamente - e um tanto desequilibradamente - à moda de certos escritores franceses, contra a indiferença, o imediatismo, o egocentrismo, a tepidez crônica que caracteriza inegavelmente certas pessoas entretanto muito vistosas na prática exterior do culto, chegam a afirmar que tais católicos absolutamente não pertencem mais à Igreja, são piores do que os próprios pagãos, e, em última análise, responsáveis por todo o mal existente no mundo.

Outros, com uma inocência que causa dó, tomam ao pé da letra todas as manifestações de piedade desses católicos tépidos e lhes dão um significado psicológico que está muito longe de ser real. Comungou? Então é um católico 100%. Reza o terço de quando em vez? Então uma certeza de 500% de que se trata de uma alma plenamente reta, transbordante de boas intenções e de boa vontade, que está a um milímetro da conversão integral. É curioso dizê-lo, mas certa gente confere tais atestados de catolicidade até a índices muito menos significativos. É irmão do Dr. que é muito católico? Então deve ser católico também, ou ao menos será muito boa pessoa. É sobrinho do Padre X, ou marido de D. Z, que é Presidente da Confraria Y? Então está tudo resolvido: a pessoa é excelente.

 

Evidentemente, nem uma nem outra posição há um equilíbrio perfeito, se bem que em ambas haja uma certa parcela de verdade. Vejamos como a nosso ver este assunto deve ser considerado.

* * *

É plenamente verdade, em primeiro lugar, que em nossa época as infiltrações do espírito pagão conquistaram na massa dos fiéis uma zona de influência importante, e que um número apreciável deles - não vem ao caso discutir em que proporções - merece, realmente, todas as censuras que Nosso Senhor reservou aos tíbios, aos indiferentes, aos tépidos, aos que dormem com uma negligência sumamente condenável, no próprio momento em que os mais argutos já percebem que se aproxima o tropel dos passos dos algozes que supliciarão Nosso Senhor no século XX, e a voz infame dos Judas que lhes apontam o caminho mais direto e o sinal mais seguro para encontrar e reconhecer o Salvador. Penso que o “Legionário” se caracteriza por um espírito tão diametralmente oposto a esta tepidez criminosa, que pode, insuspeito como é, apontar algumas notas atenuantes no quadro, nota esta cuja omissão nos conduziria a graves erros.

Em primeiro lugar, é uma injustiça. A injustiça seria pretender que o mundo está assim por causa de tais católicos. Se lhes cabe muitas vezes a culpa repugnante de cúmplices por inação, é preciso notar que esta inação, por mais grave e profunda que seja, não é completa. Imagine-se simplesmente que seria da sociedade se esta gente se paganizasse inteiramente. Esta hipótese mostra como, apesar de defeitos numerosos e deploráveis, ainda não se pode afirmar que tal gente faltou completamente o seu dever.

Em segundo lugar, cumpre ainda reconhecer que, enquanto uma alma conserva ainda a Fé, ainda está franqueada para ela a porta da contrição. Arbusto partido, ela o é certamente. Mecha que ainda fumega, mas que perdeu toda a sua luz, ela o será inegavelmente. Mas nesse arbusto ainda há alguma coisa que vive, naquela mecha ainda há um pouco de calor. Esse calor e essa vida, Cristo que é a Vida pode reacendê-los de um momento para outro, e nós devemos ser, para esta tarefa, os auxiliares devotados do Mestre.

Evidentemente, a linha de conduta a seguir para com as tais pessoas não é simples de traçar. Quem lhes mostra a abjeção de seu estado corre o risco de as desanimar. Quem lhes mostra apenas a beleza da virtude corre o risco de perder inteiramente seu tempo.

Não é na prudência meramente humana, que se encontra solução para o problema. Dom Chautard aponta o único caminho real: quando o apóstolo tem verdadeira vida interior, e Nosso Senhor se faz por assim dizer tangível através daquela alma sobrenaturalizada, tanto as palavras ardentes de uma condenação fulminante quanto as palavras amorosas de compaixão podem surtir efeito. O essencial é que Nosso Senhor viva realmente dentro de quem faz apostolado. Ele saberá inspirar acertadamente seu servidor, conforme a situação, a palavra meiga que lembrará o perdão dado à Madalena contrita, ou a condenação inexorável vibrada contra os fariseus impenitentes. Para cada alma, Nosso Senhor tem seu caminho. Para cada pessoa realmente imbuída de vida sobrenatural, Nosso Senhor tem seus dons. A uns, dá Ele o dom de infundir um salutar temor. A outros, de infundir um ardente amor. Uns e outros são úteis. Vivam de Deus e em Deus. Sirvam a Deus só por amor de Deus. E Nosso Senhor fará o resto.

* * *

Não hesito em afirmar que também é grave o erro dos que se iludem facilmente com certas manifestações de Fé.

Estamos em uma época de profundo confusionismo, em que os próprios limites entre o bem e o mal, a verdade e o erro, o sobrenatural e a natureza, já não são percebidos em toda a sua nitidez por certas almas embotadas na ignorância ou no mal. Conheço objetivamente, e com a maior segurança, gente que apresenta, entre sua vida profissional e suas práticas de piedade, uma contradição berrante. Quem for orientar sua conduta para com tais pessoas tendo em exclusiva consideração a aparência de piedade, erra lamentavelmente. Porque já se foi infelizmente o tempo em que um pacto de Fé trazia em si mesmo a garantia não apenas de sua sinceridade, mas da lógica e da coerência com que foi pronunciado.

A verdade é que vivemos em um tempo difícil, em que o católico comum, simplesmente para não perder o estado de graça, é forçado não raras vezes a atos de verdadeiro heroísmo. Os rapazes que me lerem compreender-me-ão melhor do que ninguém. Ora, é muito e muito difícil que tal heroísmo seja alimentado exclusivamente por uma ou outra comunhão, ou, o que é incomensuravelmente mais tênue, com o simples parentesco com o piedosíssimo Sr. X ou com a devotíssima Sra. Y. Deus tem filhos, não tem genros nem noras. Ninguém é filho de Deus por afinidade. O heroísmo, que várias vezes a prática simplesmente correta dos mandamentos impõe, deve ao menos habitualmente alimentar-se em uma vida sobrenatural intensa, esclarecida, baseada em uma instrução religiosa suficiente, e comprovada por todo um teor de vida impecável. É, pois, dar provas de muita precipitação quem julga sumariamente as coisas por suas aparências. Não é preciso, para tanto, suspeitar os outros de má fé. Basta conhecer as dificuldades da vida de hoje em dia para compreender claramente como é verdade o que estou dizendo.

* * *

Os otimistas devem compreender, pois, que é nociva à Igreja sua posição de falsa tranquilidade e de temerária confiança. As aparências iludem. E se é verdade que há hoje muitas e muitas almas fervorosas, muitas outras há que, sob a aparência de um fervor vivo, estão a pedir ardentemente um apostolado sério e metódico.

Quem julgar que a tarefa da Ação Católica é supérflua, porque o povo brasileiro já é católico, erra redondamente. Em primeiro lugar, porque se os 40 milhões de brasileiros vivessem em estado de graça, ainda assim a Ação Católica seria de capital importância. E em segundo lugar porque, sendo embora nosso povo realmente católico, há uma tarefa de interiorização religiosa profunda a ser levada a cabo.

Os pessimistas devem compreender que o Evangelho não manda partir de uma vez o arbusto ainda vivo, nem extinguir a mecha que ainda fumega.

É preciso, antes de tudo, que o apostolado católico atinja a massa dos fiéis, e os integre profundamente no espírito e na vida sobrenatural da Santa Igreja. Não há apostolado mais meritório nem mais urgente do que este. Se Nosso Senhor teve pena das multidões, porque esteve no deserto padecendo de fome, que pena não devemos ter nós desta multidão que não padece fome espiritual no deserto, mas em plena casa paterna, isto é, dentro do próprio grêmio da Igreja!

Para uns como para outros, a conclusão deste artigo deve ser um incitamento veementíssimo ao apostolado. Um apostolado autêntico, dotado de todos os recursos sugeridos pela prudência comum, mas sobretudo, antes de tudo, acima de tudo, estribado na oração, na penitência, e na meditação e caracterizado pela disciplina e pela renúncia a quaisquer veleidades e interesses mundanos.


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