Plinio Corrêa de Oliveira

 

"Ut omnes unum sint"

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 17 de março de 1940, N. 392

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Nomeada a primeira Junta Arquidiocesana da Ação Católica, natural é que os leitores do “Legionário” tenham curiosidade em conhecer seu programa. Quem ler com atenção os Estatutos da Ação Católica Brasileira, subscrito por todos os membros e ratificada pela Santa Sé, verá que a soma das responsabilidades depositadas na Junta é formidável, pois que lhe incumbe a estruturação, coordenação e direção do movimento da Ação Católica, e o estabelecimento de sua cooperação com as várias obras ou associações auxiliares da Arquidiocese, tudo isto sob as ordens da Autoridade Eclesiástica, representada pelo Assistente Geral da Ação Católica.

Ora, quanto mais complexa e extensa é uma tarefa, tanto mais ela exige um programa orgânico planejado com espírito de Fé e com inteligência, e executado com método e firmeza. A Junta Arquidiocesana não cumpriria, pois, sua missão, se não se esforçasse por elaborar e executar, sob as ordens do Assistente Geral, tal programa.

E os leitores do “Legionário”, filiados quase todos à Ação Católica e às obras auxiliares, terão por certo o desejo de conhecer algo a este respeito.

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Nosso programa se resume em um lema que aceitamos com entusiasmo, porque nos é ditado pela própria natureza das coisas estabelecida pela Providência. É o dístico que se encontra no brasão de armas do Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo Metropolitano: “para que todos sejam um”.

O conhecimento - o mais elementar - dos Santos Evangelhos, mostra o ardor extremo com que Nosso Senhor Jesus Cristo pedia para a Igreja, e recomendava aos fiéis, a união. Pode-se, mesmo, afirmar que poucas preces brotaram dos lábios divinos com ardor igual.

A razão é simples, como deve ser concebida segundo a doutrina dos Santos Evangelhos, está no cerne da própria missão de Nosso Senhor Jesus Cristo no mundo. Como Salvador, veio Ele restabelecer o vínculo de união da graça que estava partido desde o pecado original. E, ao mesmo tempo, unir na abundância exuberante das graças da Nova Aliança todos os fiéis entre si, recomendando-lhes que trabalhassem por unir a Si todo o gênero humano, no aprisco único, sob o báculo do único Pastor. União do homem a Deus, dos fiéis à Igreja, dos filhos da Igreja entre si, e dos infiéis ao Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, nisto se pode resumir a obra do Divino Salvador.

O que significa, por exemplo, a frase “Ide e ensinai a todos os povos” senão “Ide e uni na comunhão da doutrina e da vida da graça a todos os povos”?

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No que me diz pessoalmente respeito, a primeira execução que devo dar ao lema do Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo é referente à minha união interior com Deus Nosso Senhor. Que a intensidade dos trabalhos não faça minguar mas, pelo contrário, crescer em mim a intensidade da vida interior, que minha piedade se torne mais ardente e minha vida de oração mais autêntica, eis a primeira de minhas preocupações, que menciono apenas para pedir, neste sentido, a tantas almas piedosas que leem o “LEGIONÁRIO”, o apoio de suas orações. Porque se neste terreno não houver progresso, terei implicitamente traído a confiança de meu Pastor, tornando sem frutos reais e sem mérito diante de Deus meu apostolado.

Essa união a Nosso Senhor tem como condição e como consequência necessária uma união cada vez maior com a Santa Igreja de Deus. Mas a Santa Igreja está muito longe de ser um ente abstrato. Estar unido à Igreja é estar unido ao Papa e ao Arcebispo, bem como a todas as demais autoridades eclesiásticas constituídas acima de mim. Estar unido à Autoridade é obedecer-lhe amorosamente, exatamente, fielmente. Errando-se com a autoridade, acerta-se. Acertando-se sem ela ou contra ela, erra-se...

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Voltados assim os olhares para o alto, e esteada neste programa interior toda a atividade externa, posso falar em nome da Junta.

Esse programa de união se refere antes de tudo aos que estão alistados sob as bandeiras de Cristo-Rei.

A união não deve ser, em nosso programa, uma mera palavra. Pelo contrário deve ser uma palavra palpitante de realidade sobrenatural e natural.

A união entre católicos é a justaposição tranquila de elementos heterogêneos. Ela é a coordenação pacífica de pessoas unidas pela comunhão de idéias, pela comunhão da vida, pela identidade da ação.

Que idéias? Que vida? Que ação? Idéias, só as da Igreja. Vida, a vida sobrenatural da graça. Ação, a ação católica.

Unidos todos nós à Igreja, estaremos unidos entre nós. O conhecimento do que seja a Igreja, o amor à Igreja, obediente à Igreja, eis a medula de todo e qualquer programa de união.

Mas tal objetivo só se alcança por métodos impregnados de espírito católico. Se, como diz Santo Agostinho, Deus sabe governar “suaviter et fortiter” [com suavidade e com força] o coração humano, não deve ser outro o modo pelo qual se deve desenvolver o dulcíssimo e oportuníssimo apostolado de união no Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja.

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Deste campo de eleição nossos olhos se voltam forçosamente para outro terreno. Quantos e quantos católicos, nesta imensa Arquidiocese, são filhos da luz, são filhos da Igreja, e não conhecem a Igreja, são soldados de Cristo pelo Batismo e pela Confirmação, e, entretanto, estão afastados das lides do bom combate. A eles também, com imenso afeto, se estende nosso desejo de união.

Trairíamos nossa graça batismal se entendêssemos essa união como uma transigência com aquilo que nele deve ser reformado. Pelo contrário, a expressão mais genuína de nossa caridade deve consistir em elevá-los à luz da vida da graça, isto é, à prática correta dos Mandamentos. Se, ao cabo do afanoso apostolado que se abre diante de nós, fosse um pouco menos numerosos os casos em que Nosso Senhor “in sua venit et sui eum nom receptorum” [veio entre os seus e os seus não o receberam], quem poderá medir a intensidade de nosso júbilo?

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Mas o zelo não tem limites. Ele se estende ainda - e com que ardor! - para as muitas almas que, arrastadas pelo pecado da apostasia ou nascidas na ignorância da verdadeira Religião, se encontram hoje fora do grêmio da Igreja Católica. Judeus, protestantes, cismáticos, espíritas, maçons, comunistas, nazistas a todos eles quereríamos ver finalmente reconduzidos ao bom caminho, cantando ao nosso lado as glórias de Deus.

Que Nossa Senhora, que sendo Porta do Céu é implicitamente Porta da Igreja, se digne incendiar nosso zelo com todos os recursos necessários para atingir ao menos em parte tão almejado fim, é esta nossa ardente oração a este respeito.

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Evidentemente, é grande o programa. Mas diminuí-lo seria diminuir a Ação Católica. A legião dos que trabalham por Nosso Senhor é imensa em São Paulo. Uma estatística oficial de há poucos anos atrás informava serem 150.000 na Arquidiocese as pessoas filiadas a associações religiosas. É com toda esta legião que a Junta conta para, sob a direção da Ação Católica, levá-la mais aguerrida, mais coordenada, mais ardorosa e mais disciplinada do que nunca para as arenas que lhe apontar o báculo do Ex.mo e Rev.mo Sr. Arcebispo.

Sejamos um na oração, um na vida interior, um no modo de pensar, de sentir e de viver, e necessariamente seremos um na hora do combate. Esse grande exército, assim unido, poderá infundir terror no adversário e - o que é muito mais importante - atrair sobre si a abundância das bênçãos de Deus.


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