Plinio Corrêa de Oliveira

 

Um livro indispensável

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, N.º 388, 18 de fevereiro de 1940

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Lê-se na edificantíssima vida de Santo Afonso de Ligório, fundador da benemérita Congregação dos Redentoristas, que, já em avançada idade e impossibilitado de fazer pessoalmente todas as leituras, ouvia de irmão leigo uma página de uma obra de piedade sobre Nossa Senhora. O Santo perguntou ao irmão que livro era aquele, e informado em resposta que se tratava das “Glórias de Maria”, exclamou jubiloso “como me alegro de ter escrito este livro”, e prosseguiu mostrando como são felizes aqueles que tiveram a ventura de colaborar, de qualquer maneira, para a maior glória de Maria Santíssima.

É este mesmo sentimento que deve animar quem teve a feliz idéia de traduzir o belíssimo livro que, com o título de “Ma Mère”, escreveu um outro redentorista ilustre, o Pe. (Joseph) Schryvers, teólogo polonês de nomeada universal.

Tradução feita com carinho e esmero, impressa com cuidado sob os auspícios da editora que, em boa hora, se fundou na Diocese de Taubaté, o livro que em português conservou o título do original - “Minha Mãe!” - está chamado a fazer um grande bem em nosso meio. Com efeito, trata ele, de modo admiravelmente piedoso e douto, de um assunto de suprema relevância, ao qual as circunstâncias do momento presente vem acrescentar, se possível, uma atualidade a bem dizer palpitante.

Escrevendo sua obra, quis Schryvers, principalmente, pôr em relevo a ação da providência de Maria na vida espiritual e temporal de cada um de nós. A piedade dos verdadeiros filhos da Igreja não se contenta com saber que Nossa Senhora, em virtude dos mais sólidos e indiscutíveis argumentos teológicos, é nossa Mãe. Ela se compraz em admirar, na ordem concreta dos fatos, o poder sem limites e o amor incomensurável com que essa Mãe dirige a vida de cada um de nós, implorando junto do trono de Deus as melhores graças para seus filhos, guiando-lhes os passos nos transes por vezes tão difíceis da vida espiritual, e apartando de seu caminho, no que diz respeito à vida terrena, todos os sofrimentos que não sejam indispensáveis à santificação.

Daí, em torno de Nossa Senhora, essa florada intérmina de fatos  comovedores que se transmitem nos livros de piedade ou na tradição, atestando cada qual de modo mais comovedor o poder e a indulgência da celeste advogada dos pecadores. Para mostrar a largueza das recompensas com que Ela agradece qualquer obséquio de seus devotos, Grignion de Montfort tem uma expressão tirada se não me engano da linguagem popular francesa de seu tempo. Essa expressão diz tudo: “pour un oeuf Elle donne un boeuf” [por um ovo Ela dá em troca um boi]. Aliás, é o mesmo Grignion que afirma com razão que o amor de Nossa Senhora a qualquer um de seus filhos, ainda mesmo ao mais pecador ou mais desprezado pelos homens, excede absolutamente à soma do amor que todas as mães do mundo teriam ao seu filho único.

O grande mérito do livro de Schryvers é que ele completa, por assim dizer, o de Grignion de Montfort. Este último é uma tese ardente e doutissimamente sustentada em que todas as excelências de Maria Santíssima se demostram de modo irrefutável. O livro de Schryvers é um manual prático para se seguir passo a passo o caminho que Grignion ilumina com sua doutrina. Ele nos toma pela mão e nos vai conduzindo suavemente na senda da espiritualidade marial. À margem do caminho, nenhuma flor fica para trás sem que ele a colha, nenhum encanto se perde sem que ele o note, e as próprias cruzes, que Maria não afasta do caminho de seus devotos, ele se detém ante elas amorosamente, filialmente, tranqüilamente, não como o sentenciado ante o patíbulo que o faz tremer de horror, mas como o guerreiro intrépido ante o campo de batalha, ou melhor ainda como Nosso Senhor Jesus Cristo ao receber com lágrimas de amor e com beijos ardentes de carinho a Santíssima Cruz na qual iria redimir finalmente a humanidade.

Se o livro de Grignion de Montfort nos ilumina admiravelmente o caminho, o livro de Schryvers nos ensina a percorrê-lo com nossos próprios passos.

 

Nenhum católico pode negar que Nossa Senhora é Medianeira de todas as graças, e que, portanto, sem o apoio de suas orações ninguém se pode salvar.

Assim, qualquer livro ortodoxo, douto e piedoso sobre Nossa Senhora, tem sempre a suprema atualidade de todas as coisas que interessam fundamentalmente nossa salvação eterna.

Isto não obstante, ouso afirmar que o livro do Pe. Schryvers goza atualmente de uma oportunidade particular.

A fermentação de um espírito por demais voltado para as coisas mundanas faz, não raramente, alguns católicos imaginarem que devem ocultar em seu apostolado as exigências sem dúvida austeras da moral católica, a qual não raramente exige dos próprios neófitos, à vista de certas circunstâncias da vida, sacrifícios absolutamente heróicos. Dizem tais espíritos que a declaração dos deveres implica em afugentar as almas. Melhor será falar-lhes em direitos do que em deveres, em permissões do que em obrigações, em tolerâncias do que em lutas. Assim mais facilmente aceitarão elas a doutrina católica.

Sem analisar tudo quanto de errado há em tal modo de ver, acentuo somente que em lugar de deformar o Catolicismo subtraindo aos olhos de todos a austeridade de sua divina moral, dever-se-ia proclamá-lo completo como ele é, pregando, juntamente com a austeridade do dever, as verdades suaves e consoladoras que nos tornam não só suportável, mas empolgante o caminho que devemos seguir.

Em lugar de perpétuos recuos, de indefinições intencionais, de transigências que confinam decididamente com o mais censurável laxismo, seria muito preferível que se atraísse as almas com a proclamação do amor de Deus aos homens, manifestados sobretudo nos mistérios inefavelmente consoladores da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, na definição do amor do Coração de Jesus, e das graças infinitas que Ele nos dispensa, e na devoção a Nossa Senhora.

São essas verdades que enchem de luz o caminho austero, que em lugar de nos afastar da senda do bem, nos dão forças de as trilhar resolutamente e que nos conservam igualmente distantes de um laxismo luterano e de um jansenismo herético.

* * *

O apostolado de conquista não pode ter como processo o recuo sistemático ante o espírito do mundo, a omissão de nossos deveres que não se poderia chamar de simplesmente ardilosa, é a “camouflage” do catolicismo. Mostremos com santa ufania as cruzes, os espinhos, as lutas que se encontram no caminho do verdadeiro católico. Tal atitude não afugentará  os neófitos, se lhe soubermos mostrar esse caminho resplendendo de glória pelo esplendor do sol das almas que é o Coração de Jesus, e suavizado a cada passo pelo sorriso maternal de Maria.


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