Plinio Corrêa de Oliveira

 

A guerra mais enigmática

de nosso século

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 31 de dezembro de 1939, N. 381

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As agências telegráficas internacionais, considerando de seu mister saciar a curiosidade de seus leitores a respeito dos acontecimentos mais palpitantes, não se têm fartado de atribuir às numerosas e enigmáticas singularidades da presente guerra, as mais variadas e incongruentes explicações. Ora a paralisação quase absoluta das operações de guerra é explicada pelo temor dos srs. Chamberlain e Daladier ante um misterioso meio de destruição inventado pela Alemanha. Ora se assevera que a ofensiva deve caber naturalmente à Alemanha, e que esta não a desfecha por não dispor de recursos militares suficientes. Dias depois, generaliza-se a perspectiva de uma ofensiva-monstro. Frustrada esta, passa a circular a notícia de uma nova proposta de paz. E assim se sucedem os boatos, todos contraditórios e infundados, enchendo o tédio angustioso destes longos e enervantes meses de guerra... sem guerra, em que a iminência sempre presente, mas sempre retardada da catástrofe, reduz a frangalhos os nervos de todos os homens.

O mais interessante é que o povo aceita com avidez os balões de ensaio de todas as agências. Diante do enigma da presente guerra, é lhe necessário encontrar uma explicação qualquer, ainda que passageira e prestes a ceder a outra hipótese mais sedutora.

* * *

Não é esta a posição do “Legionário”. Sem pretender dar aos fatos uma elucidação completa, que eles não comportam, pretendemos rejeitar também as fábulas com que se contentam os espíritos mais sequiosos de se entreter com hipóteses engenhosas, do que de conquistar a verdade.

Assim, pretendemos demonstrar que a guerra na frente ocidental não existe e que o bloqueio, que atualmente possa ser o supremo anelo do alto comando inglês, apresenta, sob certos aspectos, insuperáveis dificuldades.

Que a guerra não existe de fato na frente ocidental, ninguém o pode pôr em dúvida. O mapa que apresentamos contém a indicação quase completa das localidades em que, segundo os comunicados oficiais, houve luta ou bombardeio. Como se verá, estas localidades ocupam uma zona pequena da longa linha fronteiriça franco-alemã. A coleção de comunicados sobre a guerra, na frente ocidental, que publicamos, prova exuberantemente que as operações, mesmo nestes lugares, foram mínimas. A linguagem ridiculamente circunspecta e balofa de tais comunicados goteja reticências constrangidas: tem-se a impressão de que seus autores pretendem fazer passar aos olhos de todos, como combates titânicos, pequenos arranhões de parte a parte.

Por que? Se é preciso fazer uma guerra, por que não a fazer? E se não, por que não restabelecer abertamente a paz?

Aliás, nem os cegos podem deixar de ver que não houve até aqui guerra terrestre ao longo das linhas Siegfried e Maginot.

É patente que qualquer das duas linhas pode ser afetada em alguns pontos, com perdas maiores ou menores, por uma ofensiva direta do inimigo. A prova disto está em que ambas foram construídas, em certos trechos, à distância da fronteira, para que cada país pudesse minar todo o acesso à respectiva linha. Daí a formação da famosa “terra de ninguém” entre as duas linhas, cheia de minas, de “ninhos de metralhadoras” e de camuflagens. Para quê tudo isto, se o ataque direto às linhas fosse impossível?

Ora, na presente fase da guerra, só numa faixa da “terra de ninguém”, pequena em extensão e profundidade, houve luta. Luta insignificante e ingrata, de patrulhas e de vanguardas, desperdício inútil de vidas que, por serem poucas, não deixam de ser preciosas.

Realmente a luta foi inútil. Segundo declaração do Sr. Daladier, publicada em toda a imprensa, o território conquistado foi abandonado. E, com assombro geral, soube-se outro dia que o Sr. Hitler viajou de auto por um trecho do território francês, talvez sob o olhar modorrento dos adversários.

Toda a imprensa noticiou este fato.

E ainda se diz que há guerra!

Não há, e parece que não haverá! O próprio Sr. Daladier declarou que aproveitará o inverno para construir uma nova Maginot atrás da atual... se não houver a ofensiva. O que significa que a França, durante todo o inverno, não tomará a ofensiva... E significa o reconhecimento oficial da vulnerabilidade da Maginot, sem o que não seria necessário construir outra atrás dela.

* * *

E o bloqueio?

Bloquear um país é cortar a sua comunicação com todas as fontes de abastecimento, reduzindo-o à impotência pela falta de recursos indispensáveis para a satisfação de suas necessidades fundamentais.

Não seria possível analisar aqui os efeitos do bloqueio sobre cada um dos setores fundamentais da economia alemã. O público aceita sem relutância a hipótese de um bloqueio alemão, dado o êxito com que este foi levado a cabo na Grande Guerra. Entretanto, a configuração do mapa político da Europa é hoje sensivelmente diversa, anulando plenamente o bloqueio em um de seus aspectos mais fundamentais: o bloqueio dos víveres. Sem contar com as consideráveis reservas de alimentos em estoque, arrecadados pelo Sr. Hitler para alimentar o povo durante vários anos consecutivos em tempo de guerra, procuramos utilizar-nos do magnífico trabalho sobre “Geografia Econômica”, de Dubois e Kergomard, Masson & Cia., editores, Paris, 1934, que contém amplas informações sobre a vida econômica do mundo inteiro.

Segundo este trabalho, a Alemanha e países anexados (Tchecoslováquia, Áustria e Polônia) importam anualmente cerca de 29.571.000.000 de francos em gêneros alimentícios, e exportam, também anualmente, gêneros no valor aproximado de 7.410.800.000 francos.

Em tempo de bloqueio, retendo a Alemanha para consumo interno todos os víveres exportados, deveria ela importar ainda... 22.160.200.000 francos, quantia esta aliás superior às suas necessidades reais, pois que supõe que não fossem utilizados os imensos estoques de víveres acumulados pelo Sr. Hitler.

Ora, os países com os quais a Alemanha mantém não só aliança militar, mas boas relações econômicas, exportam anualmente 11.365.600 francos de víveres. Essa exportação pode chegar à Alemanha por via terrestre, e em todo caso sem que o bloqueio lhe possa causar o mais leve embaraço. É a seguinte a discriminação:

Rússia ......... 2.876.200.000

Itália ........... 4.780.000.000

Hungria ...... 2.320.100.000

Japão .......... 1.669.300.000

Total ..........11.365.600.000

Além destes, pode a Alemanha negociar com os seguintes países neutros, todos eles comunicáveis com ela por via terrestre:

Suíça................. 858.500.000

Iugoslávia ..... 1.694.000.000

Bulgária ........... 299.000.000

Grécia .............. 529.300.000

Suécia .............. 699.000.000

Noruega ........ 1.350.000.000

Dinamarca ..... 7.824.300.000

Lituânia ............ 283.100.000

Estônia ............. 306.000.000

Rumânia ........ 3.166.100.000

Holanda ......... 7.341.000.000

Bélgica .......... 1.768.500.000

Irã .................... 174.400.000

China ............ 1.381.600.000

Manchúria ..... 764.400.000

Total ............28.399.200.000

Note-se que nesta estatística não se computam, por simples escrúpulos de exatidão, as exportações da Espanha e Portugal, orçadas em mais de 4 bilhões de francos anuais, que com relativa facilidade burlariam o bloqueio, ingressando na Alemanha via Itália.

Como se vê, o total dessa exportação, somado a dos países aliados da Alemanha, atinge 39.764.800 mil francos, ou seja, um total muito superior às necessidades alemãs, que permitirá aos neutros comerciar ainda, em escala não pequena, com os adversários da Alemanha. Não parece necessário dizer mais para demonstrar a grande dificuldade em privar a Alemanha de víveres que ela facilmente receberá e, privada embora de ouro, pagará com os produtos de sua indústria.

Registre-se apenas, como nota final, que todas as conjecturas baseadas na existência de um dissídio entre a Rússia e a Alemanha, que, uma vez tornado patente, agravará consideravelmente o bloqueio, carecem totalmente de fundamento, não só em razão dos motivos ideológicos e políticos que o “Legionário” de há muito vem acentuando, como ainda pelo fato de ter crescido incessantemente, sob o regime nazista, o comércio com a Rússia soviética.

Em 1913, 47,5% da importação russa provinha da Alemanha. Em 1929, sob o governo do grande estadista católico Bruening, a exportação da Alemanha para a Rússia caiu para 22,5%. Subindo Hitler ao poder, registrou-se um aumento para 42,5%.

* * *

Para onde vamos, pois? Temos diante de nós a afirmação oficial de que não houve guerra nem haverá, durante o inverno. Do bloqueio, se pode duvidar seriamente. A única réstia de luz ainda é a perspectiva de um triunfo diplomático do Vaticano, que restabeleça na Europa aquela paz justa e honrosa que só à sombra da Igreja se poderá converter em realidade. A não prevalecer tal possibilidade, teremos uma paz sem justiça e sem honra, ou um estado de pseudo-guerra somado a um bloqueio que será talvez um pseudo-bloqueio. E, acobertado por essa situação, a violência campeando infrene em países inocentes como a Finlândia, enquanto uma modorra inglória anestesia a opinião geral, disposta a dormir tranquila sob a égide de um guarda-chuva.


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