Plinio Corrêa de Oliveira

 

A reunião do Episcopado paulista

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 3 de dezembro de 1939, N. 377

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A reunião efetuada pelo Episcopado Paulista, na semana passada, oferece margem a preciosos ensinamentos para os fiéis. Não necessitam estes de saber do que na reunião se tratou para tirar daí um fruto abundante de edificação espiritual. A reunião fala por si mesma. A eloquência do fato independe de explicações. É que tal reunião de Bispos não constitui uma inovação. Muito pelo contrário, reuniões como esta se praticam assiduamente no mundo inteiro, e tais costumam ser seus frutos para a Igreja, que em certos países elas têm sido a razão imediata de verdadeiras medidas de salvação para os católicos. É, por exemplo, por meio de reuniões periódicas de Bispos, que se tem jogado na Alemanha os mais importantes lances da grande batalha que a Santa Igreja move naquele país contra o totalitarismo hitlerista.

A explicação é simples.

Quanto mais se torna rija a estrutura dos Estados autoritários, tanto mais a Igreja deve estreitar os laços sobrenaturais e naturais que unem entre si os membros do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para cooperar cada vez mais com o Estado na obra da grandeza do País, se o Estado estiver animado de propósitos autenticamente conformes ao espírito da civilização católica. Para constituir uma barreira eficaz contra seus desmandos, se ele se aproveita de sua crescente força, não para oprimir o mal e proteger o bem, mas para proteger o mal e oprimir o bem.

Mas para que será necessário que os Bispos se reúnam? Perguntará muita gente. Identificados em espírito pela íntima comunhão de doutrina que os liga ao Trono de São Pedro, trata cada qual de apascentar o seu rebanho não subtraindo dessa tarefa nem um minuto de sua preciosa atividade. Dioceses governadas de acordo com os mesmos princípios católicos na vigência de um Direito Canônico igual para todas, em um Estado em que a unidade psicológica da população é assegurada pela grande facilidade de comunicações, não poderão deixar de seguir sempre um mesmo destino. E isto com tanto maior razão quanto cumpre acrescentar que o próprio Direito Canônico lhes proporciona um coordenador na pessoa de seu Metropolita.

Havendo tantos motivos de união, para que ainda essa reunião, que se tornará periódica? Com uma tal falta de Clero, com o peso de tão graves encargos que lhes consomem todas as horas do dia, não poderiam os Bispos fazer algo de mais útil do que se reunir para tratar de assuntos que todos analisam à luz dos mesmos princípios, e a respeito dos quais devem, pois, ter idênticas opiniões?

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A argumentação parece simples, mas não, é simplista, e o simplismo não é senão a caricatura da simplicidade. De fato, se é certo que não há união mais íntima do que a que liga entre si os membros do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a Igreja Católica, a fortiori essa união é fraternalmente estreita em se tratando dos Bispos, colocados à testa da Igreja docente.

Entretanto, a Igreja, sempre Mestra sapientíssima, conhece bem a complexidade dos problemas suscitados pelo apostolado. E é por isto que Ela se empenha tão fortemente por que os Bispos costumem reunir-se.

De fato, se a respeito de doutrina não pode variar a opinião dos católicos e máxime a dos Bispos, é certo também que sobre questões de fato as opiniões podem variar muito e essa possibilidade aumenta extraordinariamente de proporções em nossos dias, quando as circunstâncias sociais, econômicas, políticas e morais são de uma complexidade capaz de exaurir as forças e os recursos de observação dos mais finos psicólogos.

Os fatos devem ser julgados como eles são. Mas como são os fatos? Seu aspeto varia conforme os jornais que lemos e os informantes particulares de que dispomos. Uma diversidade de informações conduz a uma diversidade de impressões. E quando essa diversidade se acentuou de modo positivo, ela se torna, não raramente, irredutível. De mais a mais, é certo que muitos olhos veem mais do que apenas dois. Especialmente quando estão colocados, como ocorre com os Srs. Bispos, nos mais variados ângulos de observação do Estado.

Isto posto, como negar que a unidade de ação não depende apenas da unidade de doutrina, mas tem como condição essencial e indispensável a unidade no modo de considerar os fatos? E quem ousaria negar que, na ordem concreta, seria muito pequeno o valor de uma unidade de doutrina, meramente especulativa, da qual não resultasse uma grande uniformidade de ação?

Assim, pois, se é verdade que por três dias consecutivos - sem contar os dias de viagem e de aprestos, de estudo dos assuntos a serem ventilados na reunião, etc., etc. - todos os Bispos deixaram as respectivas ocupações para se reunir, é porque compreendem que a condição essencial para a união, na quadra torva e tormentosa porque passamos, é o hábito da reunião.

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Ouvi pessoalmente do Pe. Garrigou Lagrange que o cume da sabedoria pertence não àqueles que têm a mania de se embrenhar em digressões transcendentais, mas aos que possuem com clareza e segurança os princípios fundamentais. Porque, com um lastro sólido de princípios fundamentais, qualquer esforço de aeronáutica doutrinária, se nos pode conduzir às alturas, nunca permitirá que nos desviemos para o vácuo ou a estratosfera.

As razões que acima apontei poderão parecer, a muita gente, inspiradas por Monsieur de la Palisse ou pelo Conselheiro Acácio [personagens literários, francês e português, respectivamente, conhecidos por suas afirmações obvias, n.d.c. ]. Entretanto, a verdade é que se muitos princípios de elementar bom senso não tivessem sido, com tanta frequência, atribuídos a mentalidades de cretinos como o valente La Palisse ou o sentencioso Acácio, outro e bem outro seria o estado do mundo.

A prova disto está na inteira inobservância dos princípios que enumerei, em nossa vida de todos os dias.

Fui e sempre continuarei a ser entusiasta de um apostolado metódico, inteligente e raciocinado; e por isto mesmo infenso às iniciativas que brotam de movimentos sentimentais de fervor, sem base na realidade, prescindindo da consideração objetiva das circunstâncias e da escolha inteligente dos métodos de trabalho.

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Ora, a reunião dos Bispos prova claramente quanto tenho razão. O que significa ela, senão a necessidade suma de racionalizar o esforço apostólico, para tirar dele todos os juros que o homem da parábola exigia pelos talentos que emprestou? O que significa um apostolado mal raciocinado, senão um talento enterrado? E, entretanto, quanto trabalho desse gênero há por aí, meritório, digno de aplauso, empolgante até, mas que poderia ser ainda mais meritório, ainda mais digno de aplauso, ainda mais empolgante, se os que o orientaram compreendessem que devem roubar uma apreciável parcela de seu tempo à ação, para o empregar na meditação diligente do plano a seguir e dos melhores meios a escolher? Não é certo que essas irreflexões, esses estouvamentos, essa parcial desadaptação de certas obras ao respectivo meio, têm roubado e prejudicado mais a causa da Igreja do que a ofensiva soez de muito inimigo?

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Não convém ficar nas censuras e nas objurgatórias. Melhor é que fixemos no espírito o grande exemplo que nos deram nossos Bispos, para o aproveitarmos cada qual em sua seara particular.

Compreendamos bem nós, católicos, que só estaremos realmente unidos, caso saibamos entreter esta união por frequentes comunicações, encontros, reuniões e entendimentos entre os que estão à testa das principais obras de apostolado.

A este respeito, há países que têm uma experiência trágica a registrar. Olhemos, por exemplo, para a França. O que tem feito pela Cristandade os católicos daquele glorioso país! Entretanto, quanto e quanto poderiam eles ter feito se dissensões intestinas lamentáveis ao último ponto não tivessem prejudicado sua união?

Curioso é notar a este respeito que há uma máxima que parece muito favorável à união e que na realidade desune profundamente. Consiste a máxima em considerar digno de aprovação tudo, absolutamente tudo quanto não atingir princípios definidos pela Igreja a respeito da Fé e de costumes.

No fundo disto, há um subjetivismo à toda a prova. Os princípios não são atacados apenas na ordem teórica. Do que adianta professarmos doutrinariamente e negá-los na prática? Do que adianta, por exemplo, aceitar em tese que o Mandamento da pureza obriga sob pena de pecado grave, mas achar que as modas as mais ardidas e as mais contrárias à pureza nada têm de mal? Do que adianta afirmar o princípio da autoridade, mas pactuar na prática com tudo aquilo que, sem destruir esse princípio abertamente, o corrói o mais possível? A verdadeira união só existe na Verdade. Unir os espíritos é uni-los na Verdade. Porque uni-los no erro é fazer obra de cego que conduz outros cegos ao abismo. E procurar estabelecer essa união na zona fronteiriça entre a Verdade e o erro é procurar confraternizar sobre um abismo.

Enquanto a unidade doutrinária não se traduzir em uma unidade no modo de considerar os fatos e os resolver, ela será incompleta.

É esta a grande lição que nos deu nosso Episcopado.


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