Plinio Corrêa de Oliveira

 

Mais um aniversário

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 5 de novembro de 1939, N. 373

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Os telegramas do Rio noticiaram, nesta semana, o transcurso de mais um aniversário do falecimento de Jackson de Figueiredo. Como de costume, o Centro Dom Vital promoveu uma sessão solene. E, pela manhã, depois da Missa, Tristão de Ataíde falou junto à sepultura do grande campeão católico que tombou de modo tão inesperado na liça da vida.

É realmente comovedora a fidelidade com que Tristão de Ataíde, sentindo-se com razão o herdeiro do programa e da responsabilidade do grande Jackson, mantém viva no Rio de Janeiro a recordação perene em torno de sua memória. Desse foco de saudades se irradia sobre todos os Estados periodicamente, nesta data, uma grande nostalgia impregnada, entretanto, de um sentimento de profunda e amorosa conformidade com os desígnios da Providência.

Em São Paulo, Jackson teve amigos pessoais, sinceros e dedicados, que não se terão esquecido dele em suas preces, particularmente no aniversário de sua morte. E, além de amigos, Jackson tem admiradores que não o conheceram, mas que compreenderam sua obra, e procuram conservar o que ela teve de melhor, sempre vivo nas atuais realizações católicas, como marca característica de todo o apostolado que queira ser fecundo e oportuno...

* * *

Não conheci Jackson pessoalmente. O que dele sei de melhor, devo-o a algumas palestras que a seu respeito tive com Tristão de Ataíde. Quando a Providência o chamou para a vida eterna, era eu apenas um noviço da Congregação Mariana de Santa Cecília, que sob o olhar vigilante e a ação formadora do então Monsenhor Pedrosa, estreava nos primeiros combates do apostolado. Tão distante andava eu ainda de tudo quanto significasse apostolado concreto no Brasil, que quando tive a notícia de sua morte não pude medir o alcance do acontecimento. Só muito mais tarde, comecei a me interessar por sua obra. Mas, em compensação, confesso que, desde os primeiros contatos que tomei com sua grande personalidade, ela me empolgou e conquistou definitivamente minha admiração.

A nota mais impressionante do apostolado de Jackson está na noção meridianamente clara que ele teve de que o grande problema religioso do Brasil era, em essência, o combate ao indiferentismo geral. Jackson de Figueiredo não perdeu seu tempo em lutar contra perigos irreais. Positivo, ardente e prático, tendo visto o indiferentismo como a grande chaga nacional, Jackson contra ele investiu resolutamente. Não lhe bastou uma campanha doutrinária. Jackson teve a coragem que muito poucos leigos tiveram antes dele... e depois dele infelizmente, de dar os nomes aos bois, e de atacar o indiferentismo não apenas na esfera muito cômoda das concepções teóricas, mas nos usos, nas instituições, no ambiente em que ele se concretizava entre nós.

A grande virtude de Jackson foi exatamente de ter sido no Brasil, estagnado e de mentalidade amorfa de seu tempo, a negação viva e palpitante do indiferentismo. Jackson foi um filósofo lúcido e vigoroso. Dotado de uma lógica impecável que, se conquistava as inteligências pelo rigor do raciocínio, também conquistava e arrebatava as vontades pelo ardente amor da verdade com que era ela exercitada. A lógica de Jackson não é apenas verdadeira, mas viva e quente. É uma lógica à moda espanhola, em que silogismos, sempre irrepreensivelmente verdadeiros, são entretanto proclamados com os acentos de um hino de guerra e ressoam de retumbantes promessas de grandes epopeias.

A inteligência de Jackson parece ter sido virgem do crime de muitas outras inteligências, isto é do pecado da indiferença. Se causa repugnância a qualquer pessoa a indiferença de uma mãe diante do filho que acaba de dar à luz, uma repugnância análoga merece a inteligência que se conserva indiferente ante as verdades que ela mesma concebeu. Essa atitude tem uma maldição imediata: a esterilidade intelectual. Bossuet disse: “Ai dos conhecimentos que não se transformam em ação e em amor.” Com maior verdade ainda, o grande orador poderia ter acrescentado: principalmente se sobre eles temos a paternidade de uma real autoria intelectual.

Indiferente, Jackson nunca o foi. Sua conversão, pelo que teve de resoluto e de completo, lembra a de São Paulo. O grande Apóstolo, no momento em que conheceu a luz divina, se sentiu arder em amor e, portanto, em desejo de ação. Daí a sua interrogação imortal: “Senhor, o que quereis que eu faça?”

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Nós só debelamos o indiferentismo em nós, quando somos capazes de amar inteiramente a verdade e o bem. Na medida em que esse “inteiramente” não for real, há uma zona na qual ainda somos indiferentes. Jackson, que brilhou pelo inteiro repúdio do indiferentismo, conseguiu neste sentido um triunfo completo. É por isto que suas convicções católicas refulgem de um totalitarismo eclesiástico que foi uma das grandes características de seu espírito.

Quase dez anos depois de sua morte, o Santo Padre Pio XI, em memorável alocução dirigida contra os totalitarismos modernos, afirmou só haver um totalitarismo legítimo: é o do poder que a Igreja exerce sobre nós. Realmente, só a Igreja tem o direito de ser totalitária em relação aos seus filhos. E estes só serão perfeitos na medida em que se integrarem dentro deste totalitarismo sagrado.

Ora, neste sentido, Jackson foi um totalitário. Tendo conhecido a Igreja na sua verdadeira fisionomia, ele A amou inteiramente, e lhe pertenceu na plena integridade de seu ser.

Daí sua Fé completa e desassombrada, que se caracterizava pelo seu incondicionalismo tão chocante naquela época. Jackson foi o adversário determinado e irredutível de todos os católicos (?) que pretendem ter o direito de rejeitar alguns artigos de Fé, e de adotar outros continuando, entretanto, a se servir do catolicismo com de um rótulo cômodo.

Daí também seu espírito apostólico. Impossível lhe seria, tendo rompido com qualquer forma de indiferentismo, cruzar os braços ante a luta entre a Igreja e seus adversários.

Jackson se dedicou inteiramente ao apostolado. Não foi apenas um escritor que, além de se dedicar a um grande número de causas temporais, foi “também” católico. Jackson foi católico antes de tudo. Ou melhor, foi exclusivamente católico. Porque renunciou ao serviço de quaisquer causas temporais em que não estivesse empenhada a Causa por excelência, ou seja a causa da Santa Igreja de Deus.

Daí ainda sua combatividade. Jackson tinha horror ao apostolado cômodo, ou melhor, ao apostolado comodista, pois que só para os comodistas o apostolado pode ser cômodo. Inimigo do comodismo, era ele adversário de todas as pequenas “habilidades apostólicas” que o comodismo costuma insinuar para tornar menos árduo o serviço de Deus.

Daí o fato de ser ele combativo. E daí o praticar ele tão bem aquela norma aliás absolutamente evangélica, segundo a qual se deve reputar inimigo de Jesus Cristo todo aquele que não estiver explicitamente com Ele, isto é, com a Igreja. Jackson era lealmente inabordável para certas “aproximações” velhacas que muitos “espiritualistas” ou “cristãos” procuram com a Igreja, bem como de certos charlatães mais ou menos cultos e inteligentes, que estão perpetuamente “a caminho da conversão”. São aposentados, que encontram pousada fixa no longo caminho que medeia entre a Igreja e o erro. No fundo, são soldados do indiferentismo, que amam as trevas da morte, e que, imersos dentro delas, se comprazem em trocar sorrisos com os filhos da luz, para iludirem sua própria consciência, ou a do próximo... Se Jackson estivesse vivo, com que ardor a lógica de seus princípios o obrigaria a investir contra tanto e tanto “cristão” que flerta com muitos católicos, mas que se recusa a intitular-se a si próprio católico!

A parte mais característica da obra de Jackson, entretanto, jamais estaria inteiramente descrita, se se omitisse sua luta, não apenas contra o erro, mas ainda contra aqueles que se fizeram como que a encarnação do espírito das trevas.

Não falta quem, com evidente perversão da verdade, julgue que o amor ao próximo, se nos leva a condenar o erro, entretanto nos obriga também a tratar com idêntica distinção, indiferentemente, o que erra e o que acerta; o que prevarica e o que persevera, o que sobe de grau em grau no amor de Deus e o que, pelos escândalos públicos de sua doutrina ou de sua vida, desce degrau por degrau a escada do inferno.

A Santa Igreja ensina exatamente o contrário. Para tanto, basta ler o capítulo referente aos excomungados “vitandos”, com os quais o católico está proibido, sob pena grave, de entreter toda e qualquer espécie de relações, salvas estritíssimas exceções estabelecidas pelo Código de Direito Canônico. Entretanto, há olhos que não querem ver... e ouvidos que se doem mais com os arrojos de linguagem de Jackson em relação aos adversários da Igreja do que com as injúrias por estes atiradas contra Nosso Senhor Jesus Cristo.

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Pareceu-me útil lembrar estes traços característicos do apostolado de Jackson, nos quais se encontram as notas mais belas e mais afinadas de seu senso católico.

Qualquer apostolado que queira ser fecundo e oportuno deverá se orientar por este princípio. Porque qualquer apostolado que, no Brasil, não se dirigir, em primeiro lugar, contra o indiferentismo religioso, o liberalismo e o modernismo (tão vivo e tão virulento, a despeito de suas aparências de morto), será mera luta com pólvora de festim...


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