Plinio Corrêa de Oliveira
Cristo Rei!
|
|
Neste
domingo em que a Santa Igreja de Deus celebra a realeza de Nosso Senhor
Jesus Cristo, encher-se-ão, no mundo inteiro, os templos católicos com uma
multidão piedosa, que irá depositar aos pés dos altares suas súplicas e
suas orações. Contemplando em espírito essa imensa multidão, composta de
pessoas oriundas de todas as raças e de todos os pontos do globo, tão
numerosa que, segundo a previsão do Apocalipse, “ninguém a pode
recensear”, um pensamento se apodera de mim. E ao mesmo tempo eu
experimento o desejo imperioso de o comunicar aos meus leitores. Ser-me-ia, sem dúvida, muito mais grato e mais fácil cingir-me exclusivamente a considerações de ordem geral sobre a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tenho, porém, a certeza de que tais considerações outros as farão. Mas o pensamento que está em mim, posso eu porventura ter a certeza de que todos os demais o tiveram, e de que, em hipótese afirmativa, o externarão? Uma dolorosa negativa me responde a esta pergunta. E, por isto, deixando a outros uma tarefa aliás incontestavelmente indispensável e fundamental, vou fazer a tarefa mais ingrata, mais obscura, mais desagradável, porém mais necessária: a de dizer uma verdade áspera e dolorosa, neste grande dia de festa. Os bons pensamentos têm isto de característico que, quando aproveitados, servem-no de remédio tanto a nós mesmos quanto ao próximo. Quando, porém, nós os rejeitamos em nossa vida interior, ou os calamos em nossas relações com o próximo, eles se transformam, segundo São Paulo, em carvões ardentes, que nos causticam e calcinam a alma.
Ai dos que receberam e, por egoísmo ou
covardia, não atenderam aos bons conselhos! Ai também dos que, por
covardia ou egoísmo, calaram os bons conselhos que eles poderiam ter dado!
Estes conselhos salutares, que eles não externaram, queimá-los-ão a eles
próprios pelo interior, como brasas ardentes. E no dia do juízo serão
levados à conta de talentos inaproveitados.
Aí vão
minhas reflexões, portanto...
* * *
Quando
pronunciou, em Lisieux, sua magistral
alocução, o então Cardeal Pacelli, já predestinado pelo Espírito Santo a
reger futuramente a Igreja de Deus, fez uma queixa amarga, que nos cabe
hoje recordar. Disse ele que entre os muitos homens que desobedecem hoje
as palavras dos Pontífices, há uma categoria que causa especial mágoa ao
Papa. Não se trata dos que não tem Fé e nem dos que, tendo uma Fé morta e
inoperante, não procuram ouvir o que o Papa lhes diz. Os que mais fazem
sofrer o Papa - e este é o ponto que nos interessa - são os que, aos pés
do púlpito, em atitude externa correta e reverente, ouvem a palavra do
Vigário de Cristo comunicada pela Hierarquia Eclesiástica... mas não a
compreendem, se a compreendem não a amam, e se a amam platonicamente não
lhe dão execução!
Assim,
no dia de hoje, quantos e quantos católicos, elevados pelo Batismo à
dignidade de cidadãos do Reino de Deus, nem sequer cumprirão o preceito
dominical! Quantos outros católicos, ainda, indo à Igreja, ouvirão algum
sermão sobre a Realeza de Jesus Cristo, sem saber entretanto, e sem
procurar saber em que sentido se deve atribuir a esta tão clara e tão
litúrgica festa! Quantos católicos finalmente,
acompanhando até o próprio texto da Liturgia Sagrada, lerão as
maravilhosas lições que ela contém sobre a Realeza de Jesus Cristo e não a
compreenderão! Quantos os católicos que procuram implantar o Reino de
Cristo no mundo inteiro, esquecidos ou ignorantes de que devem começar por
implantar dentro de si mesmo! E quantos outros supõem que podem implantar
realmente dentro de si o Reino de Cristo, sem sentir um desejo ardente e
devorador de o implantar no mundo inteiro! Em outros termos, não são tais
católicos do mesmo jaez daqueles que ouvem corretamente... porém, só com
ouvidos do corpo e não com os da alma, o que lhes diz a Igreja, pela voz
dos Pontífices?
A
doutrina da Realeza de Jesus Cristo está intimamente ligada à belíssima e
piedosíssima prática da entronização do Sagrado Coração de Jesus nos
lares. Se se entroniza a imagem do Sagrado
Coração de Jesus no lugar mais rico e mais nobre do lar, é exatamente
porque se reconhece que ele é Rei. Entretanto, quanto lar há por aí,
em
que a imagem está entronizada na sala, mas em que Cristo não está
entronizado nos corações!
Evidentemente, não quero exagerar a tristeza já de per si tão grande deste
quadro, cometendo a injustiça de desprezar o que há de belo e de bom
apesar destas lacunas. Qualquer ato de piedade, qualquer atitude de
reverência para com a Igreja de Deus, por mais superficial e
insignificante que seja, deve ser por nós, católicos, apreciado, amado e
estimulado com um zelo imenso, reflexo direto de nosso amor a Deus. Longe
de nós, pois, um pessimismo de sabor farisaico, que nos fizesse contestar
todo e qualquer valor a estas práticas de piedade, desde que sejam
sinceras, por mais que a frieza ou a ignorância lhes toldem o brilho
sobrenatural.
Entretanto, feita esta reserva, a verdade aí está: a queixa de São João
ainda hoje é muitas vezes procedente: “in
propria venit et
sui eum
non receperunt”....
* * *
Não
seria, aliás, difícil conhecer a doutrina da Igreja sobre a realeza de
Jesus Cristo.
Na Sua
infinita misericórdia, Deus Se dignou de comparar o amor infinito com que
nos ama ao amor que nos tem nossos pais. Evidentemente, não quer isto
dizer que Ele tenha reduzido na comparação as insondáveis dimensões de Seu
amor, para as amesquinhar até as proporções exíguas dos afetos de que os
homens são capazes. Pelo contrário, se Ele se serviu dessa comparação do
amor paterno foi apenas para nos dar a entender, de longe, o quanto Ele
nos ama. Se dermos à palavra “pai” o sentido que ela tem na ordem natural,
Deus não é apenas nosso Pai, mas muito mais do que isto, por ser nosso
Criador. Porém, como a função de pai, na natureza, não é senão de
coadjuvar a Deus na obra da criação, se alguém merece na realidade o nome
de Pai, é Deus. E nosso pai segundo a natureza outra coisa não é senão o
depositário de uma parcela da paternidade que Deus tem sobre nós.
O mesmo
se dá com a Realeza de Jesus Cristo. Para nos fazer compreender a
autoridade absoluta que, como Deus, Ele tem sobre nós, Jesus Cristo
dignou-Se de Se comparar com um Rei.
Entretanto, como é por Ele que reinam os reis, e a autoridade dos reis só
é autêntica por provir d’Ele, na realidade, o
único Rei, Rei por excelência, é Ele. E os reis ou chefes de Estado não
são senão seus humildes acólitos, dos quais Ele se digna
servir-Se na obra da direção do mundo. Cristo
é Rei por ser Deus. Chamando-O de Rei queremos
simplesmente afirmar a Onipotência divina, e nossa obrigação de Lhe
obedecer.
* * *
Obediência! Eis aí um dos conceitos contidos essencialmente no conceito da
Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Cristo é Rei, e a um Rei se deve
obediência. Festejar a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo é festejar Seu
poder sobre nós. E, implicitamente, nossa obediência em relação a Ele.
Como é
que se obedece a um Rei? A resposta é simples:
conhecendo-Lhe as vontades, e cumprindo-as com amorosa e
pormenorizada exatidão.
Assim,
pois, o único modo de obedecermos a Cristo Rei é conhecer Sua Vontade e
segui-la.
Dessa
noção tão clara, tão simples, tão luminosa, um programa de vida, também
ele claro, luminoso e simples, se segue.
Para
conhecer a vontade de Cristo Rei, devemos conhecer o Catecismo. Porque é
ali, através do estudo dos Mandamentos, estudo este que só será completo
com o estudo de toda a doutrina católica, que conhecemos a vontade de
Deus. E para seguir esta vontade, devemos pedir a graça de Deus pela
oração, pela prática dos Sacramentos e por nossas boas obras. Finalmente,
pela vida interior, isto é pela leitura espiritual, pela meditação, e pela
vida vivida exclusivamente à luz do Catecismo seguiremos a vontade de
Deus.
Disse
Nosso Senhor que o Reino de Deus está dentro de nós mesmos. Ora, este
pequeno reino, pequeno como extensão mas infinito como valor porque custou
o Sangue de Cristo, cada um de nós o deve conquistar para Nosso Senhor,
destruindo tudo aquilo que, dentro de nós, se oponha ao cumprimento de Sua
lei.
Finalmente, as leis de Cristo se aplicam não apenas a um indivíduo em
particular, mas aos povos e nações. Que os povos conheçam e pratiquem na
sua organização doméstica, social e política, as Encíclicas que são a
expressão da própria vontade de Deus, e Jesus Cristo será Rei. Em outros termos, sejamos bons católicos; sendo-o, seremos necessariamente apóstolos; e sendo apóstolos seremos necessariamente soldados de Cristo Rei.
|