Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentando...

Ação supletiva do Estado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 13 de agosto de 1939, N. 361, pag. 2

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Quando um criminoso não habitual é preso pela polícia, ele se defronta com um Poder frio e impessoal, cujas engrenagens funcionam normal e regularmente, tivesse ou não tivesse cometido o crime. Se não fosse ele, ali estaria outro; e o delegado agiria com a mesma impassibilidade no cumprimento de seu dever funcional. Para o escrivão, ele e a sua história nada mais são, talvez, do que uma grande e tediosa massada. A sua tragédia íntima, a sua espantosa chaga moral, única, irreversível, inconfundível, não é levada em conta ante o ritmo bem ordenado da administração pública. O criminoso é alienado daquilo que, no momento, adere mais intimamente à sua personalidade, daquilo que é mais seu: o seu crime, a sua deformidade pungente e radical. Tudo se transforma num processo, que passará por todos os trâmites determinados em portarias e regulamentos, processo que será classificado e colocado ao lado de outros processos iguais. Assim, o crime se torna, para o criminoso, uma espécie de qualidade natural, como outros, por exemplo, são estrangeiros e, por isso, também precisam de passar pela polícia.

o mesmo não acontece quando um pai castiga a seu filho, ainda que severamente, por alguma falta grave. Desta feita, a punição não vai de administrador a administrado, mas de coração a coração. O filho percebe que não é indiferente em relação a quem o castiga. Não é a incorreção enquanto tal, mas ele, pessoa incorreta, que é atingida. É de sua personalidade faltosa que alguém, que o ama, procura extirpar um abcesso moral, por isso que o ama. Tudo se passa no recesso na intimidade de comunhão de duas pessoas humanas.

Aí estão dois casos típicos do modo de ser de duas espécies de autoridade. A primeira se caracteriza pela “exterioridade”; a segunda, pela “intimidade”. Evidentemente, ambas são necessárias, dada a defectibilidade da natureza humana. A última, porém, é mais perfeita.

Ora, a autoridade “exterior” é própria do Estado, especialmente o Estado moderno. De fato, há uma “ausência” visceral nas relações entre o indivíduo e o Estado burocrático, esquematizado, de nossos dias. Nessas relações, perde-se o conteúdo mais profundamente humano da sociedade e das instituições, assim como se evaporaria uma essência aromática entre as rodas de uma engrenagem.

Esses princípios são muito de serem lembrados em se tratando de uma questão extremamente delicada, que exige o máximo de “intimidade” tal como só se encontra no ambiente familiar: o Serviço Social. O processo de reajustamento social de indivíduos desajustados deve ser presidido por esse espírito de “intimidade” familiar essencialmente cristão católico, que nos faz ver no necessitado, moral ou material, nosso irmão, pai ou filho. Como se vê, está-se diante de uma dessas coisas que exigem decidida vocação por parte de quem a pratica.

Por isso mesmo, a ação do Estado nesse particular deve ter um cunho nitidamente supletivo, evitando-se cuidadosamente, qualquer intervenção formal.

Foi o que compreendeu, claramente, a administração paraibana. Em recente decreto, o Interventor naquele Estado transferiu para a Arquidiocese local o domínio de bens imóveis, em que funciona importante obra social. Entre as considerações que justificavam o decreto, achava-se “a necessidade de incrementar obras de ação social, facultando-lhes, para maior utilidade, meios de exercer a sua finalidade educativa e regenerativa.”

Eis o caminho certo: colaboração material, deixando intacta a autonomia da instituição.


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