Plinio Corrêa de Oliveira

 

Adesite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 4 de junho de 1939, N. 351

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Recapitulando através das colunas do “Legionário” os rumorosos casos da “Action Française”, da “politique de la main tendue” [a política da mão estendida], do nazismo e do “Sillon” não tive em mira proporcionar aos leitores desta Folha uma simples reedição resumida... e desbotada daqueles importantíssimos episódios da história hodierna.

Disse alguém — e desde então M. de la Palisse e o Conselheiro Acácio não têm fartado de o repetir — que a História é mestra da vida. Foi com o intuito de buscar junto a essa grande e fecunda mestra uma lição proveitosa para o apostolado diário de todos nós, que me acerquei dela nos últimos artigos. Depois de ter folheado as páginas da História de nossa civilização agonizante, vamos ver a lição que ela nos dá.

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Foi muito de propósito que coloquei lado a lado nos artigos anteriores correntes da extrema direita e da extrema esquerda. Ao menos teoricamente a “Action Française” e a “politique de la main tendue” estão em diametral oposição uma à outra. Também o nazismo e a “politique de la main tendue” estão, em aparência, nos dois polos opostos do pensamento político moderno. No entanto, se investigarmos com atenção as causas pelas quais numerosos católicos de cultura e discernimento se deixaram transviar quer em um quer em outro polo, a ponto de tocar às raias da apostasia, veremos que a identidade entre elas é a mais absoluta. Este fato não pode deixar de impressionar.

Em última análise, tanto em um quanto em outro extremo, os erros foram causados por adesões excessivamente precipitadas e ardorosas. Tais adesões, apresentadas embora como meios aptos a trazer as massas ao grêmio da Igreja, não tiveram outra consequência senão arrastar para fora do grêmio esses afoitos adesistas. Fracasso maior não seria, pois, possível. E, no entanto, esses fracassos se repetiram em diversos setores da opinião, sendo inúteis, para os prevenir, as admoestações paternais da Hierarquia Eclesiástica.

Nisto, reside a nota do supremo absurdo. Se essas adesões eram dadas com intuitos de apostolado, como foram realizadas em contravenção da Hierarquia ou ao menos — quando a Hierarquia não manifestava expressamente — do espírito da própria Igreja?

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A primeira observação é que essa curiosa mania de aderir não é inspirada em puros motivos de apostolado.

O católico, no Batismo, rompe com o mundo, o demônio e a carne, com Satanás, suas pompas e suas obras para seguir os caminhos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Acontece, entretanto, que muito frequentemente, estes caminhos apresentam trechos de itinerários penosos a percorrer, e levam o viandante a passar por planícies áridas e pedregosas. Começa, então, a latejar um sentimento novo no espírito do católico. As saudades dos confortos deixados, da popularidade imolada, das relações sacrificadas, da consideração social calcada aos pés, do dinheiro a que ele renunciou quando renunciou às gordas negociatas do comércio hodierno, começam a despontar. A princípio, são simples nostalgias. Depois, estas nostalgias se transformam em tentação. E, finalmente, essa tentação se transforma no propósito de aderir novamente — conquanto em parte e sob a capa do apostolado àquilo a que outrora, em um santo dia de fervor, se renunciou.

Conta a Sagrada Escritura que os hebreus viviam no Egito gemendo sob o guante da escravidão. Guiados pela mão do Senhor, fugiram em demanda da Terra da Promissão. No caminho dessa Terra, entretanto, havia um deserto a atravessar. A sede e a fome apertaram. E com isto nasceu nos hebreus a saudade das cebolas que comiam quando escravos no Egito. E afinal acabaram com saudades da própria escravidão, por causa das cebolas...

Quantos de nós, depois de termos rompido com tudo, sentimos saudades de certos gozos e dos prazeres materiais e morais, e por causa dessas saudades acabamos sentindo saudades da escravidão em que nos retinha o demônio?

A mulher de Lot abandonou Sodoma, a cidade do pecado. No caminho, porém, teve saudades da sua pátria maldita, e voltou-se para trás, a fim de a ver mais uma vez. E transformou-se em estátua de sal...

Quantas estátuas de sal se encontram hoje entre nós!

* * *

Essa fase de crise espiritual tem um lema: “não é tanto assim”; e uma pseudo-virtude: a moderação.

Outrora o católico A ou B rompeu com tudo. Mais tarde começou a achar que realmente as coisas que abandonara eram más, mas “não tanto assim”.

Exatamente como aos hebreus, no deserto, começou a parecer que a escravidão não era tão má assim, uma vez que proporcionava a deglutição cômoda de numerosas cebolas.

Os hebreus quiseram apostatar por cebolas. Nós temos a tentação de sorrir diante disto. E, no entanto, quantos, dentre nós, apostatam, não por cebolas... mas por causa de elogios e sorrisos!

Ouvimos um belo dia um elogio à nossa tibieza. É um inimigo da Fé que proclama que nós somos “muito moderados, muito criteriosos, muito esclarecidos”. E depois conclui enfaticamente: “se fossem assim todos os católicos...!”

Os judeus não consideraram a Nosso Senhor “muito moderado, criterioso e esclarecido”, conquanto Ele fosse o próprio Deus, e a sede de toda Sabedoria e de toda a bondade. “Et crucifixerunt eum” [“e O crucificaram”], exatamente por isto. Os pagãos não acharam “moderados, criteriosos, esclarecidos”, os apóstolos e os católicos das catacumbas, conquanto eles realmente o fossem. Como em nossos dias o Sr. Hitler ou o Sr. Stalin não acham a Igreja nem “moderada”, nem “criteriosa”, nem “esclarecida”. E, no entanto, no meio da babel do mundo moderno, Ela é o único refúgio do bom senso e da moderação.

É que a prudência que vem da ação da graça em nós é uma prudência que o mundo detesta. E a prudência que o mundo aplaude é uma prudência detestada pelo Espírito Santo.

Mas o nosso católico saudoso das cebolas do Egito não pensa assim. O mundo o aplaudiu? Então ele está conquistando o mundo para Deus. Nosso Senhor, entretanto, conquistou o mundo, mas foi crucificado pelos inimigos de Sua doutrina. E nós queremos os aplausos dos inimigos de nossa doutrina! E chegamos a criar em nossa imaginação toda uma orientação de apostolado especial... para receber os aplausos dos inimigos da Igreja!

Ó adesite! Ó tremenda mania de aderir!

* * *

Mas, infelizmente, essa mania não assalta apenas os convertidos, mas os que nasceram no grêmio da Igreja e dele nunca se apartaram. Porque é ela uma tentação que circunda, “sicut leo rugiens” [como leão que ruge], a todos nós.

Também o filho pródigo quis aderir ao mundo. Estava ele na casa paterna. Mas a meiguice do pai, o conforto do lar, a tranquilidade da vida doméstica, já não tinham para ele atrativos.

Sua imaginação sonhava com maravilhas distantes. A perversão de seus sentimentos era tal, que ele não percebia a felicidade que Deus derramara em torno dele, e ardia em anseios pelos prazeres corruptos, longe dos quais Deus o fizera nascer.

Diz a Escritura: “porque amaste a virtude e odiaste a iniquidade, o teu Deus te ungiu com o óleo da alegria”.

Com o filho pródigo, essa frase se aplica, mas às avessas. No fundo, ele aborrecia a virtude e começava a amar a iniquidade. Na casa paterna, o que lhe parecia tedioso era o ambiente de virtude que ali existia, que exacerbava os apetites desgovernados que rugiam dentro dele. E o que seduzia na cidade longínqua era o ambiente pestilencial no qual seus apetites desregrados encontrariam pasto abundante. E, como ele amou a iniquidade e se aborreceu da virtude, Deus fez chover sobre ele o óleo negro da mais extrema amargura.

Quantos são esses filhos pródigos hoje em dia! Filhos da luz, eles não amam, entretanto, a Fé, e por isto são frouxos na defesa dos verdadeiros princípios católicos. Frouxos na virtude, eles sorriem com facilidade ao vício, ou às situações equívocas em que não se sabe distinguir o vício da virtude, a tal ponto aquela se apresenta com os ares desta e esta com os ares daquela.

E começam a achar “que é preciso não ser tão severo assim”, ou “que é preciso ser prudente, ser criterioso, ser cordato”. O mundo os aprecia, o mundo os aplaude, o mundo os louva. Eles estão certos de que estão trazendo o mundo a Cristo, conquanto sua consciência lhes diga que eles estão, na realidade, trilhando um caminho perigoso.

Mas, assim mesmo eles persistem nas veredas errôneas e, para abafar a voz da própria consciência, chamam de rançosos e retrógrados os que não descem com eles pelo abismo abaixo.

Estes filhos pródigos também são adesistas. Aderir é com eles. Eles estão de acordo com tudo, cedem em tudo, fecham os olhos a tudo. Até que, em um dia que será de salvação para suas almas, eles provem o óleo da amargura, que fez o filho pródigo voltar à casa paterna.


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