Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentando...
 
Verdadeiro ruralismo

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 30 de abril de 1939, N. 346, pag. 2

  Bookmark and Share

 

Aqui no Brasil, algumas vezes, surgem certos pruridos. Afora uns poucos bem intencionados, porém menos bem avisados, que não cessam de clamar pela valorização da vida agrícola, o que se tem visto são pernósticas sociedades fundadas nas capitais litorâneas, que terminam como tudo termina neste país: numa crise de pedantismo erudito, consubstanciado em discurseira ou versalhada.

Agora nos vem a notícia de um congresso da Juventude Agrícola Católica francesa, realizado em Paris em fins da semana passada, para comemorar o 10.º aniversário daquele ramo da Ação Católica. Fato característico: a Missa do congresso foi rezada pelo primeiro jacista ordenado sacerdote. Eis aí o verdadeiro ruralismo: a santificação da população, do trabalhador e do trabalho rurais. Só assim a terra, o elemento material de que vive o homem, deixará de ser sua inimiga, será também santificada e submeter-se-á ao jugo racional do Rei da criação.

Mas é preciso, para isso, que o nosso catolicismo não seja um catolicismo de superfície, mas profundo, vital, que atinja o âmago de todas as realidades, para que se realize plenamente aquela palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Quando eu for exaltado, atrairei para mim todas as coisas.”

Portanto, o católico deve possuir um senso preciso das realidades, deve vê-las por dentro; e, em relação à terra de sua pátria, deve compreendê-la, adivinhar-lhe o sentido; integrar-se, formando com ela uma só paisagem, pela adaptação às suas condições e pelas reações sobre ela, fecundando-a, elevando-a pelo trabalho ordenado. Este deve ser o fruto nacional dos importantíssimos dons do Espírito Santo, sabedoria e ciência.

O jacismo francês parece estar no bom caminho. Segundo a mesma notícia, a Missa foi precedida de várias oferendas, tais como uma grande cruz de espigas de trigo, cestas de legumes, frutos da terra que simbolizavam o solo francês.

Realizaram-se, ainda, as festas das províncias e, nas reuniões levadas a efeito, tiraram-se conclusões práticas para o melhoramento da vida do trabalhador rural. Entretanto, a França não é “um país essencialmente agrícola”...

Dizem, por aí, que nós somos. Apesar disso, as classes rurais jazem pelo vasto território em lastimável estado de quase abjeção, sem dinheiro, sem higiene, sem cultura, sem ideal, sem nada. Em algumas capitais ninguém compreende este fato, porque a gente está isolada do solo por uma camada de asfalto, e se embasbaca pela altura dos arranha-céus. Alguns técnicos afirmam que se devem proteger as indústrias, porque a fase industrial é a última etapa do progresso; as fases pecuária e agrícola já passaram de moda. Enquanto isso, meia dúzia de estrangeiros se enriquece à custa da caxexa [raquitismo, n.d.c.] das populações nacionais.

De quem é a culpa? Não vamos como é vezo antigo. Os governos são os que forem os governados; sempre continua verdadeira a afirmação de Joseph de Maistre: os povos têm os governos que merecem. A culpa é de todos nós, é de toda a coletividade; é dos maus católicos, dos pseudo-católlcos, dos católicos maçonizados, enfim, de todos aqueles que contribuíram para pôr o catolicismo, no Brasil, à margem da vida.

Além do mais, o brasileiro não tem sabido adaptar-se às condições concretas do meio ambiente, de forma a tirar todas as vantagens. Até agora não soubemos criar uma civilização adequada, perseguidos que somos pela mania da imitação, pelo lirismo piegas, pela eruditice vaidosa e pouco preocupada com a verdade. Não há equação entre o homem e o meio físico; toda a nossa atividade econômica não tem passado, por via de regra, da devastação do patriotismo material com que fomos aquinhoados pela Providência. Não sabemos nem ao menos alimentar-nos convenientemente, de acordo com os meios naturais e às exigências do clima.

É verdade que nem sempre fomos assim. Pelo contrário, nos primórdios da vida colonial manifestou-se um surto lisonjeiro de legítima civilização, autóctone; a história das bandeiras é um exemplo magnifico. Porém, a maldita política de Pombal seccionou o broto verdejante; a nossa história, a nossa vida como povo foi lamentavelmente truncada, quando ia começar a produzir os seus frutos.

Felizmente, já se manifesta um sopro renovador, na maravilhosa floração de vida religiosa, que presenciamos. A Ação Católica organiza-se. Certamente a pujante seiva que se observa no jacismo francês há de, também, borbulhar aqui, neste imenso país, “essencialmente agrícola”.


Bookmark and Share