Plinio Corrêa de Oliveira
Comentando...
Legionário, 16 de abril de 1939, N. 344, pag. 2 |
|
O “Estado de S. Paulo” de Domingo da Ressurreição publicou um comentário de V. Cy. sobre a Semana Santa, que é um amontoado de inverdades históricas impudentemente apresentadas como resultados de investigações científicas. Com aquele ar enfatuadamente modesto de erudito complacente, afirma que a Páscoa Cristã é a consequência da fusão da Páscoa judia e das festas primaveris da astrolatria pagã; sendo de notar que a Semana Santa não passaria da sobrevivência dos ritos vernais e a Ressurreição de Cristo nada mais seria do que um símbolo evoluído da vitória das forças espirituais. “Excusez du peu”... A gente fica sem saber como é que esta mistura extravagante como é judaísmo e paganismo — que V. Cy. pretende explicar pela influência do sincretismo religioso do primeiro século — tivesse tomado o nome de Cristianismo. É de pasmar como hoje se vem declamar solenemente idiotices de todo o tamanho, sem a menor preocupação de probidade intelectual. A história das religiões constitui, atualmente, um ramo dos mais difíceis e complexo do conhecimento humano, em pleno período de evolução, de tal forma que, para se estar em dia com a matéria, é mister acompanhar as publicações periódicas dos institutos especializados. Entretanto, pode considerar-se como perfeitamente estabelecido o seguinte: os judeus da época da eclosão do Cristianismo, embora estivessem com grande parte de seu território infiltrada de populações pagãs, embora sofressem o assalto da cultura helênica, que era favorecida pela dinastia idumeia dos Herodes — fechavam-se sobre si mesmos, numa defesa obstinada de sua religião, numa hostilidade viva contra os elementos desagregadores da cultura judaica. Esta atitude provocou repetidos e violentos conflitos: assim, Pilatos teve de suportar uma revolta popular porque fizera entrar suas tropas em Jerusalém, carregando as imagens dos imperadores. Isto tinha uma aparência de idolatria. Pilatos acabou cedendo, e mandou transportar as imagens para Cesareia. Os exemplos, neste sentido, são inúmeros. A pregação de Nosso Senhor Jesus Cristo, por outro lado, nada tem de transigente; pelo contrário, a separação do paganismo é nítida. Ele veio cumprir a Lei, e fazer com que todos a cumprissem até o último jota. Veio para evangelizar, primeiro, as ovelhas de Israel. Depois de sua Ressurreição, também os gentios deverão ser salvos. Mas deverão abandonar as antigas práticas, porque “a salvação vem dos judeus” (Jo, IV). Mais tarde, o sincretismo religioso do primeiro século iria ser um dos mais sérios obstáculos ao Cristianismo nascente; foi por influência desse sincretismo que surgiu a seita herética dos gnósticos, com que teve de lutar a Igreja de Deus. Se tal era a oposição ao paganismo, onde encontrar o tal misto heterogêneo de Páscoa judaica e festas primaveris? Todos estes fatos são rigorosamente documentados. O sr. V. Cy, porém, não precisa de documentos; bastam-lhe certas generalizações apressadas e sectárias, hoje obsoletas e bolorentas, que nunca tiveram valor científico. Remetemo-lo, para espanar um pouco as teias de aranha, a magnífica e recente história da Igreja, obra coletiva feita sob a direção de Augustin Fliche e Victor Martin; no primeiro volume, da autoria de J. Lebreton, decano da Faculdade de Teologia do Instituto Católico de Paris, e J. Zeiller da Sorbonne, encontraria bons esclarecimentos. Poderá, também, tirar proveito da consulta a autores como Vouaux ou C. Schmidt. Entretanto, há uma conclusão prática a tirar de tudo isto. Os leitores do artigo do sr. V. Cy, no “Estado de S. Paulo”, são, na grande maioria, católicos. Se leem este jornal, é porque o apreciam; e, por aí, são levados a desculpar coisas como essa, e outras ainda muito piores. Pela simpatia ao jornal, inclinam-se a descobrir tintas católicas nos piores disparates. Isto não vai pôr a fé cristã dos leitores em perigo. Mas vai soterrando-a sob uma porção de idéias errôneas desencontradas e parasitárias. A consequência é que ir-se-á embotando neles aquela qualidade delicada de “sentire cum Ecclesia” [sentir com a Igreja]. Daí, esta quantidade de católicos mornos, indolentes no amor à Igreja, tardos na adesão à Roma, cheios de pretextos para não tirar todas as conclusões da doutrina que professam. Este é o fruto da imprensa “neutra”. O único remédio é a imprensa católica, boa não só na doutrina, mas também nas qualidades jornalísticas, para desviar as simpatias do público e trazê-lo às boas fontes. |