Plinio Corrêa de Oliveira

 

O triunfo da Espanha Católica

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 9 de abril de 1939, N. 343

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Não poderia haver dia mais adequado para se comentar o triunfo da Espanha Católica do que o domingo de hoje, em que a Santa Igreja Universal comemora a Ressurreição do Senhor.

O belo telegrama de Pio XII, que transcrevemos a seguir, é uma prova de que temos razão de nos rejubilar com o fato. Disse o Papa:

“Elevando nosso coração ao Senhor, agradecemos sinceramente a tão desejada vitória da Espanha católica. Fazemos votos para que esse país querido, uma vez alcançada a paz, retome com novo vigor as antigas tradições cristãs que tanto a dignificaram. Com esses sinceros sentimentos, enviamos a V. Exa. e a todo o nobre povo espanhol a nossa bênção apostólica”.

Efetivamente, o esmagamento do comunismo na Espanha pode significar a ressurreição de um país de inestimáveis glórias históricas que vinha sendo minado a fundo por todos os fatores de degenerescência que afetaram a Europa desde a pseudo-reforma protestante. Não vale a pena, aqui, insistir a respeito dos nexos íntimos que ligam a pseudo-reforma à Revolução francesa, e esta, por sua vez, ao comunismo. Esses nexos, não apenas doutrinários, mas ainda políticos, têm sido estudados a fundo pelos tratadistas católicos, e constituem, hoje em dia, um lugar comum entre todos os estudiosos da História.

É hoje incontestável que o comunismo foi, em última análise, descendente genuinamente de Lutero e de Voltaire, e não constitui outra coisa senão a expressão mais aguda de uma crise latente que se manifestou pela primeira vez através do protestantismo, despontou com força nova em 1789, e manifestou na Rússia, na Espanha e no México todo o vigor de sua força diabólica e destruidora.

Como se vê, provém o comunismo de um processo de decomposição que começou há muitos séculos, e que minou longamente a Europa, antes de explodir com a suprema violência manifestada em nossos dias. E, na Espanha, mais ainda do que em qualquer outro país, essa ação lentamente solapadora se fez sentir de modo deplorável. Quem conhecesse a Espanha de Carlos V e de Filipe II, a Espanha que somava todas as glórias acumuladas desde o tempo do Cid, a riqueza trazida pelos galeões carregados de ouro proveniente das Índias e o poder das inúmeras coroas acumuladas pela ação paciente e hábil dos Habsburgos, aquela Espanha a quem a fortuna nada tinha tirado do cavalheirismo, da majestade e sobretudo da austeridade do espírito católico, quem a comparasse depois com a Espanha moribunda das invasões napoleônicas, com a Espanha aviltada aos olhos do mundo por uma fermentação anarquista que fez de algumas de suas regiões verdadeiros antros, com a Espanha liberal entregue ao jogo desenfreado da politicagem maçônica, com a Espanha posterior a Alfonso XIII que parecia um imenso vulcão de lodo a ameaçar o mundo inteiro com sua explosão, não teria dificuldade em admitir que, como termo final de uma tão desastrosa decadência, a Espanha se veria em breve a braços com uma crise suprema que, salvo um milagre, marcaria a morte irremediável do país.

Como pareciam precárias as possibilidades de reação! Como parecia inconsistente, atrás de seu aparato católico e aristocrático, mais feito de cerimônias externas do que de realidade, o que, na Espanha do século XX, ainda restava da Espanha do século XV ou XVI!

Dois grandes elementos constituíam a estrutura da Espanha tradicional: a Igreja e o Trono. A debilidade deste se atestara insofismavelmente com sua queda precipitada e incruenta. E a Igreja? Ser-lhe-ia possível, com aquelas velhas irmandades, munidas apenas de balandraus e lanternas de procissão, vencer a hidra comunista, dotada de tentáculos sapientes, de uma perfeita organização técnica e de uma longa preparação para a luta? Humanamente falando, tudo indicava que não.

* * *

Entretanto, o futuro dizia que “sim”. E, mesmo antes da tormenta revolucionária que agora cessou, prouve a Deus fazer filtrar atrás das nuvens que se desfariam em próxima tempestade, o raio de luz que indicaria a ressurreição de hoje. Esse raio de luz foi constituído pelo incremento da Ação Católica e da Ação Popular.

Instrumento providencial de que a Santa Igreja se serve particularmente nos nossos dias para a restauração do Reinado de Cristo, a Ação Católica atuou, nos círculos católicos espanhóis, com um vigor difícil de imaginar. Quis Deus que ela insuflasse vida nova e estuante a muitos dos sarmentos que, naquela vinha do Senhor, estavam quase completamente reduzidos à morte. Aquele que “não veio para quebrar o arbusto já partido, nem extinguir a mecha que ainda fumega”, quis, na sua misericórdia, reacender a mecha fumegante da catolicidade na Espanha, e reunir novamente à vinha os sarmentos partidos.

E, enquanto a propaganda revolucionária se alastrava pela Espanha, também a Ação Católica, sem espalhafatos nem vanglorias, fazia maravilhosos progressos, reintegrando no Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo um povo glorioso que tinha sido, pela propaganda das idéias deletérias, e pelo desânimo de ininterruptos revezes, atirado a uma prostração vizinha da apostasia. A Ação Popular, por seu lado, estimulada por Herrera e Gil Robles, disciplinou, no sentido cívico e eleitoral, essas massas que a Igreja havia reconquistado. E, com o desenvolvimento simultâneo desses dois movimentos - Ação Católica e Ação Popular - a Espanha refazia as forças com as quais haveria de enfrentar e vencer a tormenta que se aproximava.

* * *

Todos se lembram do magnífico vigor da reação anticomunista inicial, quando a guerra civil começava apenas a se alastrar pela Espanha. Foi uma epopeia de heroísmo que assombrou o mundo. E, do lado anticomunista, quase todos os lances heroicos, desde o Alcazar de Toledo até o da mais insignificante das trincheiras, tinha o aspecto de um ato de Fé heroico até o martírio.

Se, do lado nacionalista, o heroísmo se manifestou nitidamente inspirado em motivos de Fé, do lado comunista também se corroborava o caráter essencialmente religioso do conflito, por meio das blasfêmias, dos sacrilégios, dos incêndios e dos diabólicos crimes contra a santidade do estado religioso que atestaram à saciedade que era a luta contra a Igreja o sentido profundo de toda a ofensiva comunista em terras de Espanha.

Manda a verdade histórica que se acrescente que a luta não se conservou na pureza de sua fisionomia primeira. Do lado dos comunistas, nenhuma alteração houve, a não ser a invasão em massa das falanges russas, e a adesão vergonhosa e explicitamente condenada pela Santa Sé, dos nacionalistas bascos aos exércitos de satanás. Satânico no início, o comunismo se conservou inteiramente satânico até o fim. Os ingênuos que se deixaram transviar em suas hostes não lhe serviram de dirimente nem de atenuante. Pelo contrário, serviram apenas para demonstrar o caráter mais típico da ação do príncipe das trevas: a perfídia.

Entretanto - e aí entra uma ressalva dolorosa - se o estandarte rubro de Satã continuou cravado até o fim no território comunista, e se a Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo continuou a ser o símbolo do heroísmo e da Fé da maior parte dos soldados nacionalistas, é certo, é indubitável, é claro até à evidência que, ao lado da Cruz de Cristo, começou a ser alçada nas falanges nacionalistas uma outra cruz, e esta do Anticristo. Ao lado dos heroicos requetés da Navarra, que marchavam em assalto contra as fileiras comunistas cantando hinos a Nossa Senhora, ao lado dos antigos membros da Ação Popular Católica, de monarquistas, de elementos sem maior significação doutrinária etc., havia não apenas milícias italianas, mas as legiões anticristãs dos soldados de Hitler...

Se, portanto, não se podia equiparar todos os comandados de Franco a cruzados de Cristo - um soldado de Hitler só pode ser um cruzado do demônio - é certo que o caráter fundamentalmente católico da reação anticomunista espanhola nada perdeu de sua autenticidade naquela linha de elementos espanhóis. Os alienígenas que se misturaram à luta não são suficientes para tirar ao que fez a Espanha o seu caráter verdadeiro. Não é exato que o exército nacionalista tenha sido um exército de cruzados. É certo, entretanto, que houve cruzados autênticos nesse exército, e que, sem esses cruzados, teria sido impossível a vitória. Realmente, o que seria o exército do General Franco, se nele não figurassem os católicos? Apenas uma meia dúzia de chefetes falangistas, de coloração tipicamente nazista, divorciados das tradições da Espanha católica - e não há outra Espanha - e portanto incapazes de levantar para um movimento eficaz a massa popular.

* * *

É incontestável que muitos atos foram praticados pelas tropas nacionalistas ou pelo General Franco, no ardor da luta, que um católico deve deplorar. Entre eles, figura o lamentabilíssimo acordo cultural hispano-germânico, que é digno de nota pelos vínculos culturais que cria entre o nazismo e a Espanha nacionalista.

Até aqui, entretanto, esses desvios têm tido, se não uma desculpa, ao menos uma explicação. Seria possível a Franco indispor-se com a Alemanha? Seria possível exigir do exército nacionalista, durante o combate, aquela moderação, aquela serenidade que se impunha para com os aliás irritadíssimos e imperdoáveis católicos bascos? Confiando na Providência, sim. Entretanto, o que é exato é que, passando o período da luta, esses motivos desaparecem.

Com as mãos livres, com uma autoridade igual à onipotência, com um prestígio - o interno igual ao do mais poderoso dos monarcas -, Franco pode tudo quanto quer. De sorte que tudo quanto ele fizer, ele o terá querido.

No limiar deste estado novo que se anuncia, devemos pedir ardentemente ao Senhor que coroe tantos sacrifícios, premeie tantos heroísmos, abençoe o sangue de tantos mártires, dando Cristo à Espanha e a Espanha a Cristo.

Nossa prece não pode ser outra, senão a do Papa: que a Espanha retorne novamente com vigor às tradições que tanto a dignificaram.


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