Plinio Corrêa de Oliveira

 

Comentando...
 
Ressurge o teatro católico

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 5 de fevereiro de 1939, N. 334, pag. 2

  Bookmark and Share

 

O teatro nasceu sob o influxo da religião. A velha tragédia grega era a representação dos mistérios da mitologia, e tinha por fim aumentar a piedade do povo. Uma só entre as tragédias não tratou de assunto religioso: “A tomada de Mileto”, de Ésquilo. A multidão ateniense, porém, insurgiu-se e multou o poeta, por haver causado grande comoção recordando recentes episódios históricos.

Através da Idade Média continuou a influência religiosa no teatro, com os célebres “mistérios” cristãos, que eram representados nas igrejas. Portugal conheceu os “autos”, de que também se valeram os missionários do Brasil, adaptando-os à cultura indígena, para obter frutos de apostolado.

Depois da Renascença, ainda apareceram Corneille e Racine, como o lampejo fulgurante de uma luz que se extingue. Depois, mais nada de sério.

Vem-nos, agora, a notícia de que, em Bruxelas, foi representada uma “Natividade”, de autoria de Houdeng-Goegnies, e que obteve o mais franco sucesso. Nesta representação, o Natal foi cuidadosamente levado à cena, acompanhado com os cantos litúrgicos e para-litúrgicos, sendo respeitadas tanto as exigências teológicas, quanto as artísticas. Segundo diz a informação, a obra resultou extremamente simples e profundamente original.

Será interessante notar que, no ano passado, durante a quaresma, a praça fronteira à Notre-Dame, em Paris, foi transformada num grande teatro, em que se representou a Paixão de Cristo, perante o presidente Lebrun, personalidades gradas e grande povo. Serviram de camarotes as sacadas das casas circundantes. 

Representação da Paixão de Nosso Senhor, realizada em Oberammergau (Baviera), a partir do séc. XVII, e interrompida por Hitler para dar lugar às "cafajestices do nacional-socialismo". Acima, cartão de 1860 (wikipedia)

Em contraste, as antigas representações de Oberammergau, que perpetuaram as tradições do drama cristão durante o eclipse do teatro católico, foram suspensas por Hitler para que, no mesmo local, venham a ser representadas as cafajestices nacional-socialistas.

Entretanto, ressurge o teatro católico, e o que mais lucrará com isso, será o próprio teatro. A arte dramática não consiste apenas em mostrar fatos que se sucedem, mas em patentear as profundidades misteriosas da existência humana. É por isso que a “movimentação” é acidental no drama e, pelo contrário, a divisão em atos é-lhe perfeitamente adequada: cada ato é um momento de uma dialética de realidades extra temporais, puramente qualitativas. Por esse lado o teatro é superior ao cinema, que só atinge, por via de regra, os aspectos superficiais, contingentes e quantitativos da vida.

É assim que certa obra notável de Bernstein foi levada para a tela. Pois bem, todo o simbolismo do drama desapareceu, e o que ficou no filme foi um caso reles de infidelidade conjugal, naturalmente mais ao gosto das “massas”. E dizer-se que foram as “massas” de Atenas que multaram Ésquilo por ter produzido uma peça inferior...


Bookmark and Share