Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Comentando...
 
Mocidade e esporte

 

 

 

 

 

 

Legionário, 27 de novembro de 1938, N. 324, pag. 2

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Os vinhos dividem-se em duas grandes classes: os novos e os velhos. O vinho novo é de uma extrema generosidade, toma os sentidos de assalto, inflama, excita o desejo de beber mais, é de um sabor forte e ingênuo. O vinho velho, pelo contrário, é discreto, e deve ser saboreado com discrição; é um néctar suave e delicado, profundamente penetrante, cheio de subtilezas espirituosas e esquisitas (requintadas, n.d.c.), cheio de insinuações finas e leves. Por isso, o vinho velho é o apanágio dos paladares delicados.

Ora, acontecia com o homem coisa semelhante. A comparação é das Escrituras: “Vinum novum, amicus novus: veterascet, et cum suavitate bibes illud” (Eccle. 9, 15). A frase é profunda e prenhe de significações. Para o caso que ora interessa, pode ser traduzida livremente assim: o homem jovem é como vinho novo; deixai-o envelhecer, e saboreá-lo-ás com suavidade.

A juventude, no ímpeto empós da madureza, do perfeito desenvolvimento, é ardente, generosa, brilhante, mas, por isso mesmo, agitada interiormente; é um estado de fusão, em que vários elementos se acham baralhados. Porém, passado algum tempo, atingido o pleno desenvolvimento das faculdades, tudo se esclarece, tudo se define, tudo se equilibra; e o que se perdeu em vivacidade, ganha-se em força, em profundidade, em poder de criação.

Para bem apreciar o valor destas qualidades é necessário um apurado sentido humano, assim como é preciso um paladar delicado para bem saborear o vinho velho. Ora, é justamente o que está escasseando nos tempos que correm. Prova-o abundantemente um extenso artigo publicado na secção de esportes de um jornal de certa repercussão da imprensa paulistana. A tese do articulista é a seguinte: antigamente, as mulheres, depois dos 30 anos, e os homens, depois dos 40, já se consideravam velhos, em consequência do grande número de filhos, que já possuíam, e que os obrigava a compenetrar-se de seus deveres verdadeiramente patriarcais. Muito especialmente as mulheres arruinavam rapidamente a saúde por causa dos sucessivos filhos. Hoje, porém, “felizmente” começou a diminuir o número das famílias de muitos filhos. Por outro lado, os pais já não se julgam obrigados a sacrificar-se inteiramente pela sua prole, de modo que “a alegria de viver” já não é apenas “permitida à extrema mocidade”.

Passando por alto numerosas inexatidões e incoerências, verifica-se que a medula desse artigo não foge ao leitmotiv da mentalidade tipicamente “moderna”.

Quem escreve este “Comentando” aprecia o esporte, e gosta de praticá-lo. Por isso mesmo pode falar por experiência própria: há, hoje em dia, um certo espírito esportivo, um certo modo de conceber o esporte inteiramente animal. Este espírito leva ao abrutalhamento mais ou menos geral de todas as relações humanas, leva a um modo despudorado de tornar público as coisas mais íntimas, que, por sua natureza, deveriam ser tratadas com a maior delicadeza, mas que são consideradas “esportivamente” como simples funções animais.

Evidentemente, o fenômeno não apresenta sempre esta feição crítica. Percebe-se, porém, que o ambiente está infeccionado por este modo de pensar. Não é de estranhar, portanto, que já não se saiba compreender a profunda felicidade íntima da família patriarcal, felicidade resultante da aceitação corajosa da vida e de suas responsabilidades, felicidade que é, pois, fruto da virtude, felicidade feita de calma e de paz e da fruição do mistério inefável do amor familiar.

O mundo moderno, porém, não compreende nada disso, porque pôs a sua felicidade fora de si mesmo, no movimento físico, “esportivo”. O mundo moderno vive de exterioridade; gosta de parecer ingênuo, e é, no fundo, canalha. Quer ser jovem, mas é gasto, azedo, neurastênico.

A personalidade humana é como vinho precioso, que precisa de ser guardado com cuidado, sem agitações, para depurar-se e valorizar-se com o tempo. Do contrário, se ficar exposto ao ar livre, torna-se vinagre. 

Nota: Para aprofundar este assunto, vide o artigo “Pró ou contra o moderno: questão de palavras ou de princípios? (Catolicismo, Nº 39 - Março de 1954).