Plinio Corrêa de Oliveira

 

Vargas e Bonaparte

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 30 de outubro de 1938, N. 320

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Napoleão Bonaparte achava - e a História ratifica sua opinião - que um dos fatores preponderantes do fracasso da epopéia imperial foi a inépcia dos homens que o rodeavam. A penúria de valores humanos era geral em torno do Imperador dos franceses. Seus parentes, a quem a História francesa designa com a expressão genérica e depreciativa de “napolionides”, outra coisa não eram senão aproveitadores vulgares que queriam desempenhar na Europa, abrigados sob a imensa sombra do irmão, um papel para o qual lhes faltavam todas as qualidades. Seus principais generais, e até Ney, “O bravo dos bravos”, eram bons cabos de guerra, capazes de trabalhar com eficiência sob as ordens do Chefe, mas incapazes, quando entregues a si próprios, do menor triunfo estratégico. Nenhum deles tinha a chama de um Condé, de um Malborough ou de um Príncipe Eugênio (de Savoia). Quanto aos estadistas, a penúria não era menor.

A Napoleão lhe faltaram, de todo em todo, diplomatas e estadistas autênticos. No meio desta coleção de nulidades, só duas figuras se destacavam: Talleyrand e Fouché. Mas estes dois grandes intrigantes - talvez os maiores e mais pérfidos urdidores políticos do seu século - Napoleão não os soube ligar ao destino, nem pelo interesse nem pelo afeto. Napoleão caiu porque nunca teve colaboradores.

  *

Veio-nos tudo isto a mente a propósito do Sr. Getúlio Vargas, ao qual nem os melhores amigos podem atribuir as qualidades militares de Napoleão, mas ao qual, em compensação, nem os mais empedernidos inimigos podem negar uma estratégia tão invencível quanto a do Corso, quando o combate é não de campo raso entre exércitos aguerridos e garbosos, mas de duelo pertinaz e subtil, no terreno traiçoeiro da politicagem, escorregadio para todos os pés, exceto para o passo de fada do Presidente da República.

Incontestavelmente, na luta livre e romana, dentro da liça elástica  e cheia de alçapões, que é a política brasileira, ninguém tivemos ainda que possuísse a napoleonicidade política do Sr. Getúlio Vargas. Para ele não tem havido Waterloos. Ulm, Yena, Marengo são para ele historietas insignificantes. Napoleão derrotava seus adversários fazendo-os recuar diante de seu exército agressor. Getúlio Vargas é mais completo, mais sublime, mais absolutamente total na arte de destruição. Ele não faz recuar ninguém. Como um mágico, abraça... e elimina. Ora, positivamente eliminar é muito mais do que fazer recuar. Quem recua, vive. Quem é eliminado desaparece.

Se é assim o Sr. Getúlio Vargas, e se não lhe tem faltado - até nisto é superior a Napoleão - cooperadores dignos de figurarem à sua sombra como fundo de quadro, é certo que muitos de seus partidários são decididamente de uma inabilidade que causa pranto. E se não fosse a perícia do Sr. Getúlio Vargas, que faz das mais terríveis derrotas as suas mais assinaladas vitórias, e sabe sair dos mais perigosos eclipses iluminado com os esplendores de um sorriso cada vez mais fino e mais largo, francamente, somos de opinião que estes partidários já teriam esmagado o Sr. Getúlio Vargas.

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Vamos aos exemplos. E vejamos até que ponto a inépcia de alguns aliados vai criar para o Presidente uma situação difícil.

Sabe todo o mundo que o Brasil é católico, e que qualquer golpe desferido contra a Igreja teria o condão de colocar contra o agressor, em fileira cerrada e unânime, toda a população do país. A despeito disto, toda uma “clique” de jornalistas e politiqueiros que se dizem amigos do Sr. Getúlio Vargas está empreendendo uma forte campanha para persuadir o povo de que o Presidente vai iniciar uma perseguição religiosa. No Rio, por exemplo, o “Globo” iniciou um inquérito espalhafatoso para provar as excelências do divórcio. Em São Paulo, também se mobilizaram várias nulidades para reclamar a introdução do divórcio a vínculo. Por toda a parte, fervem os boatos mais desencontrados. E há quem afirme que até o ensino religioso e as Ordens religiosas estrangeiras não ficarão incólumes da sanha destes reformadores.

Ora, atentar contra qualquer destas três coisas - e imagine-se que se deseja que o golpe atinja todas as três - seria indispor inevitavelmente contra o autor de tais leis todo o Brasil. Seria sair voluntariamente da comunidade afetiva e sentimental do povo brasileiro, para fazer rancho à parte, em outro setor, em outro plano, ou melhor em outro “front”, ao lado de uma pífia companhia.

Realmente, imagine-se o Sr. Getúlio Vargas enfrentando o Brasil inteiro, acompanhado apenas por uma pequena comitiva de esposas iracundas e mal casadas, de maridos mal acomodados no seu próprio lar e profissionais na destruição dos lares alheios, de antigos fósseis da Aliança Libertadora e de meia dúzia de liberalões do “ancien regime”. Que vergonha! Que humilhação! o homem que já flirtou os mais elegantes e sedutores espécimes de nossa política, que recebeu os sorrisos felinos e “blasés do Sr. João Alberto, as declarações líricas e arrebatadas do Tte. Juarez Tavora, os ditirambos sociológicos ambíguos mas tão incondicionalmente amorosos do Sr. Góes Monteiro, o homem que ainda se lembra do olhar enigmático do Sr. Plinio Salgado, do aperto macio da aveludada e perfumada mão do Sr. Armando Salles, e em cujos ouvidos ainda canta a melodia quente e escancarada dos elogios sem reservas do Sr. José Américo, este homem aparece diante do Brasil inteiro, em atitude de desafio, tendo ao seu lado a mais deplorável, a mais magra, a mais indigente “troupe” do circo político nacional!

Imaginem a  estranha procissão. Abre a marcha a Salvation Army, com a charanga desafinada com que afugenta as multidões em praça pública. Em seguida, meia dúzia de médiuns espíritas, em transe, comunicação diretamente ligada com o além, profetizam a queda da Igreja e receitam remédios para calo e para pelada. Logo atrás, vem o Sr. Couto Eschier, ligeiramente contrariado  porque os médiuns não profetizam que é o voto secreto que vai salvar o Brasil. Ao seu lado, o Sr. Maurício de Medeiros, que está pensativo, prepara laboriosamente e infrutiferamente uma piada para seus tópicos da “Gazeta”. Depois, alguma liga feminista-divorcista. Seus membros esqueceram o estandarte na sede, e os moleques, pensando que são homens fantasiados de mulher, ameaçam promover com sua hilaridade uma séria agitação. Fechando o cortejo, quem? O mais guapo, o mais ágil, o mais ilustre dos atletas e trapezistas da política do Brasil, aquele Getúlio entre todos eminente e feliz, cujos saltos macios causam inveja às próprias aves, e que desarma na arena, com o hipnotismo de seu sorriso, cobras e leões, hienas e raposas, com a displicência com que um de nós subjugaria um “lulu” da pomerania grão duble zero!

Positivamente, recuso-me a acreditar. Não posso, não quero, não devo crer, que o grã-fino mais alinhado da alta politicagem possa aviltar-se na  companhia de comparsas tão sem lustre. Para mim, há nisto qualquer grande surpresa que aos mortais não é dado antever.

  *

Mas à força de observar o Sr. Getúlio, fica-se às vezes meio getulisado. Andam caluniando o Presidente, chamando-o de tudo quanto é nome feio, isto é, de anti-clerical, de petroleiro, de maçom, sei lá de que! Por que não manda ele prender os aliados ineptos que predizem para ele uma tão feia derrota?

Prender! Que inépcia! O Sr. Getúlio Vargas, se for hábil, deixará que eles digam. E, depois, no plano qüinqüenal aparecerá ornado com as rosas das reivindicações católicas que a pressa – ou o demônio – “bifou” na Constituição de 37. Não tirará ao Brasil católico nem sequer um fio de cabelo, e responderá a seus amigos ineptos (ou habilíssimos inimigos), dirigindo aos católicos seu mais escancarado e tépido sorriso.

Porque o que não for isto será inépcia, e inépcia daquelas que arrasam tudo. Segundo diz a história, não foi só a incompetência dos amigos de Napoleão, que causou sua queda. Foi também e principalmente a estultice com que o Corso se atirou contra a Igreja. Juliano o Apóstata, os Césares do Império Romano Alemão, Pombal, Bismarck, e muitos outros, também caíram assim. Quando se ataca a Igreja, só há dois caminhos: o de Canossa, ou o do fracasso. A Igreja não faz atentados nem revoluções, mas “é uma bigorna que tem desgastado muitos martelos”.

Quem não quer seguir um ou outro, terá que se abster de atacar.

Nota: Os negritos são deste site.


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