Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Dirigentes

 

 

 

 

 

Legionário, 31 de julho de 1938, N. 307

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Cumpramos hoje a promessa feita há 15 dias [cfr. artigo “Ressalva Preliminar”] de dizer algo sobre o movimento católico em São Paulo. No último número, quisemos dedicar o artigo de fundo a um assunto de atualidade que exigia um comentário positivo. Hoje, cuidaremos do movimento católico.

Evidentemente, o primeiro assunto que nos deve ocupar é a constituição das diretorias das associações católicas. A diretoria é o cerne da associação. Bem constituída, ela fará florescersodalício. Mal constituída, ela abafará consciente ou inconscientemente todos os germens de vitalidade que aparecerem, e, inevitavelmente, conterá o surto das associações de vida interior vigorosa, e fará definhar as que tiverem seiva fraca.

Diria Monsieur de la Palisse [personagem utilizado na literatura francesa, familiar no Brasil de então, que falava coisas óbvias, n.d.c.] que a primeira qualidade que se deve exigir de um Presidente de associação religiosa e de seus companheiros de diretoria é uma compreensão larga, clara e positiva de seus deveres. Ora, se é verdade que, em geral, os dirigentes de nossos sodalícios são de uma comprovada dedicação aos seus deveres, força é confessar que a compreensão “larga, clara e positiva” é muito menos freqüente do que exigiriam os interesses supremos da causa católica.

 

Um dirigente que ocupa um cargo que não pode, não sabe ou não quer exercer, rouba sua associação. E este roubo é especialmente grave porque consiste na subtração de bens imperecíveis e eternos, que o dirigente, ao aceitar o cargo, se obrigou implicitamente a proporcionar aos associados.

 

Principalmente, há três noções que existem apenas de modo muito confuso, entre certos dirigentes de associação:

I - O movimento católico é uma “ação” e não uma “inação”. O que lhe é próprio é, portanto, o dinamismo, a expansão, o desenvolvimento. As atenções das diretorias não se deverão voltar, portanto, apenas para as questões administrativas internas, mas também para a expansão da associação;

II - Cada associação católica tem um fim que lhe é próprio, que ela deve realizar de acordo com os processos que lhe são próprios, sem procurar absorver as finalidades de outras associações, e, por outro lado, cooperando com estas associações para que também elas preencham os seus fins;

III - O movimento católico tem, antes de tudo, a função de formar almas dando-lhes um cunho de profunda catolicidade. Ainda mesmo as associações de aparência meramente beneficente tem esta função primordial e obrigatória. E, essencialmente, o mérito de uma diretoria deve ser medido pelo zelo que desdobra em assegurar essa formação aos seus associados.

Infelizmente, como dizíamos, estas noções nem sempre são bem nítidas no espírito de todos os dirigentes de associações católicas. No entanto, ninguém deveria ser escolhido como dirigente sem ter a certeza de que está profundamente compenetrado de todas e de cada uma destas verdades.

A primeira das vantagens que a divulgação sistemática, metódica, insistente de tais verdades proporcionaria seria a eliminação dos figurões inúteis. Compreender-se-ia que a direção de uma associação religiosa não tem caráter honorifico, mas essencialmente miliciano.

Dirigir não é exibir-se, mas servir. Quem ocupa um cargo de direção e não tem tempo, dedicação ou aptidão para servir, rouba a associação. Rouba-a porque abusa de sua confiança. Rouba-a porque a frusta do desenvolvimento a que teria direito. Rouba-a, enfim, porque se apropria das discutíveis honrarias que os cargos de direção conferem, sem prestar em troca disto os serviços que seriam necessários.

Dizendo que eles roubam a associação, empregamos uma expressão por demais fraca. Digamos a verdade inteira: eles roubam as almas. Roubam-nas porque a associação por culpa deles não atingirá as almas alheias ao seu seio, que jazem às vezes nas trevas à espera da Verdade. Roubam-nas porque não dão aos próprios associados os bens espirituais que a diretoria lhes deve. E, roubando-as, privam-nas de bens infinitamente mais preciosos do que o dinheiro, pois que são bens eternos que proporcionam ao homem o maior dos tesouros, que é a amizade de Deus.

*  *  *

Não é verdade, e bem verdade, que se isto fosse sempre compreendido com clareza, os pobres sacerdotes que dirigem associações religiosas não se veriam tão freqüentemente em apuros para afastar da direção certos figurões mais ou menos rançosos e inúteis, que se julgam com direito a todos os balandraus e às opas mais bordadas e mais floridas, porque fazem à Igreja Católica a “honra” de se dizer seus filhos?

Se o critério para a eleição dos membros de associação religiosa fosse sempre este nas assembléias dos associados, não é exato que, em São Paulo, o movimento católico teria o dobro do que atualmente tem em intensidade, extensão e brilho?

No entanto, como se passam as coisas de modo diverso em certas associações! Tem elas um núcleo de “beneméritos”. São membros antigos que terão (ou não terão) prestado em outros tempos serviços consideráveis. Por uma razão ou outra, aposentaram-se no serviço de Deus. Já não trabalham. Já não podem trabalhar. E já não sabem trabalhar, porque já não conhecem a época, o meio e o ambiente no qual devem agir.

No entanto, é entre esses “beneméritos”, e só entre eles, que se distribuem todas as responsabilidades. Por ocasião das renovações das diretorias, é sempre o mesmo grupo. O presidente passa a vice, e o vice sobe a presidente. O tesoureiro passa a secretário, e o secretário passa a tesoureiro. Membro novo, nenhum. A diretoria só é nova porque seus membros trocaram de fitões.

Na primeira reunião da “nova” diretoria, um dos membros propõe um voto de louvor à diretoria anterior. O voto é aceito por unanimidade. Convocam-se os associados para uma reunião geral. Dos 100 ou 150 sócios, comparecem 20 ou 30. Lê-se um relatório massudo, que ninguém escuta. O relatório é aprovado. O “déficit” da caixa é eliminado por algum ricaço que tem a bondade de ser amigo do primo do tesoureiro ou do presidente, e que, quando muito instado, abre às vezes um pouco a bolsa.

Depois, tudo continua como dantes, e a poeira continua a se sedimentar sobre os bancos da sala de reuniões, até a sessão geral do ano que vem. Os papéis vão se tornando amarelos. Os dirigentes vão se tornando enrugados. Tudo fenece.

E isto é vida? Isto é movimento? Isto é ação?

 


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