Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Ressalva preliminar

 

 

 

 

 

Legionário, 17 de julho de 1938, N. 305, 1a. página

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Houve leitores que julgaram conveniente que não déssemos por definitivamente interrompida com o artigo sobre “medalhões” a série de observações que, sobre o movimento católico em São Paulo, escrevemos há pouco tempo.

Resolvemos, pois, retomar o assunto. Antes de fazê-lo, porém, torna-se necessário um esclarecimento que se dirige aos leitores - infelizmente não são poucos - que tem os nervos à flor da pele para tudo que se relaciona com questiúnculas de amor-próprio regionalista, individualista, ou “associativista.

É preciso que se entenda que o “Legionário” não vai traçar um panorama geral da vida religiosa de São Paulo. A descrição de um panorama, para ser boa, deve abranger todos os aspectos da região analisada. Assim, pois, seria uma injustiça flagrante para com os católicos de São Paulo e, mais do que isto, uma ingratidão para com a Divina Providência, deixar-se de colocar no quadro, bem na primeira plana, tudo quanto de belo e até mesmo de admirável se faz em São Paulo pela causa da Igreja.

 

Desde os primórdios de nossa História, São Paulo nunca contou com um tão numeroso, tão aguerrido e tão disciplinado escol católico quanto hoje. Negá-lo seria a maior ingratidão para com a Providência.

 

O mais recente anuário da Arquidiocese de São Paulo registra 130.000 pessoas inscritas em nossas associações religiosas. Trata-se de uma estatística feita com cuidado, e cujo único defeito está talvez em ter sido baseada em dados insuficientes, pois que mais de uma associação religiosa não enviou informações completas. A realidade, portanto, excede a cifra magnífica que mencionamos. Verdade é que há muitas pessoas inscritas em mais de uma associação, e que talvez tenham sido contadas 2 ou 3 vezes na estatística. Graças a Deus, porém, as famosas pessoas que eram um cabide de opas e fitões, ao mesmo tempo Terceiros do Carmo e de São Francisco, membros das Irmandades da Boa Morte e do SSmo. Sacramento, e, além do mais, Marianos e Vicentinos, já se vão tornando raras. Tais pessoas poderiam ser - talvez - ótima gente. Sem embargo disto, porém, eram péssimos Terciários, péssimos irmãos da Boa Morte e do SSmo. Sacramento, péssimos Congregados e péssimos Vicentinos. Ninguém, exceto certos Santos, tem o dom da ubiqüidade, isto é o poder maravilhoso de estar simultaneamente presente em lugares diversos. Logo, um indivíduo qualquer não pode, aos Domingos, estar ao mesmo tempo presente às Missas celebradas pelas Associações múltiplas a que pertence. Implicitamente, deixa de satisfazer seus deveres e viola os compromissos assumidos. Como dissemos, só a certos Santos deu Deus o dom da ubiqüidade. E não nos consta que tais Santos se tenham servido desses dons para estarem presentes, simultaneamente, em diversas associações nas quais se houvessem inscrito por leviandade, assumindo deveres incompatíveis com outras obrigações já anteriormente assumidas.

Mas voltemos ao caso. Tal gente, como dissemos, é rara. A bem dizer, já não existem pessoas que levem a miopia a ponto de pertencer a mais de duas associações religiosas. E mesmo as que pertencem a duas são relativamente raras, porque só há neste terreno uma dualidade admissível: é a de quem acumula a qualidade de Confrade Vicentino com a de Congregado, Terceiro ou membro de  qualquer outra associação ou Irmandade. Em todo o caso, para efeito de argumentação, concedemos que haja 30.000 pessoas nestas condições. Os membros de nossas associações religiosas serão, então, 100.000. Descontemos ainda deste número os que não são militantes por qualquer razão (doença, obrigações domésticas e... preguiça) e teremos, no mínimo, 60.000 pessoas militando efetivamente na vida das associações religiosas. Isto, como dissemos, só na Arquidiocese de São Paulo, isto é, no território de jurisdição imediata do Ex.mo Rev.mo Sr. Arcebispo, excluídas portanto as demais Dioceses do Estado.

Nesta imensa falange, é positivo que se nota uma florescência religiosa das mais promissoras. Penso, mesmo, que desde os primórdios de nossa História, São Paulo nunca contou com um tão numeroso, tão disciplinado, e tão aguerrido escol católico. Quem, como eu, milita há já 10 anos no apostolado tem tido inúmeras oportunidades de se extasiar - não vai nesta palavra o menor exagero - diante de manifestações de desprendimento, de abnegação, de puro amor à Santa Igreja, de inquebrantável disciplina às Autoridades Eclesiásticas, que mais de uma vez tenho tido a fortuna de observar. E sabem todos quanto me conhecem de perto que não tenho uma estrutura mental que me faça confiar com excessiva facilidade, e aceitar sem prévio exame a autenticidade de certas manifestações de piedade, que facilmente podem embair a outros.

É mesmo tão grande meu entusiasmo e minha satisfação pelo que me tem sido dado observar, que freqüentemente discuto com amigos e companheiros de luta, que me taxam de otimista e de ingênuo neste particular, e que especialmente lhes chama a atenção porque, em matéria política e em outros assuntos, minha orientação, segundo eles, é inteiramente outra.

 

Não falta quem nos prodigalize elogios cuja sinceridade se trai às vezes pelo exagero. O que nos falta, porém, é quem denuncie com afetuosa coragem nossas lacunas. É o que o “Legionário” procurará fazer.

 

Traçando um  panorama da vida religiosa de São Paulo, eu teria que retratar todas estas culminâncias, reproduzir todas estas luzes, espelhar todos estes esplendores. Mas meu intuito não é este. De propósito, não elogiei ninguém neste artigo, nem elogiarei. Quem faz apostolado não quer como coroa, ou ao menos não deve querer, o elogio de um jornalista. É uma coroa por demais obscura e perecível, para que possa ser ambicionada. A única coroa do verdadeiro apóstolo está no Reino dos Céus, e só Jesus Cristo Senhor Nosso será sua recompensa.  E qualquer recompensa que não for esta deve, pelo apóstolo, ser olhado como o prato de lentilhas que custou a Esaú o direito de primogenitura. Com a graça de Deus, não quero dar a quem quer que seja este prato de lentilhas, tanto mais que é um prato pequeno, e de lentilhas bem aguadas. Só compreendo que se elogie uma obra religiosa pela imprensa quando se quer concentrar sobre ela os benefícios dos leitores e sua simpatia eficaz e cooperante, ou quando se quer edificar o próximo com a descrição da obra. Ora nenhuma destas coisas vem ao caso no momento. Calar-me-ei, pois.

Em matéria de elogio, tem especial aplicação o famoso provérbio “calar é ouro, falar é prata”. O mesmo já não se dá em matéria de crítica.

Em geral, as verdades mais úteis são as que indicam lacunas a preencher. As outras, não falta quem as diga, e até quem as exagere. Deixo aos outros, portanto, a missão agradável de adocicar com açúcar e estimular com elogios a atividade apostólica. Para mim reservo a tarefa mais árdua, porém não menos meritória, de condimentar, uma ou outra vez, com a pimenta da franqueza, algumas observações que me parecem oportunas.

Começarei a fazê-lo no próximo número. É possível que muita gente se desagrade. Mais do que possível, é natural. Pimenta arde...

 


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