Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

A conjuração dos Césares e do sinédrio

 

 

 

 

 

Legionário, 20 de março de 1938, N. 288, págs. 1 e 3

  Bookmark and Share

O dramático desaparecimento, do mapa europeu, da Áustria católica, esmagada com criminosa brutalidade pelo tacão da bota nazista, torna oportuno um retrospecto político que fazemos com a alma indignada e o coração em sangue.

Mais do que qualquer argumentação, este retrospecto provará a solidariedade com que os Césares totalitários e os sinédrios liberais trabalham para crucificar mais uma vez o Salvador, representado hoje pela Santa Igreja.

O quanto o retrato acima nos apresenta a figura do Chanceler austríaco Schuschnigg, revelam a sua fisionomia moral as palavras imorredouras que pronunciou ao ser despojado do poder: “O dia de hoje nos colocou diante de uma situação grave e decisiva. Estou incumbido de dar a conhecer ao povo austríaco os acontecimentos. O governo alemão enviou um ultimatum ao presidente federal austríaco, emprazando-o a nomear, para o posto de chanceler, um candidato seu e a formar o novo gabinete de conformidade com as propostas do governo do Reich. Se essas exigências não fossem satisfeitas, as tropas alemãs entrariam no território da Áustria, logo que expirasse o prazo do ultimatum. – O presidente federal nomeou para o comando supremo do exército o general de infantaria Schilhawski. A este caberá transmitir às tropas as instruções ulteriores. Quanto a mim, despeço-me do povo austríaco com uma palavra alemã e com os votos que transbordam do meu coração: “Deus proteja a Áustria”. – Na estação central da emissora de Viena, a essa hora repleta de assistentes, a breve declaração foi ouvida com emoção indescritível. Muitas pessoas choravam e quando o chanceler terminou, um grito irrompeu do auditório: “Heil Schuschnigg!”

*     *     *

I – Reconhecendo ser desesperadora a situação das tropas alemãs, o Imperador Guilherme II cede às tentadoras promessas das potências ocultas, e faz transportar Lenine secretamente da Suíça, em que se encontrava, à Rússia. O transporte é feito em carro de aço fechado, para evitar a disseminação do vírus comunista na Alemanha.

A revolução desejada explode na Rússia, e os comunistas recompensam Guilherme II, assinando a paz de Brest-Litovsky, vantajosa para a Alemanha.

Mas Deus tem a sua hora. Para Guilherme II, a hora de Deus não tardou.

Na última fase da grande guerra, um pavoroso cataclismo ensanguenta a Rússia. Feita a paz, esperava-se que as potências interviessem na Rússia.

II – A Inglaterra e a França contemplam com indiferentismo a vitória comunista na Rússia e, além de protestos platônicos, não tem um gesto de defesa contra as populações cristãs perseguidas, restaurando no trono a Família Imperial, cujo chefe morrera miseravelmente assassinado.

Cristã, a monarquia inglesa traiu a causa de Cristo e o princípio monárquico.

Cristã também ela, a burguesia que dirigia a França, traiu a causa de Cristo e o princípio da propriedade individual.

É que não tinham tempo de pensar em Cristo e em sua civilização. Ali estavam, para serem esquartejados, os restos ainda palpitantes dos Impérios vencidos.

Era preciso colher os frutos da vitória. Quanto a Cristo, que esperasse e se arranjasse como pudesse. E, com isto, 155.000.000 de almas foram expostas sem defesa à propaganda ateia e à perseguição religiosa.

Mas Deus tem sua hora. E para a Inglaterra e a França, a hora de Deus não tardou.

III – O vírus comunista se alastrou da Rússia à Alemanha e à Áustria-Hungria. Guilherme II vê, com pesar, que o fogo por ele ateado na casa do vizinho, passou agora para a sua própria casa e para a de seus aliados.

A orgulhosa monarquia de Bismarck cai, e com ela cai o Kaiser.

A França, a Inglaterra e os Estados Unidos vêm com secreto prazer que o socialismo se alastra pela Europa central, porque concorre para debilitar e desmoralizar os vencidos.

Quanto a Cristo, que se arranje.

E a Igreja? Não é Ela insubmersível? Por que escolher entre o mar e os tubarões? Não seria melhor ficar tão somente com a Igreja, que nenhum vagalhão pode pôr a pique?

IV – No Tratado de Versailles, a Alemanha é diminuída territorial e moralmente. A supressão das colônias alemãs e o peso insuportável das indenizações de guerra esmagam o povo alemão. Com isto, o descontentamento e o socialismo crescem.

A Santa Sé pede clemência para o vencido, mas os poderes ocultos sorriem na sombra: o grande vencido não é a Alemanha, mas Cristo, contra o qual se desencadeia, na Rússia e na Europa central, a sanha comunista.

V – Mais perseguida do que a Alemanha é a Áustria. Aquela apresenta, aos olhos dos poderes ocultos, a preciosa atenuante de ter uma maioria protestante. Enquanto esta é ré do inexpiável crime de ser católica.

A desigualdade do tratamento dos Aliados para com a Alemanha e a Áustria é flagrante.

A Alemanha é humilhada e diminuída, mas subsiste. O Império austro-húngaro é esquartejado, e dele só resta a Áustria germânica, que dificilmente subsiste por si mesma.

A hora de Deus começa a chegar para os Aliados: eles prepararam com suas próprias mãos o Anschluss.

Enquanto Guilherme II, acusado pelos próprios Aliados de ser o culpado pela guerra, vive regiamente em Doorn, o Imperador Carlos da Áustria morre tuberculoso na ilha da Madeira, pobre como Jó mas, como este, admiravelmente resignado.

Nenhum soberano do mundo ousa vir em seu auxílio. Abandonado de todos, o último Imperador da Casa d´Áustria morre como um paria. Só a Igreja lhe conforta a agonia.Subido ao trono no fim da guerra, não pode ser responsabilizado pelo conflito mundial. Seu único crime é de ser católico. Mas a hora de Deus chegará.

VI – Deus, porém, é misericordioso, e, antes de punir, adverte com carinho de Pai.

Por isto, suscita na Europa central uma viva reação anticomunista em que os católicos têm papel preponderante. Com Bruening na Alemanha, Seipel e Dollfuss na Áustria, é o elemento católico que governa a Europa central.

Esses governos honestos e respeitáveis pedem, com moderação, a revisão dos iníquos Tratados de Versailles, Trianon e Saint Germain, apoiados pela Hungria, onde Horthy, com o auxílio dos católicos, esmagou o comunista (...) Bela Kun.

Os pedidos são moderados. O que os vencidos reclamam é tão somente o direito de respirar.

Mas a Liga das Nações não dá ouvidos a estas justas reclamações. Na Áustria extenuada, nasce então o desejo da fusão com a Alemanha.

VII – A diplomacia pontifícia intercede novamente pelos vencidos, acentuando que os vencedores, sem prejuízo das justas indenizações a que tem direito, devem observar a lei da caridade imposta por Cristo.

Mas a Liga das Nações não dá ouvidos à diplomacia pontifícia.

Nascida do cérebro idealista e impolítico do Presidente Wilson, a Liga tem por escopo a realização da paz universal, sublime ideal cristão que nasceu com a pregação do Evangelho e que, como este, é imortal.

Mas Wilson quis realizar a obra de Deus sem o auxílio de Deus e com desprezo da Santa Igreja Católica por Ele instituída. A Liga é leiga. Ideologicamente, baseia-se em uma filosofia vã e falsa, e loucamente, põe de lado o Evangelho, único apoio durável da paz entre os povos.

Quanto ao Papa, a Liga não o admite em seu seio, sob o pretexto de que nega a soberania da Santa Sé.

Mas Deus tem a sua hora...

VIII – Exacerbados pela miséria e pela injustiça de que são vítimas, envenenados há mais de um século por princípios filosóficos que prezam um nacionalismo delirante, contaminados há quatro séculos pela gangrena protestante, os alemães voltam-se em massa para um partido que começa a se formar e que pleiteia a destruição completa e violenta do Tratado de Versailles. Os erros filosóficos, políticos e morais da ideologia desse partido são tão graves quanto os do comunismo. Potências secretas favorecem na sombra o desenvolvimento desse surto pagão. E o hitlerismo vai progredindo...

Contra esse perigo que ameaça a Europa, o Mundo e a própria civilização, Bruening, o deputado católico que está na chefia do governo alemão, luta só.

Os aliados poderiam consolidar o prestígio de Bruening na Alemanha, concedendo-lhe uma justa revisão do Tratado de Versailles. Com isto, evitariam talvez o hitlerismo.

Mas a Inglaterra tem uma ganância sem limites, e o jacobinismo francês é cego. As concessões pleiteadas pelos governos Bruening e Seipel não se fazem, e Hitler ganha terreno.

Um Judas – von Papen, o traidor dos católicos alemães - faz subir ao poder o Sr. Adolph Hitler.

A hora de Deus está chegando para a França e a Inglaterra...

IX – O que a França e a Inglaterra tinham recusado à Religião, ao Direito e à razão, concedem-no, agora, aterrorizadas, à força. Cada dia marca um avanço da Alemanha. O Tratado de Versailles está profundamente violado nas suas cláusulas mais substanciais. Aliada à Itália, a Alemanha reduz a farrapos a Liga das Nações, instrumento da hegemonia inglesa no mundo. A Inglaterra decai a olhos vistos, e a França treme de terror.

E, enquanto a Liga das Nações desaparece no abismo, a Santa Sé obtém fulgurantes triunfos diplomáticos. Reconhecida pelo governo italiano a soberania do Vaticano, a Liga das Nações pede ao Papa que inscreva seu Estado entre os que fazem parte da instituição genebrina fundada por Wilson.

Agora, é o Papa que recusa. Para a Liga das Nações, a hora de Deus chegou...

X – A atenção do mundo inteiro se volta para dois homens que parecem concentrar em si as esperanças de um porvir melhor: Mussolini e Hitler.

Desenvolvendo uma política de reação contra o liberalismo dissolvente, promovendo a realização de um magnífico programa de reerguimento administrativo, falando com vigor uma linguagem diplomática viril e corajosa, de que os políticos liberais decrépitos já não são capazes, eles empolgam o mundo.

Mussolini em 1929, Hitler em 1933, assinam com a Santa Sé excelentes concordatas.

Tanto na Itália como na Alemanha, os católicos se dispõem a colaborar lealmente com o novo regime.

XI – Mas há pontos negros no esplendor deste quadro. Ocultas manobras de bastidores, transformadas gradualmente em atitudes positivas e até arrogantes, inauguram na Alemanha uma perseguição religiosa feroz, que viola aberta e descaradamente a concordata de 1933.

Aos poucos, a tremenda realidade se patenteia: Hitler não é o restaurador da civilização, mas um de seus mais poderosos demolidores. Na realidade, começa a averiguar-se que foi o paganismo que conquistou a Alemanha no dia em que ela se curvou ao jugo de Hitler.

Como escarnio para a inteligência humana, começam a ser novamente adorados na Alemanha os mesmíssimos deuses pagãos que o Cristianismo destronara há perto de dois mil anos! Em plena Europa, no coração da Alemanha, neste século dito das luzes, adoram-se deuses falsos como em pleno sertão africano!

XII – Além de romper a palavra empenhada com a Santa Sé, Hitler desmoraliza a política internacional, reduzindo a nada o valor dos tratados e da honra.

Horrorizados com o que presenciam, os católicos austríacos se transformam em inimigos decididos do “Anschluss”, e contam com o apoio da Itália, da França e da Inglaterra. Mussolini se arvora em defensor da Áustria católica contra o paganismo.

À testa do governo (austríaco), Dollfuss, chefe político dos católicos, esmaga uma tremenda revolução comunista em Viena, e todos os surtos nazistas que ali se pronunciam.

Hitler, porém, para quem a moral é uma palavra vã, desenvolve uma conduta diplomática tal que nazistas alemães e austríacos assassinam barbaramente Dollfuss, e são depois visivelmente aprovados pelo nazismo.

Mussolini, o grande paladino da Áustria, a França, a Inglaterra, engolem a afronta sem qualquer atitude eficiente de protesto...

XIII – Em 1938, consolidado o eixo Roma-Berlin, Hitler começa a exigir imperiosamente a anexação da Áustria à Alemanha. A Itália manifesta discretamente seu agrado. As chancelarias inglesa e francesa franzem a testa.

Schuschnigg, o imortal sucessor de Dollfuss resiste tanto quanto pode. No entanto, em um gesto brusco e inesperado, com violação de todos os princípios, com profanação ultrajante dos brios de toda a Europa, Hitler, novo Juliano Apóstata, se apodera da Áustria infeliz.

Imediatamente a paganização começa. Dois Arcebispos são aprisionados, todas as associações de moços católicos são dissolvidas, nazistas paganizantes são instalados no governo e todos os meios de influenciar a opinião são colocados nas mãos desses pagãos. É esta a situação da Áustria!

XIV – O que faz a Inglaterra? Enquanto as tropas alemãs se preparam para invadir a Áustria, enquanto Schuschnigg apela para toda a Europa contra a prepotência de que sua pátria está sendo vítima, o Sr. Von Ribbentropp, Ministro do Exterior do Reich, oferece em Londres uma grande recepção, à qual comparecem 600 personalidades da “elite inglesa”. “Delenda est Britania...”

A França, a gloriosa primogênita da Igreja, dileta entre todas e valente como nenhuma, está vitalmente interessada na manutenção da independência austríaca, porém não pode intervir. É que os comunistas se incumbiram de provocar uma crise ministerial na França, exatamente no momento em que isto facilitará a ação de seu pseudo-adversário, o sr. Hitler. É em grande parte aos comunistas franceses, com o sr. Hitler, que este deve seu sucesso.

Quanto a Mussolini, em cujas mãos está a direção de um dos mais nobres e católicos povos da terra... nem é bom falar. Um telegrama benevolente e generoso do Führer o recompensa: “Mussolini, não me esquecerei de vosso gesto”.

Deus também não se esquecerá... e a hora dele chegará.

XV – Qual a grande lição destes acontecimentos?

A Igreja está só. Os católicos errarão sempre que procurarem ingenuamente apoiar-se no centro para combater a esquerda, na direita para combater a esquerda, e assim por diante. Como em uma grande comedia bem ensaiada, os manequins da esquerda e da direita, tanto quanto os do centro liberal-democrático, ostentando entre si tremenda inimizade, agiram uniformemente de modo tal que prejudicaram sempre e por toda parte a Igreja, dando a impressão de que sua recíproca inimizade é falsa e Cristo é o seu verdadeiro e único Inimigo.

Também o Sinédrio cooperou com o Proconsul romano, para trair, condenar e matar o Único Inimigo... que na realidade era o Único Amigo dos que O perseguiam.

Os católicos devem contar só com Deus e aliar-se apenas entre si. Fora daí, só há erro e prejuízos.

XVI – Não seria supérfluo terminar estas notas trágicas por uma anedota capaz de distender os nervos. Conta-se que, em uma jangada em que se encontravam náufragos de várias nacionalidades, um português se tomou de súbito pavor. Ignorando que uma jangada nunca vai a pique, julgou-se irremediavelmente perdido, e começou a cogitar nos dois grandes perigos com que se defrontava: o mar e os tubarões. O que seria melhor? Esconder-se das águas na boca de algum tubarão? Ou esconder-se do tubarão no mais fundo do mar?

Não sabemos qual foi a solução que escolheu. Depois de muito refletir, tomou seu partido, e atirou-se na água, mas resolutamente. E contam os seus companheiros que, assim que afundou, um tubarão o assaltou e comeu parte de seu corpo. O resto ficou boiando, e o mar acabou por deglutir... Os seus companheiros se salvaram. A jangada era insubmersível.

Por ignorar isto, morreu o português, que foi ao mesmo tempo devorado pelas águas e pelos tubarões. Assim são os católicos que discutem o que é melhor, se o nazismo ou se o comunismo, para se abrigarem de um inimigo sob as garras de outro. 


ROI campagne pubblicitarie