Um belíssimo discurso de S. E. o Cardeal Pacelli sobre Nossa Senhora da Boa Morte
Legionário, 16 de janeiro de 1938, N. 279, pag. 5 |
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, Diretor do "Legionário"
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O homem diante do pensamento da morte A excelsa grandeza de Maria “advocata nostra” A assistência de Maria na hora suprema
Nossa Senhora sucurre miseris (igreja Santissima Trinità dei Pellegrini, Roma)
Por ocasião do 70º aniversário da Associação de Nossa Senhora da Boa Morte, Sua Eminência o Cardeal Eugênio Pacelli [futuro Papa Pio XII, n.d.c.], Secretário de Estado de Sua Santidade, pronunciou na Igreja de São Luís dos franceses, em Roma, uma belíssima oração de que damos uma pequena síntese nas linhas abaixo. Começa S. Eminência por comparar a vida humana a uma viagem perigosa que uma embarcação esteja fazendo no meio duma grande neblina, em que é dificílimo evitar os escolhos da rota. Nas memórias do barão de Hübner [diplomata austríaco, 1811-1892] há um episódio impressionante ao relatar sua passagem pelas proximidades de Terra Nova. Em pleno dia, dá-se uma queda brusca do barômetro. Quase instantaneamente, mais traiçoeira do que a noite, cai uma neblina densíssima. Bancos de gelo existiam em quantidade naqueles mares e era impossível divisá-los com a neblina que encobria a atmosfera. Prosseguir ou interromper a viagem e estacionar, viria a dar no mesmo: em qualquer caso, a incerteza e o perigo eram iguais, pois os icebergs movem-se com grande facilidade. Tanto estes icebergs poderiam vir ao encontro do navio parado, como a embarcação em marcha poderia chocar-se com um deles. É essa uma imagem bastante sugestiva da vida humana, que Santo Agostinho já dizia ser uma corrida para a morte: “Nihil aliud est cursus vitae huius quam cursus ad mortem”. Navegamos num oceano em que há uma grande neblina. De um momento para outro o barco da nossa vida pode chocar-se com um obstáculo, que o levará ao naufrágio. Não sabemos onde ele está, mas ao contrário daqueles marinheiros, temos toda a certeza que esse choque é inelutável e cada dia de nossa vida mais nos aproxima dele. Mas nós somos também muito mais felizes que os navegantes dos mares árticos. Podemos avançar confiantes, pois há olhos que velam por nós, e são olhos de Mãe. O segredo de uma vida tranquila e fecunda, a um tempo, é marchar com o pensamento familiar da morte; e marchar sob a proteção da Mãe de Deus confidente e colaboradora dos desígnios da Providência. O homem diante do pensamento da morte Viver familiarizado com o pensamento da morte, é a recomendação incessante do Divino Salvador. No entanto, hoje em dia poucos são aqueles que pensam, como deviam, na morte. Isto ainda se explica, embora não se justifique, nos que afastam o pensamento da morte por ser importuno para a sua vida desregrada de prazeres. Ou nesses estoicos modernos presos por uma orgulhosa independência, idólatras da vontade do “super-homem”, que consideram a ideia da morte estéril porque deprimente. Infelizmente, porém, ao seu lado há pessoas de educação cristã que não cuidam como deviam de refletir seriamente sobre tal assunto. “A verdadeira explicação dessa atitude incompreensível de tantos cristãos, banindo obstinadamente de seu espírito a lembrança da morte, talvez esteja na sua falta de confiança em Deus. Sem a devida confiança na Providência Divina, que amorosamente dirige todos os acontecimentos de nossa vida, essas pessoas têm medo dos mistérios da morte. Sem a devida confiança no socorro da graça divina, que se compadece, misericordiosa de nossa miséria e toma cuidado de nossa fraqueza, tem medo de si mesmos.” Para despertar tal confiança, S. Eminência propõe-se a falar sobre a função de Maria, Mãe de Deus, na conduta dos desígnios da Providência; e de Maria, Mãe dos homens, na nossa preparação para a morte. A excelsa grandeza de Maria “advocata nostra” Depois de ter mostrado a excelsa grandeza de Maria entre todos os santos e a sua concepção na mente divina desde toda a eternidade, S. Em. o Cardeal Pacelli insiste particularmente sobre esta ideia que sempre devemos lembrar quando se trata da devoção a Nossa Senhora: a nossa confiança em Maria se fundamenta na Maternidade Divina. Mas além de ser Mãe de Deus, Maria é nossa Mãe, é este, para Ela, um título tão pessoal e incomunicável quanto o de Mãe Deus. “É um segundo motivo para esperarmos Sua vigilância, Sua proteção, Sua intercessão em nosso favor, na perigosa travessia da vida e no encontro decisivo e muitas vezes imprevisto da morte.” “Maria é nossa Mãe na ordem sobrenatural. A Mãe é efetivamente quem dá e sustenta a vida. Ora, nossa vida sobrenatural, segundo a palavra de S. Paulo, é Cristo: “Cristus vita vestra” e Ele mesmo o disse expressamente: “Ego sum vita”! Ora, a quem devemos Cristo e a efusão das graças pelas quais somos incorporados a Ele senão a Maria, Mãe de Cristo?” A assistência de Maria na hora suprema “O pensamento da morte modifica-se e transfigura-se quando meditado ao pé do Crucifixo: de pesadelo tenebroso, torna-se uma visão pacífica, uma aurora! Nossa Mãe não se contenta em nos inculcar, com a lembrança da Cruz, o pensamento familiar da morte. Respondendo por seu Fiat à mensagem do Anjo, Ela aceita ser a Mãe do Verbo, que é a vida eterna, para permitir que Ele se torne mortal. É com o fim de guardá-lo e prepará-lo para a morte, que Ela o concebeu e nutriu, protegeu e defendeu Sua vida. Ela bem sabia que não envolvia de tantos cuidados o Cordeiro de Deus senão em vista do sacrifício pascal, da morte na Cruz. “Só teremos compreendido a verdadeira devoção a Nossa Senhora desde que peçamos à Sua ternura, não satisfações temporais ou doçuras da consolação e da piedade sensível, mas a graça das graças que é a de dispor nossa alma pela pureza, pela abnegação, pela prática generosa de todas as virtudes, a marchar valorosamente com a cruz aos ombros, seguindo a Jesus, marchar para a morte amorosamente aceita, e, pela morte, para a vida bem-aventurada e eterna”. Muitas considerações tece ainda S. Eminência em torno do poder de Maria na hora da nossa morte, para terminar com as palavras da Ave Maria: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Assim seja”. |