Plinio Corrêa de Oliveira
Corporativismo
Legionário, 12 de dezembro de 1937, N. 274 |
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Não pode nem deve haver, no Brasil inteiro, setor da opinião que apoie mais nítida e decididamente o corporativismo do que o católico. Em geral o público confunde o corporativismo com as formas de certos Estados modernos em que ele tem aparecido. É um grave erro. O corporativismo tanto é possível nos regimes democráticos, quanto nos aristocráticos ou monárquicos, de sorte que o católico pode ser soldado militante do corporativismo sem por isto abdicar do direito que a Igreja lhe reconhece de optar livremente pela forma de governo que mereça sua preferência. Defendendo o corporativismo, os católicos não tomam implicitamente posição em assuntos nos quais a Igreja os deixa livres, como sejam as formas de governo. Simplesmente, ele se coloca ao lado de uma grande reforma econômica e social que os Pontífices têm recomendado em benefício das sociedades humanas, como meio de evitar a injustiça e a falta de caridade, a produção descontrolada e desonesta, e tirania do capital ou das massas. Evidentemente, é lícito afirmar-se que, em condições dadas em um país determinado, esta ou aquela forma de governo se ajusta mais perfeitamente às exigências de uma organização corporativa. Mas esta opinião, conquanto legítima, não passa de mero pensamento individual, e a Igreja nunca desceria a indicar, para um determinado país, a forma de governo que mais auxiliaria a organização corporativa a atingir a sua perfeição. Qual a posição dos católicos perante a organização corporativa do Brasil atual? Aplausos? Indiferença? Ou censura? É preciso nunca esquecer que uma das grandes normas de ação da Santa Igreja e, portanto, da imprensa católica consiste em distinguir nitidamente a doutrina católica do pensamento pessoal do indivíduo A ou do indivíduo B, por mais justo, sensato e respeitável que esse pensamento possa ser. Assim procedendo, os católicos poderão pautar suas atitudes segundo a famosa regra de conduta que assim se enuncia: 1) nos assuntos em que a Igreja definiu seu pensamento, os católicos devem mostrar-se exemplarmente disciplinados e vigorosamente unidos; 2) nos assuntos em que a Igreja deixa aos seus fiéis a liberdade de agir como quiserem, devem eles usar tranqüilamente dessa liberdade; 3) o uso dessa liberdade nunca se deve transformar, porém, em censura aos católicos que, usando também da liberdade que a Igreja lhes dá, agem ou pensam de modo diverso, porque em todos os assuntos deve reinar a caridade. Os católicos têm, pois, a mais ampla liberdade para optar entre as formas de governo monárquica, aristocrática ou democrática, porque a Igreja não condena qualquer delas, considerada em si. Mas todos os católicos devem apoiar, decidida e vigorosamente, as iniciativas de caráter oficial que coincidam com o pensamento social da Santa Igreja, quer lhes agrade quer lhes desagrade sob outros pontos de vista, a orientação geral do governo do qual tais iniciativas procedem. * * * Ao distinguir nitidamente o corporativismo de qualquer outra instituição política que com ele se pudesse confundir, outra intenção não tivemos senão mostrar que os católicos brasileiros, sejam eles de que quadrante político forem, não podem deixar de receber com simpatia a instauração do corporativismo entre nós. Não pretende o “Legionário” ditar preferências políticas a quem quer que seja. Mas é inegável que todos os católicos, uma vez que as Encíclicas Pontifícias recomendam insistentemente o corporativismo, não podem deixar de aplaudir a instauração desse mesmo corporativismo entre nós. Os católicos brasileiros, desgraçadamente, ignoram o que seja o corporativismo. E se isto se dá entre os católicos, o que dizer-se dos outros setores da opinião pública, nos quais ecoa com repercussão menor a insistência dos Sumos Pontífices a favor das corporações? Para remediar esse mal, iniciaremos algumas publicações tendentes a difundir entre nossos leitores o conhecimento exato do corporativismo, e mostraremos ao mesmo tempo as razões pelas quais a Santa Igreja recomenda com tão amorosa e enérgica insistência a regulamentação da vida econômica por meio das corporações. Por hoje, basta-nos afirmar nossa satisfação pela instauração de um regime econômico corporativo no Brasil. Mas, dirão os que acompanham de perto as questões internacionais, tanto na Itália quanto em outros Países, o corporativismo se tem prestado a mais de uma crítica sob o ponto de vista católico, e escritores corporativistas há cujo pensamento é francamente contrário à doutrina da Santa Igreja. Pouco importa. Até aqui, nenhuma disposição legislativa há que indique que o corporativismo brasileiro vai enveredar por rumos contrários à doutrina católica. O que até aqui se resolveu e se instituiu no Brasil a respeito de corporativismo pode ser aceito e deve ser aplaudido por todos os católicos. Nomeando para a Pasta do Trabalho o Sr. Waldemar Falcão, conhecido como católico de boa fibra, o Governo até parece fornecer indícios de que deseja que o pensamento católico presida a organização corporativa. Neste assunto, portanto, o “Legionário” só encontra motivos para aplausos e regozijo, sem prejuízos da linha de conduta de absoluta independência política que sempre assumiu. * * * É dentro deste estado de espírito de franca simpatia, e com propósitos de leal cooperação, que faremos a respeito da política corporativa a ser seguida por nossos governantes algumas considerações. Versam todas elas sobre a extraordinária oportunidade de ser adotado o corporativismo no Brasil, não como um prolongamento e uma ingerência do Estado em questões econômicas, mas muito mais como uma interferência das forças econômicas vivas da Nação nas atividades do Estado. A situação do Café, da Sorocabana, da Central do Brasil e da Cia. Paulista e o conselho que encerram para montagem da nova máquina corporativa. Por mais maravilhosas que sejam as vantagens alegadas em benefício do regime político inaugurado na carta de 10 de Novembro, é incontestável que este como qualquer outro regime, não tem o dom de mudar instantaneamente os caracteres, e nem de alterar de um momento para outro as circunstâncias psicológicas e sociais do ambiente nacional. Parece, pois, inegável que, conquanto o novo Estado brasileiro consiga atingir, como todos desejamos, o maximum de perfeição e de eficiência na realização de seus fins, ele deverá lutar por muito tempo com a ação desfavorável de circunstâncias e situações que ele não criou e que não estará, humanamente falando, em seu poder eliminar de um momento para outro. Ora, dentro do panorama brasileiro, um dos fatos mais impressionantes é o quase sistemático insucesso administrativo do Estado nos campos em que a ação individual obtém os mais assinalados triunfos. Para argumentar com fatos em lugar de abstrações, bastará fazer um exame comparativo entre a situação angustiosa da Central do Brasil que está agonizante, e da Sorocabana que apresenta todos os sintomas clínicos de anemia, com a extraordinária pujança da Cia. Paulista ou da São Paulo Railway. Estudar as razões desse insucesso do Estado seria exceder de muito os limites de um mero artigo, que aliás já se vai tornando excessivamente longo. Sem dúvida, sobreposto agora o Estado às exigências eleitorais, e desembaraçada a administração das imposições dos régulos e coroneletes do Interior, o Estado pode aumentar notavelmente sua capacidade administrativa. Mas sem esquecer que a intervenção do Estado na economia, em via de regra, deve ser meramente supletiva, cumpre lembrar ainda que os insucessos administrativos do Estado brasileiro têm uma razão muito mais ampla e muito mais profunda do que a pressão dos velhos “clãs” eleitorais. Aliás, de certo modo, reconheceu-o o Chefe da Nação quando, ao mesmo tempo que dotava a administração nacional da plenitude do poder público, dava liberdade aos mercados cafeeiros, retirando deles, em larga parte, a ingerência do Estado. Nem todos os brasileiros terão notado a aparente contradição entre ambas as medidas. De um lado, o Executivo tornado absolutamente onipotente. De outro lado, esse mesmo executivo onipotente, em lugar de se servir de sua omnipotência para resolver a situação do café, retirando-se do mercado e dando liberdade à iniciativa individual. Esse último gesto, no entanto, foi de tal sabedoria política que mereceu aplausos de gregos e troianos. E ninguém precisa raciocinar muito para compreender que o Estado brasileiro, a despeito da atual omnipotência de que está dotado, percebeu que, no caso do café, melhor do que tudo será dar livre curso à iniciativa privada. Aplicando a mesma verdade no regime corporativo, diremos que as corporações produzirão para o Brasil tudo quanto delas se puder esperar, se não forem meras repartições públicas luxuosas, burocratizadas e sonolentas a intervir nos menores detalhes da vida econômica do País, mas pujantes organizações econômicas montadas com todo o vigor e todo o acerto que caracteriza no Brasil a iniciativa privada, e capazes de interferir vantajosamente na vida do Estado, fazendo com que através da representação das forças econômicas atue sobre a política toda a sabedoria e toda a fecundidade que caracterizam o brasileiro, sempre que não faz politica...gem. |