Plinio Corrêa de Oliveira
Nacionalismo
Legionário, 5 de dezembro de 1937, N. 273 |
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A felicidade de todo e qualquer regime político depende, principalmente, da moralidade reinante no país em que ele se aplica. Não apenas da moralidade dos governantes, mas também da dos governados, porque sem ter o valor absoluto que muitos lhe querem emprestar, é não obstante verdadeira a famosa afirmação de que cada povo tem o governo que merece. Se é certo, porém, que o vigor moral dos habitantes de um país é condição essencial para o bom funcionamento das instituições políticas, não é menos certo que os diversos regimes políticos exigem ou supõem cada qual umas tantas virtudes especiais, que devem ser particularmente intensas e autênticas no espírito popular, para que a engrenagem do poder público possa funcionar com desembaraço. A nosso ver, a causa máxima da falência das instituições soçobradas em 10 de novembro foi a ausência, em alguns de nossos meios políticos e em largas zonas da opinião pública, das virtudes que o regime democrático supõe. O Brasil nunca teve a formação adequada [para] viver em regime democrático. E, exatamente por isto, conheceu apenas contrafações desse regime, que procuravam imprimir à viva força, no País, uma fisionomia que ele não tinha.
Nenhum dos regimes que governaram o Brasil teve estabilidade, porque nenhum deles soube despertar o estado de espírito e as virtudes cívicas necessárias à sua conservação.
Todos os regimes que temos conhecido no Brasil tem caído em revoluções de poucas horas, sem ponderável efusão de sangue, sob o olhar indiferente ou satisfeito da população. Ao par de uma especial proteção divina, que a inocuidade de nossas revoluções políticas revela claramente, é preciso levar este fato à conta da indiferença da opinião pública para com todos os regimes que aqui têm vivido. E esta indiferença resulta do fato de terem os nossos regimes políticos fechado os olhos à única força capaz de cavar, para eles, no espírito nacional, os alicerces indispensáveis à sua solidez. A Monarquia não viu ou não quis ver que o apego às instituições monárquicas, em uma época profundamente liberal, só poderia proceder de um profundo espírito religioso, capaz de imunizar contra as investidas sedutoras da demagogia, a opinião pública. Sua cegueira, neste ponto, foi tão longe que chegou a prender os Bispos de Olinda e Pará (...). Se tivesse subido ao trono imperial a gloriosa Princesa Redentora, provavelmente esta linha de conduta teria sido modificada. (...)
Só no Catolicismo poderá o regime encontrar base para o florescimento das virtudes necessárias à sua existência. A 1ª República também não compreendeu que, para que o regime de 1889 não degenerasse na pavorosa anarquia em que finalmente veio a soçobrar 48 anos mais tarde, teria sido necessário estimular na opinião pública a prática de umas tantas virtudes que são a condição essencial para o funcionamento de qualquer democracia. Houve, é certo, algumas tentativas de formação cívica. Mas foram todas vãs, porque careciam de verdadeiras raízes. Houve, é certo, algumas campanhas nacionalistas. Mas foram tão efêmeras quão sonoras, porque não passavam de meros fervores literários, e não souberam apresentar à opinião pública os esteios doutrinários nos quais se deve firmar o verdadeiro nacionalismo. Foi esta a causa profunda da Revolução de 30, que foi fruto da inadaptação do Brasil às instituições que o regiam. Veio depois a 2ª República, tormentosa, agitada, dividida por tendências ideológicas diversas, que iam desde o tenentismo do Club 3 de outubro até o direitismo da Ação Integralista Brasileira, da Legião Cearense do Trabalho, da Ação Imperial Patrianovista ou dos camisas kaki do Sr. Francisco de Campos, que, no terreno filosófico e espiritual, iam desde o materialismo crasso dos comunistas até o vigoroso espírito católico social que, cada vez mais, avulta na nossa mocidade. A 2ª República forneceu apenas o ambiente necessário para que o Brasil perdesse o feiticismo pelas antigas fórmulas políticas. Quando ia de cheio a campanha neste sentido, pronunciou-se o golpe de 10 de Novembro, e, de um momento para outro, o Brasil percebeu que estava em um regime novo. A 3ª República está colocada na mesma situação que os regimes que a antecederam. Se, como os recentes discursos do Chefe da Nação e dos Ministros da Educação e do Trabalho fazem esperar, a III República procurar na Igreja o manancial doutrinário e moral indispensável para criar verdadeiras raízes no espírito público, ela poderá realizar uma obra histórica comparável em grandeza à dos primeiros desbravadores e catequistas. E os católicos estão obrigados a, dentro deste espírito de larga cooperação, receber com simpatia todo o gesto eventual das autoridades, tendentes a facilitar a reintegração do Brasil no único grande caminho que se abre diante dele, que é o do Catolicismo. Porque temos o direito e o dever de supor que a III República não repetirá o erro mortal de suas antecessoras, e não fechará os olhos ao que o Brasil tem de mais genuinamente seu, ao que é propriamente sua alma, isto é o Catolicismo. Em um momento em que tanta gente disputa a autoria do atual estado de coisas, escondendo o distintivo armandista majoritário que ainda ontem ostentava com ufania, não iremos alistar os católicos entre os já numerosos candidatos à paternidade do regime que se candidatam atualmente. Mesmo porque essas tardias reivindicações dos ex-liberais encobrem no fundo a disputa a proventos que não ambicionamos. Fiéis neste regime como no que o precedeu, o nosso único ideal de servir a Santa Igreja Católica e a Pátria brasileira, desdenhamos as compensações materiais que atraem a outros tão fortemente que a amnésia os assalta e eles estão hoje mais esquecidos de suas atitudes de ontem do que o “desmemoriado de Collegno” (*).
Fortalecimento da autoridade para o combate ao comunismo e ao separatismo dentro de uma ordem corporativa, sempre foi desejado pelos católicos. Dentro deste espírito de desinteresse e sem gananciosas reivindicações de paternidade, devemos lembrar que as três alegações mais fortes dos que desferiram o golpe de 10 de novembro, de há muito vinham sendo objeto da maior atenção dos católicos. Em suma, o fortalecimento da autoridade para que ela combatesse eficientemente o comunismo, a preservação da unidade nacional contra as investidas do separatismo, e a montagem de uma máquina corporativa capaz de organizar nossa vida econômica de maneira a evitar questões sociais catastróficas, tem sido objeto de constante preocupação por parte dos católicos. Poderia, entre eles, não haver unanimidade a respeito do modo e da oportunidade de resolver estes três grandes problemas do fortalecimento da autoridade, da unidade nacional e da economia, esta última por meio do corporativismo. Mas todos eram unânimes quanto à necessidade de uma reforma institucional neste sentido. Aliás, o simples fato de serem católicos significava implicitamente isto, pois que o católico não pode não ser corporativista, não pode querer a anarquia, não pode pactuar com a fragmentação de sua Pátria, uma vez que essa fragmentação significaria sua sujeição ao estrangeiro. Os católicos, uma vez que os fatos se encarregaram de imprimir um rumo e propor uma solução para os problemas então existentes, só têm uma atitude: ativamente, e sobretudo muito desinteressadamente, trabalhar para que essa solução traga ao País a maior soma de proveitos e esse rumo seja o do Catolicismo, como, com fundadas razões, eles devem esperar. (*) N.d.c.: (*) Refere-se ao caso de crónica italiana conhecido como “O Desmemoriado de Collegno”, acontecido entre as décadas de 1920 e 1930 em Itália, na cidade de Collegno, perto de Turim. Tratou-se de um muito debatido caso de um homem que, declarando-se amnésico (isto é, desmemoriado), afirmava não saber quem era e acabou por ser “reconhecido” pela família do professor e filósofo italiano Giulio Canella, entretanto desaparecido na Primeira Guerra Mundial. O “Desmemoriado”, ao ser reconhecido com o professor Canella, aceitou ser este, passando a declarar que estava a “recuperar” a memória perdida. Outra família, a do tipógrafo e criminoso Mario Bruneri, passo ela também a reconhecer o “Desmemoriado”. Este negou ser Bruneri e continuou durante toda a sua vida a declarar-se enquanto sendo o professor Canella, apesar de todas as provas científicas (impressos digitais etc.) confirmarem a sua identidade enquanto completamente correspondente à do tipógrafo. Encontrando-se no olho do furacão da imprensa e das polémicas judiciárias por causa desta dupla ou falsa identidade, o “Desmemoriado” afastou-se da Itália e foi viver enquanto professor Canella, juntamente com a mulher Giulia Canella, no Brasil, onde também se tornou numa figura mediática. Na sua história de ficções, identidades multiplicadas e memórias perdidas, foram inspiradas obras de escritores e intelectuais em Itália, no Brasil e em várias outras partes do mundo. |