Plinio Corrêa de Oliveira

 

A Igreja e o Estado na nova Constituição

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 21 de novembro de 1937, N. 271

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Dentro de um espírito de absoluta objetividade e a título meramente informativo, publicamos um estudo sobre os tópicos da nova Constituição que interessam aos católicos.

Como se verá pela leitura de nosso estudo, a atual Constituição consagra explicitamente dois princípios católicos da maior relevância que são a proibição do divórcio e o ensino religioso, além de tratar satisfatoriamente de outros temas de interesse para nós. Por outro lado, não cria o menor entrave para a promulgação de toda uma série de leis favoráveis às aspirações dos católicos.

Alheios a questões de política ou discussões temporais sobre regimes, não podemos deixar de assinalar esta situação, para que os católicos trabalhem mais intensamente do que nunca, dentro do atual quadro político, pela grandeza espiritual de um Brasil sempre mais glorioso e maior.

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A Constituição de 34 mantinha a separação entre a Igreja e o Estado, garantindo, porém, um regime de recíproca cooperação entre ambos os poderes, em assuntos de comum interesse. Assim, pois, era por um lado explicitamente autorizada a cooperação entre a Igreja e o Estado, mas por outro lado a separação impunha limites por vezes muito estreitos a essa cooperação.

A Constituição de 37 nada determina a este respeito, de sorte que as relações entre a Igreja e o Estado poderão ser reguladas por uma lei ordinária feita pelo Presidente da República ou pelo Parlamento Nacional. Nessa lei, poderão os católicos, portanto, conseguir uma situação mais vantajosa do que a que existia. Mas poderão, também, perder terreno, se continuarem na apatia, na cegueira, na indiferença com que tantos e tantos dentre eles tem agido até aqui.

Estamos na obrigação de acreditar que usando os católicos dos meios que a Constituição lhes confere para fazerem valer sua opinião na esfera legislativa, nenhuma hostilidade encontrarão nos poderes públicos que estarão dispostos a lhes facultar as regalias de que realmente se queiram servir.

Grifamos a expressão “de que realmente se queiram servir”. É muito típico que a Constituição nova só não inseriu as emendas cuja regulamentação foi ou esquecida ou tão mal feita que se tornou impraticável pelos Legislativos recentemente dissolvidos. Mas o de que nos servimos realmente foi mantido.

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Quanto aos efeitos civis do casamento religioso, a Constituição de 37 silencia a respeito, pelo que o assunto fica transferido da esfera constitucional para o da legislação ordinária. E a lei ordinária a este respeito existente, lei essa que regulamentou aliás pessimamente a Constituição de 34, continua em vigor, podendo ser abolida ou reformada a qualquer momento por outra lei ordinária.

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Assinalemos também que foi mantido o direito de voto aos religiosos, ignominiosamente negado pela Constituição de 91 e reconhecido pela de 34.

A Constituição de 34 permitia o funcionamento de capelanias junto às Forças Armadas, prisões, hospitais, etc. A Constituição de 37 silencia a este respeito. Mas como ela não trás qualquer declaração sobre a inteira laicidade do Estado, deve-se entender que as capelanias poderão ser instituídas por lei ordinária.

Quanto ao serviço militar dos eclesiásticos, a Constituição de 34 permitia que ela fosse prestada sob a forma de assistência religiosa às Forças armadas, hospitais, prisões, etc. Os eclesiásticos que se recusassem a prestar essa forma de serviço ou o serviço comum a todos os cidadãos, ficariam privados dos direitos de cidadão brasileiro.

A Constituição de 37 silencia sobre a assistência às Forças Armadas, etc., e, implicitamente, silencia sobre o serviço militar prestado pelos eclesiásticos sob forma de capelanias ou assistência hospitalar. Portanto, no momento atual, os eclesiásticos, como qualquer cidadão, continuam obrigados ao serviço militar comum, sob pena da perda dos direitos de cidadania. Entretanto, uma lei ordinária poderá restaurar as capelanias e o serviço militar especializado aos eclesiásticos, uma vez que a Constituição não as proíbe expressamente. Como se sabe, a regalia concedida pela Constituição de 34 nunca foi regulamentada, e por isto nunca foi posta em prática.

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A Constituição de 37 mantém o direito de livre associação religiosa, bem como o direito, para as entidades religiosas, de adquirirem bens. Também é mantido o caráter secular da administração dos cemitérios, que continua confiada aos poderes municipais.

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A Constituição de 37 mantém a proibição do divórcio, nos termos expressos em que já o proibia a Constituição de 34. Também é mantida a obrigação para o Estado de auxiliar as famílias de prole numerosa.

A Constituição de 34 instituiu a apelação ex-ofício para as sentenças anulatórias de casamento. A razão da medida era óbvia. Havendo mais de uma vez certos magistrados de pequenas comarcas do interior decretado sentenças de anulação de casamento fraudulentas, que eqüivaliam praticamente ao divórcio a vínculo, a Constituição obrigou todos os juizes a que, declarada a nulidade do casamento, fosse o processo automaticamente encaminhado às Cortes de Apelação, com sede em cada Capital de Estado, a fim de serem confirmadas. Assim, evitavam-se as sentenças fraudulentas, que nunca seria possível extorquir à nossa magistratura superior. A medida produziu na prática excelentes resultados. A Constituição de 37 não a manteve, mas ela poderá ser restaurada por lei ordinária.

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A Constituição de 37 se avantaja muito sobre a de 34 quando reconhece que “a educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais” (art. 123), garantindo a estes o apoio do Estado. Reconhecido como “direito natural”, este direito se torna inalienável e superior às próprias leis positivas que não o podem revogar licitamente. E, com isto, fica a família protegida contra certos excessos de estatismo educacional que muita dor de cabeça nos deram no regime anterior. Ao menos é esta a interpretação legítima que se deve tirar do art. 125. O art. 127 reforça vigorosamente a obrigação do Estado de suprir as falhas eventuais das famílias mal organizadas, e está bem redigido. Mas o art. 126, que assegurou aos filhos naturais reconhecidos direitos iguais aos dos filhos legítimos, precisa de uma regulamentação delicadíssima para não dar lugar a graves abusos.

Todavia é louvável o empenho manifestado pela Constituição de 37 de facilitar o reconhecimento dos filhos naturais, evitando a irresponsabilidade de pais covardes que fogem do cumprimento dos deveres decorrentes de seus atos.

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Pareceu-nos também muito louvável a insistência com que a Constituição fala sobre o ensino profissional, certamente muito mais vantajoso para as classes pobres do que o ensino secundário. Com isto, não faz a Constituição senão seguir os princípios do imortal educador que foi S. João Bosco.

Achamos excelente o tom positivo e claro com que a Constituição garantiu a liberdade do ensino particular promovido por indivíduos ou associações.

O ensino religioso é mantido com caráter facultativo nas escolas primárias, secundárias, profissionais e normais, constituindo, nessas escolas, matérias do curso ordinário. Daí se conclui que ninguém poderá ser promovido sem obter aprovação em Religião, o que não existia na Constituição de 34 e é excelente. Quanto ao ensino religioso nas escolas superiores de caráter universitário não é proibido, desde que seja facultativo e não constitua matéria de curso ordinário. Mas sua instauração dependerá de lei especial.

Deixamos de comentar a parte referente à organização do trabalho, por merecer estudo à parte, muito detalhado e extenso.

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Do que aí ficou dito, desde já se evidencia a situação em que se encontram os católicos na nova Constituição. Esta lhes reconhece muitos dos direitos reconhecidos pela Constituição de 34 e não se opõe a que eles recuperem os direitos conquistados em 34 - que não foram, aliás, postos em prática - sendo-lhes possível até conseguir mais do que isto.

Mais uma vez, abaixo de Deus, nosso êxito depende, pois, de nosso trabalho. Vejamos como corresponderemos a estas possibilidades que a Providência nos dá.


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