Plinio Corrêa de Oliveira
Enquanto a Igreja Católica mantém a pureza do dogma O escândalo do casamento de Eduardo de Windsor é mais um efeito produzido pela mesma causa que levou Henrique VIII a separar-se de Roma
Legionário, 13 de junho de 1937, N. 348
|
|
O escândalo que acaba de dar-se na Igreja Anglicana com o epílogo das aventuras de Eduardo de Windsor é apenas um fruto do próprio livre-exame que está na origem do Protestantismo. E o sucedido no Castelo de Cande não é senão uma nova edição da mesma causa que levou Henrique VIII a separar-se de Roma. A Igreja Anglicana e o divórcio O artigo 25 da confissão de fé anglicana admite apenas dois sacramentos: o Batismo e a Ceia do Senhor. A Confirmação, a Penitência, a Ordem, o Matrimônio e a Extrema-Unção não são sacramentos, mas estados de vida nos quais Deus dá ao homem graças especiais. Dissentiram, porém, os anglicanos dessa concepção particularmente no que se refere ao sacramento do matrimônio. De uma maneira geral, nos séculos passados, a Igreja Anglicana não aceitou o divórcio com direito a novo casamento durante a vida de ambos os cônjuges, considerando os teólogos o matrimônio como um Sacramento. O Estado aceitava a legislação canônica da Igreja Anglicana. A ficção da identidade entre o cidadão e o anglicano tornava a coisa muito natural. A intervenção do Estado Em 1857, o Estado abolia a jurisdição matrimonial dos tribunais eclesiásticos, substituídos por um tribunal civil e admitiu o divórcio com direito a novo casamento, obrigando a Igreja Anglicana a efetuá-los. Desde então muitos pastores aceitaram o divórcio, pois “a lei do país deve ser colocada acima dos escrúpulos religiosos”. E desde então os divórcios se multiplicaram na Inglaterra. A Igreja Anglicana não ratificou oficialmente a legislação civil do divórcio, mas aos poucos se adaptou a ela de tal maneira que sua conduta equivale a uma renúncia de princípio. Essa adaptação chegou a tal ponto que na Conferência de Lambeth em 1908, os bispos anglicanos concluíram que não há uma “interpretação absoluta” (sic) sobre as palavras de Nosso Senhor e por isso a Igreja não deveria “negar os sacramentos ou outros privilégios aos que, com a aprovação civil, estão casados dessa maneira”. Como se pode depreender de uma reunião de protestantes, houve os que não aceitaram as decisões da comissão de bispos e outros que as acharam ainda pouco avançadas. E, no presente, a grande massa dos anglicanos entende que o vínculo matrimonial é indissolúvel apenas no sentido de que não deveria ser dissolvido!... O Caso de Eduardo VIII Eduardo VIII era o chefe da Igreja Anglicana e pretendeu casar-se com uma divorciada. A crise interna da Igreja surgiu muito mais grave, pois era o próprio chefe que estava em jogo. Aparentemente venceu o lado melhor, pois Eduardo VIII se sentiu na necessidade de abdicar e abandonar a chefia da igreja inglesa. A luta, porém, continuou e não poucos elementos da Igreja Anglicana se solidarizaram com Eduardo de Windsor reconhecendo-lhe o direito de unir-se a uma divorciada. E sem atenção à autoridade anglicana, um pastor veio à França celebrar-lhe o matrimonio!... A atitude dos católicos ingleses Diante da confusão reinante no seio da Igreja Anglicana, a Igreja Católica se apresentou homogênea e firme em sua doutrina. O arcebispo de Westminster ordenou que o “Clero e os fiéis oferecessem suas orações pelo rei e pelo país, a fim de que a lei de Deus prevalecesse para felicidade de todos os interessados”. O arcebispo de Merlbourne falou mais diretamente: “Quanto à crise constitucional, a Igreja Católica fica exatamente o que ela era no tempo de Henrique VIII. Ela não aprova o divórcio, nem o novo casamento de pessoas divorciadas”. A Igreja Católica fez notar, sem hesitação e sem reservas, a sua posição bem conhecida, sem com isto, porém desobrigar os seus fiéis da lealdade ao rei, pois a posição deste não depende de “respeitabilidade” de seu caráter particular. A Igreja Anglicana, incapaz de disciplinar os seus membros, mesmo os mais graduados, diante da liberdade de exame, se desmorona fragorosamente. Enquanto isso sucede, a Igreja Católica se eleva pela rigidez de sua doutrina e de seus princípios. Não admira, pois, que as melhores inteligências da Inglaterra e a grande massa do povo britânico se voltem para ela. |