Plinio Corrêa de Oliveira
O papel do Brasil no Século XX O que ele viu e nós não vemos
Legionário, 10 de janeiro de 1937, N. 226, pag. 3 |
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O jornal francês “Je suis partout” publicou recentemente as impressões de viagem de seu correspondente Charles Lesca, que fez no ano passado uma demorada excursão à América do Sul. Não há nelas, no que se refere ao Brasil, nenhuma nota desagradável; declara mesmo que, ao contrário do que muitos de seus compatriotas tem dito, pode-se viajar pelo Brasil “sem ver nenhuma serpente ou tigre, mas apenas lindas borboletas azuis, beija-flores multicolores e macaquinhos inofensivos, que lhe dão um pitoresco que vale bem o das feras ou dos répteis”. E se é verdade que ele notou a existência de uma grande população miserável no norte do país, observou também que ela, embora trabalhada por agentes de Moscou, reage energicamente à propaganda comunista. E escreve: “Parece difícil, à primeira vista, que uma doutrina de ódio como o comunismo, se implante no Brasil. Não há povo mais doce, mais benevolente, mais acolhedor; e é um dos atrativos deste maravilhoso país, não ver em nenhuma fisionomia o quadro horroroso da inveja, que tantas vezes encontramos nas ruas de nossas cidades. “Achava-me em S. Paulo a 1º. de Maio. Este dia fatídico fora proclamado feriado. A cidade tinha apenas o aspecto dos domingos, nada mais. Todos os serviços públicos estavam assegurados, os bondes e automóveis circulavam como de ordinário. Pela manhã, contudo, ouvi um coro de vozes femininas. Vou à janela do quarto e vejo o desfile de um número imenso de jovens, vestidas de branco. Eram as Filhas de Maria que se dirigiam em procissão para a Catedral a fim de começarem, por uma Comunhão geral, o mês da Virgem”. E Lesca diz poder afirmar que as nações da América do Sul “são países felizes”. Mas continua: “Conhecem eles sua felicidade? Nunca, creio-o, a fórmula de Maurras - ´la politique d´abord`(a política antes de tudo, n.d.c.) – terá achado aplicação mais exata que na América do Sul do presente. Eis povos que, tendo superado a crise, estão no caminho de uma nova prosperidade, e que não conhecem as angústias de nenhum espinhoso problema exterior. Estes tesouros, destruí-los-ão por suas mãos em lutas intestinas?” (o negrito é do próprio jornal). Esta a pergunta de quem veio da Europa, de países onde cada dia mais nuvens se acumulam, aumentando as dissensões internas e as desconfianças externas, e que chegado à América do Sul, encontra um ambiente que, como ele mesmo o diz, parece “emitir um som novo a nossos ouvidos de pobres europeus”. E qual a resposta que lhe darão os americanos? Qual, particularmente para nós, qual a que o Brasil lhe dará? A resposta urge, porque o Brasil não pode ficar à mercê de alguns poucos homens que o arrastem para cá ou para lá, indiferentes à sua sorte de nação e ao papel que lhe está destinado. E se “nação”, como o escreveu há poucos dias François Perroud, “é na força religiosa da palavra uma vocação”, e se não há vocação senão em Deus ...., a nação não é o Absoluto, mas o caminho que a ele conduz”. E nesse papel de “caminho para o Absoluto”, para Deus, é que o Brasil deve afirmar-se para manter os seus verdadeiros tesouros para salvar os direitos do espírito e para não “destruí-los por suas próprias mãos, em lutas intestinas”. É o que escrevia em 1931, Tristão de Athayde: “Estamos, neste momento, mostrando se a América do Sul tem ou não personalidade própria. É esse talvez o maior significado da hora em que vivemos. O século XIX foi o século dos Estados Unidos. Não como dominadores, mas como conquistadores do mundo. O sentido americano da civilização coincidiu com o sentido norte-americano do mesmo. E o que este último significou foi realmente a dissolução da civilização espiritual e particularmente do cristianismo... “O momento que vivemos é justamente um daqueles em que a resposta se impõe não apenas em palavras, mas em atos. Ou a América Católica mostra que pôde marcar o século XX, como a América Protestante marcou o século XIX, ou então continuaremos de renúncia até sermos presa das forças do amonismo ou do anti-cristianismo que se jogam contra a civilização cristã e a Igreja de Cristo no século XX, como os árabes, os turcos e os tártaros na Idade Média ou no começo da Idade Moderna”. Tal a resposta que o Brasil deve dar à interrogação do jornalista francês. O Brasil lhe dirá que vai marcar “catolicamente” o século XX e que, dessa maneira, os tesouros que possui, maiores espiritual do que materialmente, serão conservados e aumentados. E para isso os católicos do Brasil negarão o “primado do político” que Maurras quer, e afirmarão o “primado do espiritual” que a Igreja quer. E afirmando este “primado do espiritual” dedicarão toda a sua atividade a realiza-lo, formando-se catolicamente, ganhando aquela intuição que leva a discernir o erro e a verdade em todos os acontecimentos da vida social, em todas as atitudes dos homens; e assim, estes, quando forem erguidos pelos católicos, não o serão apenas porque são endeusados por seus amigos, mas porque suas convicções são reais, porque seu Catolicismo é sincero. É esta formação rigorosamente católica que é preciso dar ao Brasil. E para isso, como disse S. Excia. Revma. o Sr. Bispo Auxiliar de S. Paulo, “precisamos de apóstolos e não de profetas”. Precisamos de quem ensine, forme e inicie as atividades e não de quem apenas se lamente, enquanto o mal aumenta. Procedendo desse modo, voltando-se só para Cristo, este povo que é “doce, benevolente e acolhedor”, aumentará em qualidades e vencerá, alcançando no universo a maior das glórias: o reinado do espírito, o reinado do Catolicismo. E assim o Brasil, e com ele toda a América Latina, católica como a Península de onde provém, vincará o século XX com a luz de uma claridade, que dura há 2.000 anos, com o “som” que não é “novo” da voz eterna da Igreja; e ele e os outros países da américa do Sul serão verdadeiramente “nações felizes”. |