Plinio Corrêa de Oliveira

 

Independência Autêntica

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Legionário, 6 de dezembro de 1936, N. 221

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Os recentes acontecimentos políticos da Europa e da América têm evidenciado bem claramente que não é mais possível, nos dias que correm, fazer a clássica distinção entre a política externa e a política interna dos povos contemporâneos.

Na Europa, as grandes potências tendem a agrupar-se, no terreno internacional, segundo suas preferências em matéria de política interna. De um lado, a Itália, a Alemanha, a Hungria e Portugal que são ditatoriais; de outro lado, a França, a Inglaterra e a Rússia, que são antifascistas. Na América, o Presidente Roosevelt procura estabelecer uma frente única continental, baseada na comunhão de sentimentos democráticos das nossas repúblicas. Política interna e política externa são, hoje, coisas inseparáveis.

À luz desta verdade, como considerar a questão da sucessão presidencial no Brasil? Que relação terá o problema com os grandes movimentos internacionais do mundo contemporâneo?

*  *  *

Não é fácil responder.

Em tese, a situação é a seguinte: há duas correntes internacionais, nitidamente delineadas, e que  se colocam reciprocamente em uma situação de antagonismo dia a dia mais profundo.

Evidentemente, estas correntes estão empenhadas em obter para si o apoio do maior número de países. Mas este apoio depende da orientação política dos governos que estão à testa destes países. Nasce, daí, o empenho dos dois grandes grupos internacionais em intervir na política interna de cada país, para conseguir a formação de um governo constituído segundo os seus interesses.

O que se passa na Espanha é, até certo ponto, uma prova claríssima do que estamos afirmando.

Para qualquer observador insuspeito, é incontestável que tanto a Alemanha, quanto a Itália, a França e a Rússia estão servindo na guerra civil espanhola. Qual a razão? É que se vencerem os nacionalistas, a Espanha atuará provavelmente, no tabuleiro europeu, como potência anticomunista, anti-francesa e anti-inglesa. Enquanto se vencer o governo [comunista, n.d.c.], a Espanha será uma potência russófila, que auxiliará a França e procurará arrancar Portugal da aliança com o grupo fascista, para atirá-lo na anarquia comunista.

É provável, pois, que também no Brasil as duas grandes correntes internacionais procurem exercer sua influência. O Brasil não é mais, hoje em dia, a potência de 5ª categoria que era em 1914. Por todos os economistas do mundo, ele é agora considerado como detentor de uma poderosa reserva de víveres e de meios de abastecimento, capaz de pesar seriamente na balança de uma guerra mundial. A aliança do Brasil é, pois, um importante fator de êxito. E é natural que todas as potências interessadas procurem alinhar mais este fator, entre os outros muitos com que contam para obter a vitória.

*  *  *

Já há, entre nós, quem vislumbre alguma coisa relacionada com o que estamos dizendo. E, em mais de um círculo, já se discute à boca pequena se o Brasil deve filiar-se ao grupo de potências democráticas ou ao grupo de potências ditatoriais.

De um lado e de outro, os argumentos se vão tornando cada vez mais complexos e mais delicados.

A presença da Rússia no bloco das nações liberal-democráticas é como a presença de um doente de peste bubônica, de cujo convívio fogem todos os homens que não se querem suicidar.

Mas a presença da Alemanha no bloco das nações ditatoriais não inspira preocupações muito menores.

Considerado o hitlerismo tal qual ele atualmente dirige a Alemanha, é certo que, por maiores que sejam seus desatinos, ele é muito preferível ao comunismo. Só um insensato poderia duvidar disto.

Mas é preciso não olhar só para isto.

Qualquer observador sagaz perceberá facilmente que o hitlerismo ainda não caminhou até o fim na sua política antirreligiosa. Enfrentando inimigos externos de todas as categorias, Hitler não tem duvidado, no entanto, em suscitar na Alemanha a formidável cisão religiosa que sua política provocou. Mas enquanto os inimigos externos ameaçarem as fronteiras alemãs, ele não poderá desenvolver sua atividade anticatólica com todo o rigor e toda a energia que lhe são peculiares. Há, no entanto, na ideologia hitlerista, abundantes premissas que justificarão futuramente um esforço governamental para extinguir cabalmente o Cristianismo na Alemanha. Basta ler os livros de Rosenberg e de sua seqüela, para convencer-se disto qualquer pessoa. Se algum dia a Alemanha conseguir vencer os seus adversários, não será muito de se recear que Hitler procure arvorar o Reich em campeão da irreligião no mundo inteiro?

Para aqueles dentre os católicos a quem a admiração por Hitler não toldou o senso dos interesses da Igreja, esta questão é de grande peso.

*  *  *

Mas pergunta-se agora: não terá o Brasil outro remédio senão optar entre a liderança hitlerista e a liderança comunista? Não haverá para ele uma solução melhor?

Se os católicos estivessem devidamente organizados, afirmaríamos que sim.

Cabe aos católicos serem o fiel da balança no Brasil. Por seu número, por sua influência, pelo ardor da mocidade mariana, eles constituem uma força irresistível que só não atua eficientemente nas altas questões da política nacional, porque esta força ignora seus próprios recursos.

Se os católicos tivessem um grande jornal - um único, ao menos - eles poderiam impor ao Brasil a linha de conduta que ele deve seguir.

Não devemos afreguesar o Brasil na clientela de qualquer outra grande potência. Independente de fato e não apenas “de jure”, o Brasil deveria reservar sua influência não para favorecer ao Sr. Hitler ou ao “Camarada Stalin”, mas para amparar os verdadeiros interesses da civilização católica. Inimigo feroz, tenaz, ardoroso, intransigente, irredutível, vigilante do comunismo, nem por isso ele seria forçado a se colocar sob a tutela de qualquer outra corrente pagã.

É esta a boa política para a Terra da Santa Cruz, em cujo firmamento a Providência não desenhou, nem a cruz suástica, e nem o miserável emblema comunista, mas o Signo da Redenção.

Mas, dirá alguém, a Igreja nada tem a ver com política. A afirmação é equívoca.

Em todo o caso, não é a Igreja que estamos querendo arrastar a este terreno. Onde a Igreja, como tal, pode não querer intervir por medida de prudência ou por reserva doutrinária, os católicos nem por isto estão isentos de agir como católicos. É Ela mesma quem no-lo ensina.

Isto é o que deveriam pensar e querer os católicos brasileiros.

Mas o que fazem nas trevas dos conciliábulos os nossos políticos? Não será, porventura, coisa muito diversa do que aconselhamos?

Só o futuro poderá dizê-lo.


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