Plinio Corrêa de Oliveira

 

Unidade nacional

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Legionário, N.º 219, 22 de novembro de 1936

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A unidade nacional é coisa por demais preciosa e por demais complexa, para que dela possamos traçar uma apologia completa, dentro do estreito quadro de um artigo de fundo. Mas a viagem de alguns paulistas eminentes ao norte do País veio por em foco as relações de São Paulo com a Federação. E nós não quereríamos perder a oportunidade de, ao menos a “vol d'oiseau” [a voo de pássaro, ou seja, de passagem, n.d.c.], examinar a questão do separatismo.

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Se somos católicos, estamos na obrigação de raciocinar, em tudo e por tudo, como filhos da Igreja. Quer isto dizer que devemos tirar de nossa doutrina religiosa todas as conseqüências que ela comporta, ainda que uma ou outra destas conseqüências se choque com velhas prevenções ou enraizadas preferências políticas.

Isto posto, vamos examinar os dados que nossas convicções religiosas nos oferecem, para solucionar a questão da unidade nacional.

A todos os homens, indistintamente, obriga o preceito de amar a Deus sobre todas as coisas. Mas este amor não se deve traduzir apenas em orações inflamadas. Pede o Criador que O amemos, não apenas com palavras, mas também com ações. Cumpre que o amor que manifestamos a Deus no recesso dos templos, seja traduzido, na vida concreta de todos os dias, em atos de efetivo zelo pelos interesses de Deus. Nenhum de nós tomaria a sério um amigo que nos prodigalizasse abundantes palavras de afeto, mas que manifestasse, na vida prática, o mais absoluto descaso por nossos interesses pessoais. Assiste a Deus o mesmo direito.

Se amamos a Deus sobre todas as coisas, devemos, pois, sobrepor a todos os nossos interesses individuais, domésticos e até nacionais, os interesses de Deus. Pode parecer dura esta afirmação. No entanto, o mandamento reza: “amar a Deus sobre TODAS as coisas”. E, em seguida a ele, o Supremo Legislador não colocou nenhuma cláusula que excetue o amor da Pátria ou o amor do lar.

Quais são, no mundo, os interesses de Deus? A resposta é óbvia. Para conseguir a salvação das almas, Ele não duvidou em enviar ao mundo a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e em permitir Sua Paixão e Morte, para abrir aos homens o caminho do Céu.

Deus manifestou, pois, de modo exuberante, o Seu interesse pela salvação das almas. E essa salvação, que valeu perante a Justiça Divina o preço infinitamente precioso do Sangue de Cristo, merece dos homens todos os esforços e todos os sacrifícios.

Duvidaríamos nós em fazer qualquer sacrifício para obter aquilo que arrancou à bondade divina o próprio sacrifício do Calvário?

Haverá, para nós, neste mundo, coisa mais nobre, a que nos incite com maior veemência a sinceridade de nossos sentimentos católicos, do que a salvação das almas?

Evidentemente, não.

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Mas, dir-se-á, isto tudo está muito bem para os indivíduos, mas é inaplicável às nações. O fim da Igreja é de salvar as almas. Foi para isto que o Salvador A instituiu. Quanto ao Estado, seu fim é meramente terreno. Erigir o Estado em instrumento de apostolado seria arrancá-lo à esfera natural de sua atividade. Mais ainda: seria invadir com a mão perigosa e prepotente de César, a seara espiritual da Igreja.

O sofisma é grosseiro e, hoje mais do que nunca, ele pode facilmente ser refutado.

Um exemplo entre mil: aliando-se à Rússia, infere a França do Sr. Blum (a França do Sr. Blum, bem entendido, não deve ser confundida com uma outra França, que é a França católica, de Santa Teresinha, de Bernadette, de São Luiz e de Joana D'Arc) um profundo golpe na civilização ocidental. E, através desta, o golpe atinge os próprios interesses da Igreja.

Por maiores que fossem os proventos comerciais, ou diplomáticos, auferidos pela França com a aliança soviética, não lhe assistiria o direito de estender a mão aos mais irredutíveis inimigos da catolicidade. Sacrificando os seus interesses comerciais aos interesses supremos da Igreja e da civilização, a França teria praticado um ato meritório de eminente amor de Deus. Ela não o praticou. E, exatamente por isto, o mundo inteiro e seus próprios filhos - os homens de bem, os chefes de família, os militares, os sacerdotes - condenam seu procedimento. A França faltou ao seu dever.

Acima de sua função econômica e de sua função política, o Estado francês tinha, como todos os outros Estados, uma missão a cumprir, em prol da causa de Deus e da civilização. Mas o Estado francês apostatou.

Nós, católicos brasileiros, tudo faremos, porém, para que o Estado brasileiro não apostate.

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O Estado brasileiro, como o Estado francês, o Estado italiano ou o Estado finlandês, tem, pois, uma missão: a de lutar pela Fé e pela civilização.

Concretamente, como se apresenta para o Brasil esta missão?

Ainda aí, não vemos dificuldade em responder.

A Europa e os Estados norte-Americanos estão a braços com problemas tremendos. Dentro em pouco - e só os cegos podem contestá-lo - virá um dilúvio internacional: a guerra mundial está a bater às portas da civilização do Ocidente. Depois deste dilúvio, o que ficará da velhíssima Ásia, da Europa agonizante, da América do Norte precocemente arrastada a uma crise mortal? Ninguém poderá dizê-lo. Mas o que é certo é que, à margem deste mundo corrompido e destruído, ficará, virginalmente intacta, a América Latina. E é de suas entranhas, que terá de brotar a nova civilização.

Se esta civilização for católica, apostólica e romana, estará firmada a humanidade, por muitos séculos, nos caminhos de Deus. Se ela não for católica, quem poderá prever em que erros despenhará a humanidade?

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Para que a América Latina esteja à altura de sua excelsa missão, é preciso, antes de tudo, que ela esteja unida e coesa. Seria, pois, um erro imperdoável, ou uma traição criminosa, que neste corpo de nações irmãs, suscitadas por Deus para a mesma luta e a mesma vitória, se insinuasse o germe da discórdia intestina. Todo o reino dividido interiormente perecerá. Di-lo o Espírito Santo.

Se a raça latino-americana se dividir, ela será destruída pelos inimigos comuns. Mais do que nunca, é necessária a união sagrada. E a tal ponto é verdadeiro o que dizemos, que um sopro de amor fraterno percorre hoje toda a América do Sul, a irmanar todos os Países que nasceram da Igreja e da Ibéria.

Neste formidável maciço religioso, social, político e econômico, que é a América católica, cabe ao Brasil a liderança. Será ele, dentro desta unidade continental, o grande bloco político que centralizará a direção da política sul-americana e - arriscando-nos a parecer visionários - da política mundial.

Que juízo fazer-se, portanto, desses políticos pigmeus de pequeno voo intelectual e de vistas curtas, que, com orçamentos em punho, querem demonstrar que São Paulo deve atirar à beira da estrada, como fardo pesado e inútil, os seus 20 irmãos brasileiros? São Paulo será dentro do Brasil o que o Brasil será dentro da América Latina. Fora do Brasil, São Paulo quebrará a coesão continental. E, com isto, terá estragado a obra a que a Providência chama a terra de Santa Cruz.

Para a terra heroica das bandeiras e do café, só há dois destinos: o de rei ou o de desertor.


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