Plinio Corrêa de Oliveira

 

A questão do Alcázar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"O Legionário", 27 de setembro de 1936, N. 211

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Inspiraria hilaridade, se não inspirasse vergonha, o que se passou na Câmara Federal, a propósito do voto de pesar pelo falecimento dos imortais heróis do Alcázar. Resumamos os fatos. O Deputado Adalberto Corrêa dirigiu à Mesa da Câmara um requerimento em que se pedia: 

a) que se inserisse na ata dos trabalhos do dia um voto de pesar pelo falecimento dos defensores do Alcázar de Toledo; 

b) que esse voto fosse comunicado à Junta Governativa de Burgos. 

Tratando-se de um voto de pesar, numerosos Deputados subscreveram o requerimento, sem tomar conhecimento, ainda que sumariamente, de seu conteúdo. Por esta razão, o Deputado Adalberto Corrêa obteve a assinatura de uma verdadeira coorte de parlamentares oposicionistas e situacionistas

A Câmara ainda embalada pela sonolência das horas quentes do dia, deferiu o requerimento, sem saber o que aprovava. E assim, a proposta do deputado gaúcho ficou definitivamente aprovada

Só então os deputados de tendências rubras perceberam o "gato" que acabava de passar pelos trâmites regimentais da Casa. Eles quiseram, então, cancelar o seu nome da lista dos signatários do requerimento, e propor que, contra todos os dispositivos regimentais, a moção fosse novamente posta a votos

Evidentemente, o Presidente Antônio Carlos, que é uma das figuras mais elegantes - política e fisicamente - do Brasil, negou-se a atender a esse desideratum subversivo, que não poderia ser tolerado nem sequer na Câmara das Ilhas Papuas. Foi, pois, expedido um telegrama ao General Franco, em cumprimento do que fora aprovado sob a ação soporífera da siesta parlamentar, pela Câmara dos Deputados. 

É tristemente revelador de nossos hábitos parlamentares o que se passou. Por que obteve tantas assinaturas o requerimento do Sr. Adalberto Corrêa? Só pelo entusiasmo que suscitou? Não. Acreditamos que, para honra do Brasil, houvesse na Câmara um grande número de deputados favoráveis à moção Adalberto Corrêa. Mas entre os seus signatários havia muitos que, depois, se manifestaram contrários a ela. Por que a assinaram? Por descuido, por indiferença, por displicência, pelo desejo de atender ao pedido do colega que lhe solicitava a assinatura. E nada mais. 

Posto a votos, o requerimento foi aprovado sem protestos. Por quê? Porque a maior parte dos deputados conversava no recinto, desatenta ao que se votava, ou bebericava mate gelado na sala do café. Outros não bebericavam e nem palestravam, mas faziam sua siesta. Poucos eram os que prestavam atenção. E, por isto, embora o Presidente Antônio Carlos lesse o requerimento antes de o submeter a votação, não se levantou qualquer protesto. 

Depois disto, algum deputado anti-extremista (daquela famosa categoria de anti-extremismos que reserva todos os seus raios para fulminar a extrema direita, e todos os seus sorrisos para acariciar a extrema esquerda) deu o alarme. E começaram a aparecer as declarações de voto. 

Destas, não hesitamos em dizê-lo, a mais deplorável foi a que apresentaram os deputados constitucionalistas por São Paulo, juntamente com os Srs. Raul Fernandes e Levi Cardoso e o famigerado Sr. Café Filho. Foi a mais deplorável, porque foi a menos coerente e a menos corajosa. E a tal ponto ela nos causou estranheza, que nutrimos a convicção de que ela foi assinada apenas por uma parte dos representantes situacionistas de São Paulo. 

Diz a declaração de voto que os deputados paulistas votaram contra o requerimento do Sr. Adalberto Corrêa, porque, reconhecendo embora o heroísmo dos mortos do Alcázar, discordavam da comunicação que deveria ser enviada ao Governo de Burgos, o qual ainda não fora reconhecido pelo Governo brasileiro. 

Encarando essa declaração apenas por um de seus aspectos - e haveria outros muitos a examinar - perguntamos por que motivo os deputados constitucionalistas, tão experimentados parlamentares, não se lembraram de dirigir à mesa um requerimento pedindo que as duas partes do requerimento fossem votadas em separado. Na primeira parte - o voto de pesar - poderiam ter votado com o Sr. Adalberto Corrêa. Na segunda parte - comunicação ao Governo de Burgos - poderiam ter votado contra. Assim procedendo, não teriam chocado os sentimentos cristãos e anticomunista do povo brasileiro. E, ao mesmo tempo, teriam respeitado todas as possíveis conveniências internacionais. 

É crível que esse expediente parlamentar tão simples não tenha ocorrido a qualquer dos signatários da declaração de voto paulista? 

Por que não foram eles mais corajosos? Por que não votaram abertamente contra a moção? Por que preferiram a abstenção? Quanto ao Sr. Café Filho, ele subscreveu a declaração paulista e endossou, portanto, todos os termos que ela continha. Ora, a declaração paulista afirma que os deputados que a assinaram se abstiveram intencionalmente de votar. 

Mas, em outra declaração de voto, assinada juntamente com os Srs. Osório Borba e Adolpho Bello, o Sr. Café Filho disse o contrário. Afirmou que só não votou contra o requerimento, por não estar presente no recinto, por motivos alheios à sua vontade. 

Quanto ao mais, a declaração dos Srs. Borba e Bello reproduz, na sua indigência de argumentos, a declaração Paulista. 

Mas, francamente, preferimo-la a esta. Ao menos, seus signatários declararam peremptoriamente que votariam contra o requerimento. Foram corajosos. Assumiram uma atitude e a proclamaram. Não procuraram velar com o tênue manto de vãos pretextos jurídicos, o seu ecletismo político e intelectual. 

As demais declarações de voto foram insignificantes, exceto a do Sr. Mangabeira, que concorda com nosso ponto de vista. 

*   *   *

Finalmente, sobre este doloroso assunto, mais uma observação. Quando a Câmara aprovou um requerimento segundo o qual ela se deveria representar no Congresso de Belo Horizonte, os jornais nos informaram que a aprovação foi unânime. 

Quer isto dizer que todos os deputados, sem exceção aprovaram a homenagem que se ia prestar ao Rei Eucarístico. Semanas depois, surge uma oportunidade para que nossos legisladores manifestassem concretamente a seriedade da homenagem que prestaram à Eucaristia. Não se tratava mais de homenagear o Rei Eucarístico, mas os heróis que tombaram na defesa do Seu reinado social no mundo. E esses mesmos deputados se recusaram a deitar à beira da sepultura desses beneméritos da Igreja e da civilização a braçada de flores das saudades comovidas do povo brasileiro

E ainda há quem pense que pisamos em solo firme.


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