Plinio Corrêa de Oliveira

 

Liberdade de pensar e liberdade de mentir

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 13 de setembro de 1936, N. 209

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Está requerendo providências urgentes, a ilimitada liberdade de que gozam as agências telegráficas. Ainda que nos coloquemos em um ponto de vista radicalmente liberal, não podemos encontrar argumentos que justifiquem o uso e o abuso feito por certas agências da faculdade de que gozam de encher o mundo inteiro com notícias recolhidas em fontes inidôneas, e levianamente divulgadas.

Não se deve confundir a liberdade de que pode gozar a imprensa, com a liberdade de que podem gozar as agências telegráficas.

Um jornal é, por sua própria natureza, uma tribuna, destinada a acolher e propagar as doutrinas filosóficas, religiosas e políticas dos que nele colaboram. Em um Estado leigo, que não tem ideologia filosófica ou religiosa oficial, claro está que qualquer pessoa pode externar livremente, o seu pensamento dentro dos limites impostos pela lei.

A razão disto é evidente. Um Estado que reconheça oficialmente uma religião - a anglicana, por exemplo - reconhece implicitamente que os demais cultos são falsos. E reconhece também que todas as doutrinas sociais, morais, científicas etc., que entrem em colisão com o anglicanismo, não são verdadeiras. Compreende-se, pois, que ele procure opor obstáculos a divulgação das doutrinas (anti) anglicanas, pois que, evidentemente, o Estado não pode cruzar os braços ante a disseminação do erro.

Em um Estado leigo, a situação é outra. O Estado não reconhece como verdadeira nenhuma ideologia filosófica ou religiosa. Portanto, não tem o menor motivo para impedir a divulgação deste ou daquele pensamento filosófico ou religioso, desde que, é claro, não se choque com os alicerces de nossa civilização que são a instituição da família, a idéia de Pátria etc.

Assim, pois, em Estado leigo, tanto um protestante, quanto um católico, quanto um maometano, podem livremente pregar suas idéias religiosas.

O mesmo se dá no terreno político. Respeitadas as reservas necessárias à manutenção da ordem pública, é livre a discussão dos assuntos atinentes à administração do Estado.

Isto porque, não tendo ideologia oficial, o Estado não tem ponto de referência próprio, para distinguir o erro da verdade, rejeitar o primeiro e aceitar a segunda.

Isto que se dá no terreno das opiniões, já não se pode dar, nem mesmo no Estado leigo, no terreno das informações.

É este o caso das agências telegráficas. A finalidade das agências telegráficas não consiste em discutir idéias, mas tão-somente em noticiar fatos. Seu caráter não é opinativo, mas informativo.

Ora, enquanto é dificílimo distinguir rápida e claramente entre a verdade e o erro em matéria religiosa, filosófica ou política, é muito fácil, em matéria de noticiário, distinguir as informações verdadeiras das falsas, ou ao menos distinguir as fontes de informações fidedignas, das que não merecem crédito.

Nenhuma agência de informações, portanto, pode noticiar fatos facilmente suspeitáveis de falsidade.

E, no entanto, certas agências o fazem continuamente.

Assim é que, certa vez, um telegrama procedente da Alemanha nos informou que fora descoberta uma sociedade secreta católica e comunista. Ora, a palavra "católico" repele veementemente os adjetivos "secreta" e "comunista", pois que, tanto as sociedades secretas quanto o comunismo, já foram radical e definitivamente condenados pelos Sumos Pontífices.

Nenhuma agência telegráfica tem o direito de ignorar essas condenações, que foram formuladas em atos públicos, e exaustivamente discutidas pela imprensa de todos os países e de todos os partidos.

Noticiando um fato tão evidentemente absurdo, a agência procedeu com manifesta ignorância ou má fé. E, no entanto, nada lhe sucedeu.

Outro exemplo frisante é um telegrama vindo há dias da Espanha. Informa ele que a Infanta Maria das Neves, e seu esposo, o pretendente carlista ao trono de Felipe II, levam uma vida de grande recolhimento, e de modelar piedade, comungando e assistindo à Missa diariamente. Isto não impede, acrescenta o telegrama, que a Infanta, participando, há alguns decênios, de uma revolução na Espanha, fizesse fuzilar quantos adversários lhe caíssem sob as garras. E, para obter o perdão, nada lhe parecia mais fácil do que correr ao primeiro confessionário, a acusar-se de tais atos, que "o seu coração de mulher reprovava, mas que o seu coração de capitão lhe impunha". E o telegrama acrescenta que a Infanta recebeu, por este motivo, mais de duzentas absolvições.

O fato é manifestamente absurdo. Mesmo em alguma guerra de Canudos, seria difícil de se admitir que aparecesse uma mulher tão ignorante, que não soubesse que as confissões assim feitas são sacrílegas, e a absolvição nula, e um sacerdote tão esquecido de seus deveres, que lhe desse o perdão sacramental.

A Infanta, como princesa que é, terá recebido provavelmente a mais esmerada educação intelectual e religiosa.

A intensidade e sinceridade de sua vida religiosa nos é atestada pela própria vida recolhida que leva, e pela sua assistência diária ao Santo Sacrifício da Missa, durante o qual comunga. É o próprio telegrama quem o informa.

Como admitir-se em uma Princesa tão culta e piedosa, a aberração que o telegrama lhe atribui? Há nisto um evidente absurdo.

As conseqüências do telegrama são fáceis de perceber. Lança ele, em primeiro lugar, o descrédito no Sacramento da Penitência. Não faltará muito espírito malévolo ou simples que se deixe impressionar por um fato tão clamoroso. Em segundo lugar, difama uma princesa septuagenária, digna pelo seu nascimento, pelo seu sexo, pela sua idade, pelo seu próprio infortúnio, do respeito geral.

Será lícita esta liberdade de mentir?

Quando será imposto um paradeiro a esta situação?


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