Plinio Corrêa de Oliveira

 

Por quê?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Legionário, 26 de maio de 1935, N. 172

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Raras vezes pode ter um observador político, de mediana sagacidade, uma ocasião melhor do que agora para constatar a terrificante inconsistência das fórmulas de 1789 [Revolução Francesa, n.d.c.] no Brasil.

Antes de 1930, afirmavam nossas leis a soberania do povo, enquanto nossos costumes políticos a negavam categoricamente. Contrariados por tal fato, resolveram os fundadores da Aliança liberal:

1) a deposição das oligarquias estaduais, acusadas de fraudadores do regime republicano;

2) a manutenção da Constituição de 91, reputada excelente em si mesma, e capaz de conduzir o país à idade de ouro, caso fosse aplicada pelas mãos imaculadas dos líderes do movimento libertador.

Vitoriosa a Revolução é, no entanto, exatamente o contrário que se dá. Enquanto se implanta a ditadura e se estraçalha a Constituição de 1891, a mais poderosa das oligarquias políticas derrubadas pela Revolução - o Partido Republicano Paulista - reconquista habilmente o poder, à sombra do Cap. João Alberto Lins de Barros. Por toda parte começaram a reaparecer em cargos de destaque os pró-homens do “regime decaído”, desde o ex-ministro das Finanças do Sr. Washington Luiz, colocado à testa do governo, até os Calmons da Bahia. E, ao mesmo tempo, vão sendo deglutidos habilmente, um por um, os líderes da Aliança Liberal, vítimas da gulodice silenciosa do então Chefe do Governo Provisório.

Finalmente, reconquista-se o regime legal, e mais uma vez o Brasil reafirma seu desejo de viver no regime democrático.

Logo, porém, que começa a funcionar o novo maquinário político montado a 16 de julho de 1934, verificou-se que as coisas não haviam mudado, e que o Brasil, em lugar de ser governado pelo povo, continua nas mãos dos “meneurs” [agitadores, n.d.c.] ágeis, que o conduzem a seu talante, para rumos que todos ignoram.

Insuficiência da democracia em si quando aplicada a uma grande nação moderna, e não apenas a republiquetas gregas como Atenas? Ou inexequibilidade do regime dentro do cenário brasileiro?

Quer nos parecer que ambas as circunstâncias convergem para tornar inviável a prática da democracia. Mas o caso não nos preocupa neste artigo. Desejamos apenas focar alguns aspectos da dolorosa realidade que atravessamos.

Comecemos por São Paulo. Todo o mundo já ouviu falar dos boatos de cisão em certa corrente. Tudo indica que tais boatos foram muito mais do que um simples rumor público destituído de fundamento. Quais as causas do estremecimento partidário? Quais os motivos que fizeram declarar-se a crise? Quais as razões para que ela fosse dada por resolvida?

Fala-se em um reajuste partidário entre as nossas mais fortes correntes eleitorais. Será realidade? Mero boato? Como explicar então a inatividade da Constituinte, cujos componentes vivem entre si num regime de trégua partidária muito diferente do ambiente belicoso em que se travaram as eleições?

O que é feito do projeto de Constituição do Estado, elaborado pelo Governo? Por que razão não se procede imediatamente à sua discussão, uma vez que já foi votado o regimento?

Em uma ocasião em que tantas interrogações candentes pairam no espírito público, os homens do momento se calam, de um e outro lado da barricada. Por quê? Não é o destino de São Paulo que está em jogo?

Mas passemos à esfera política nacional.

Fala-se em reajustamento político, em um congraçamento de larga envergadura que permita à oposição colaborar no governo (e não com o governo, que é coisa muito menos interessante). Alguns chefes oposicionistas desmentiram. Os da situação também não se pronunciaram. Mas, evidentemente, “il y a quelque chose au fond” [no fundo, há alguma coisa]. Diz-se, mesmo, que o astuto Andrada não tem outra missão no Catete do que tecer a finíssima urdidura política deste congraçamento para entregar bem macio ao Sr. Getúlio Vargas, quando de seu regresso, o leito de rosas da presidência da República. Mas aí, como sempre, reina o silêncio. Tudo se faz nos bastidores. Por quê?

E os resultados concretos da missão Souza Costa? Falou-se em empréstimo com o Japão e o boato foi desmentido. Surge, bruscamente, em plagas brasileiras a missão econômica japonesa, que está sendo cumulada de gentilezas pelas autoridades. Ora, nem costumam os japoneses perder seu tempo, nem o Sr. Getúlio Vargas o seu latim. Mais uma vez, portanto, acerca da missão perguntamos: a que veio? Parecem agora viáveis os planos de empréstimo nipônico? O silêncio envolve todas estas interrogações. Por quê?

E o câmbio que cai de dia para dia. Incontestavelmente, já não há grande margem para novas quedas. E, no entanto, o silêncio dos situacionistas e dos oposicionistas cerca o inquietante assunto. Por quê?

Enquanto todas estas interrogantes enchem de trevas os quadros estreitos da liberal-democracia, a Ação Integralista e a Aliança Libertadora se preparam a devorá-la, e a se entredevorar depois. Uma como a outra destas correntes, no entanto, se cerca também de enigmático silêncio quanto a mil aspectos importantes de sua atividade.

Quanto à Aliança Libertadora, o caso não nos interessa. É comunista, e as sombras ou os “despistamentos” que possa empreender não nos interessam. É um caso policial. Resolva-o o Sr. Delegado de Ordem Social, munido dos amplos poderes da Lei de Segurança.

Mas a Ação Integralista? Por que continua seu pesado silêncio em torno da exata posição da Igreja no seu programa? Por que manter em assunto tão fundamental para todos os católicos - o que vale dizer para todos os brasileiros - tão enigmático silêncio? Se é de afirmações que o Brasil precisa - e o integralismo proclama esta verdade em todos os tons - por que não começam os milicianos do Sr. Plinio Salgado por definir com maior clareza os direitos do espírito, que eles têm afirmado de forma imprecisa?

Ninguém ignora o papel decisivo do “chefe” nos movimentos de tipo fascista do mundo inteiro. A ninguém, pois, pode desinteressar a opinião individualmente professada pelo Chefe, em matéria religiosa. Tem chegado a nossos ouvidos uma ou outra notícia tranquilizadora a este respeito. Mas que valor dar a tais notícias enquanto a sua profissão de fé não se fizer clara, explícita, desassombrada? E por que não a faz ele?

E, no entanto, “così va il mondo” [assim vai o mundo], ou melhor “così va il Brasile”. Enquanto o país inteiro se sente perturbado pela agitação ambiente, seu destino é resolvido em confabulações esotéricas mantidas por elementos frequentemente desconhecidos, e que jogam cartadas decisivas, sem que possam ser controlados pelo grande paciente, que é o nosso Brasil.

* * *

Ao terminar este artigo, que já se vai alongando desmesuradamente, um certo desânimo nos invade, pela certeza que temos de ter descontentado a muitos leitores, e agradado a um número possivelmente reduzidíssimo.

No entanto, “clama, ne cesses, quasi tuba exalta vocem tuam - clama, não cesses, como uma trombeta eleva tua voz” aconselha o Espírito Santo aos que defendem a verdade. Foi a este ensinamento que obedecemos, ao traçar estas linhas, sem que nos movesse a menor paixão política ou partidária, que não temos.

E, realmente, se se calarem os católicos, quem, no Brasil, pode ter a independência necessária para pôr os pingos nos “is”? Pois não temos nós a promessa da assistência providencial nesta vida e a da bem-aventurança eterna na outra, desde que tenhamos cumprido singelamente nosso dever, ferindo embora paixões ardentes ou magoando susceptibilidades mais vivas do que legítimas?

Se nós não cumprimos exatamente nosso dever, quem o fará por nós?

Se alguém tem que sofrer por amor à verdade, este alguém devem ser os católicos.

Aqui fica, pois, devidamente cumprido o nosso dever.

Se agradamos, muito bem. Se não, nem por isto nos molestaremos. Não apagam o fulgor da verdade os que não a querem ver. “Insultez le soleil, il brillera quand même” [insultai o sol e ele brilhará do mesmo modo].


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