Plinio Corrêa de Oliveira

 

Desvairamento

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Legionário, N.º 169, 14 de abril de 1935

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Um curiosíssimo sintoma de cabal desorientação que campeia em nossa política é o entusiasmo com que gregos e troianos, perrepistas e peceistas, recebem o discurso do Sr. Cirilo Júnior, proferido logo após a eleição do Dr. Armando Sales.

Não há a menor dúvida de que foi um discurso de elegância parlamentar primorosa, em que o líder da oposição presenteou seus colegas da maioria com um buquê de flores retóricas em cujas corolas zuniam, como pérfidas abelhas, as mais mordazes críticas à escolha que vinha de se processar.

Porém, quando a opinião pública aplaudiu o discurso do famoso tribuno perrepista, os aplausos não se dirigiam tanto à habilidade e distinção daquela peça oratória, como à declaração de que, na elaboração da carta constitucional, se apagaria a linha divisória que separa a minoria da maioria. É exatamente este aspecto do fato, que queremos analisar.

Não há dúvida de que é nobre o intuito de afastar as preocupações ou ambições pessoais, enquanto discutir a Constituinte os problemas atinentes à organização de nosso Estado.

E outra não foi a intenção do líder da minoria ao içar o pavilhão branco da trégua partidária.

Implicitamente, porém, confessou S. Exa. que, postas à margem as preocupações pessoais, nenhum marco divisório subsistiria entre as duas grandes correntes políticas do Estado.

Senão, raciocinemos. Seria possível tal atitude em qualquer parlamento europeu ou mesmo no longínquo Japão? Nunca. Seria precisamente quando se elaborasse a Constituição, que mais fundas se mostrariam as divergências entre socialistas e liberais, monarquistas e republicanos, protecionistas e livre-cambistas, federalistas e centralistas.

E isto por quê? Exatamente porque a divisão partidária naqueles países tem como origem não paixões pessoais, mas dissídios doutrinários, que aqui não existem.

Eis aí o desvairamento a que chegou a nossa opinião pública: precisamente quando se declara de modo oficial e peremptório que nenhum princípio e nenhuma doutrina explica o fato capital de nossa política, que é a luta entre o PRP e o PC, aplaude-se entusiasticamente tal declaração tanto nos arraiais da maioria quanto nos da minoria.

* * *

Também causa-nos estranheza a declaração de uma manchete da “Ofensiva”, órgão integralista, de que “a Ação Integralista é a única força moral anti-burguesa capaz de salvar o Brasil do comunismo”.

Trata-se de uma afirmação imprecisa na sua forma e falsa no seu sentido.

Não sabemos o que o órgão integralista entende por força “anti-burguesa”.

Se “anti-burguesa” significa hostilidade ao espírito burguês no que ele tem de mau, isto é no seu excessivo apego aos prazeres da vida e no seu espírito céptico, a Igreja é a maior força anti-burguesa que há, ou melhor o Catolicismo é, por excelência, a antítese do “burguesismo” moderno.

Mas se por “anti-burguês” se entende uma oposição à burguesia como tal, e à condenação inexorável de toda uma classe, emende ela embora os inumeráveis defeitos de que é ré, se é este seu verdadeiro sentido, desenha-se uma oposição irremediável entre a manchete quase marxista da “Ofensiva” e o espírito da Igreja.


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