Plinio Corrêa de Oliveira
A Lei de Repressão ao Extremismo
“O Legionário”, N.º 164, 3 de fevereiro de 1935 |
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Nada é mais difícil e ingrato do que falar a linguagem da serenidade, quando sobe o termômetro das paixões políticas e baixa o do bom senso geral. Não é, pois, sem um vivo receio de ser mal compreendido que o “Legionário” aborda o espinhoso assunto da lei de repressão ao extremismo. Seu dever, porém, é de orientar a opinião de seus leitores. Ei-lo, portanto, a postos para dizer sua palavra, sem a menor preocupação de agradar à esquerda ou à direita, movido pelo intuito único de, segundo a fórmula espanhola, dizer “a verdade, toda a verdade, e só a verdade”. Em nota de fundo publicada nos primeiros dias de dezembro passado, já apontamos aos nossos leitores o que há de injusto em punir com penalidades iguais os agitadores de duas doutrinas que visam finalidades inteiramente diversas. É óbvio que se é crime atentar por meios violentos contra a organização política e social, tanto mais grave será o crime quanto mais funda a modificação planejada pelos delinqüentes. Transportemos este princípio para um outro terreno, e ele aparecerá em toda a sua clareza meridiana. É crime danificar qualquer monumento público; no entanto, a lei não pode aplicar penalidades iguais ao anarquista que tente fazer saltar, por meio de dinamite, o monumento do Ipiranga, e ao que procurasse simplesmente quebrar a espada de bronze empunhada por Pedro I. Qualquer destes atos constituiria um atentado. No entanto, claro está que a gravidade da pena deveria ser proporcional à importância do dano causado. Mais uma vez, portanto, reafirmamos nosso ponto de vista: não se pode, em sã justiça, aplaudir a equiparação que a “lei de repressão” tenta estabelecer entre comunistas e integralistas. Feita esta ressalva preliminar, pergunta-se: é boa a lei? Respondemos: sob certos aspectos, é excelente; sob outros é inofensiva. É excelente, em todos os dispositivos em que procura acautelar o Estado contra tentativas violentas de perturbação da ordem. Parece-nos, mesmo, que neste terreno poderia ter sido maior sua energia, e que ao Estado assiste, mais do que o direito, o imperioso dever de jugular e reprimir com mão de ferro qualquer tentativa revolucionária. É preciso ter os olhos inteiramente fechados às exigências de nossa situação, para nutrir qualquer forma de complacência para com os incorrigíveis fabricantes de bernardas - venham eles de que lado vierem, fardados ou não, liberais ou não - que procuram lançar o Brasil em uma nova aventura revolucionária. O Estado não pode, sob pena de ser suicida, deixar de punir as infrações materiais à ordem pública. Neste terreno, achamos magnífica a lei de repressão, e lhe damos nossa melhor solidariedade. Há, porém, um lado fraco. É que a lei procura conservar-se, na maioria de seus dispositivos, rigorosamente dentro dos limites de ação tolerados pelo liberalismo. Ora, dentro destes limites, difícil será opor diques eficientes a certas ideologias que não têm o direito de vingar. Neste sentido, absolutamente não nos podemos associar ao conformismo da “exposição de motivos” da lei que declara que o povo pode, legitimamente, dentro da Constituição alterar toda a nossa organização política e até social por meios pacíficos. Não se deve a ação do Estado limitar a prevenir os conflitos armados. A concepção católica é irredutivelmente contrária à velha doutrina do Etat-Gendarme, do Estado inspetor de quarteirão, que se limita a manter a ordem material. Há certos valores, certos princípios, certos direitos que são superiores a qualquer poder humano - seja ele a soberania do povo, como de um monarca ou de um Führer qualquer - contra os quais não se devem permitir os assaltos da demagogia liberal ou do despotismo pagão do nazismo, muito embora sejam eles levados a efeito sem perturbação da ordem material. Neste sentido, portanto, o Estado pode e deve punir a simples propaganda comunista, venha ela por que meios vier, ainda que aparentemente pacífica, e não se pode limitar a cruzar os braços diante da onda que cresce. Uma última palavra nos resta a dizer. Procuraremos ser objetivos e imparciais. Será em vão, portanto, que se procurará discernir alguma simpatia pelo integralismo como por qualquer outra doutrina nas linhas que aqui ficam. O “Legionário” é órgão católico. Suas simpatias vão todas para a Igreja de Deus, e, mariano que é, não há lugar em seu coração para outra causa que não a do Catolicismo, que encarna todos os mais profundos e substanciais interesses do País. Também a mão que traçou estas linhas pode escrever, ex abundantia cordis, que não é integralista. Mais uma vez, cabe ao autor destas linhas reafirmar sua inteira dedicação à causa da Igreja. Note-se bem, porém, que “inteira” não admite limites, não tolera restrições, não sofre co-participações. Católico, e exclusivamente católico, procura examinar os acontecimentos não à luz esfumada de preconceitos ou paixões pessoais, mas à claridade meridiana da doutrina da Igreja. E dificilmente, parece, se poderá objetar, sob este ponto de vista, algo ao que aqui ficou dito. |