Plinio Corrêa de Oliveira
[O direito de voto dos
“Legionário”, n° 145, de 13 de maio de 1934 |
|
Anais da Assembléia
Nacional Constituinte, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1936, vol. XIII,
pp. 244-258 Quero ainda aqui impugnar o trabalho da Comissão Constitucional, data venia, ferindo agora a parte referente à proibição de voto aos religiosos, e a situação em que os coloca no seu substitutivo. Cumpre-me, entretanto, afirmar, preliminarmente, que não é investindo contra a primeira Constituinte Republicana, que pretendo estabelecer a minha argumentação, pois que, na própria Constituinte de 91, espíritos do valor e da insuspeição, do ponto de vista anti-religioso e democrático, de Júlio de Castilhos, Conselheiro Saraiva, Anfilóquio, de toda a bancada rio-grandense, de Amaro Cavalcanti, Demétrio Ribeiro, Meira Vasconcelos, Zama, Barbosa Lima, João Barbalho... O Sr. Ferreira de Sousa - Os maiores constitucionalistas. O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Muniz Freire, Tosta, Alcindo Guanabara, Serzedelo e, principalmente, o apostolado positivista, em famoso memorial enviado à Constituinte de 91, insistiram para que fosse reconhecido aos religiosos o direito de voto. O Sr. Ferreira de Sousa - O que é de lamentar é que a Comissão Constitucional tenha retrogradado, em matéria de preconceitos anti-religiosos, a ponto de restabelecer a proibição de votarem os religiosos regulares. O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - A comissão, que chamarei de super-Comissão... O Sr. Ferreira de Sousa - Super-Comissão também já a chamei eu. O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - ...por causa das atribuições ilimitadas, foi contra os desejos do apostolado positivista, e, no entanto, bem suspeito a nós, católicos. O Sr. Lauro Sodré fez, em 1891, uma argumentação que mostrara bem o que chamarei a acidez do espírito anti-religioso, quando se levanta contra o direito de voto dos sacerdotes regulares. Os argumentos expostos pelo eminente brasileiro, e que ainda hoje refletem a mentalidade dos que são contrários ao votos dos religiosos, são os seguintes: Em primeiro lugar, os religiosos fazem renúncia da autonomia de suas consciências; em segundo, saem espontaneamente da sociedade; em terceiro, se furtam, pelo egoísmo social, ao ônus do matrimônio; em quarto, se votarem, confundirão os poderes espiritual e temporal; em quinto, o clero estava agindo anti-republicanamente e os republicanos não se podiam entregar a seus inimigos. Argumentava-se que o clero estava agindo contra as instituições republicanas. É textual a parte que vou reproduzir: dizia-se que os republicanos seriam tolos se se entregassem de mãos atadas a seus adversários. Esses argumentos fazem pensar. Em primeiro lugar, é preciso se afirmar, de uma vez por todas - e que esta noção fique definitivamente na convicção geral – que o religioso não tem voto de obediência em matéria relativa à política. O voto de obediência, de acordo com a fórmula dentro da qual foi emitido, abrange apenas a regra da instituição a que o religioso se vai filiar. Assim, se o religioso se filia, por exemplo, à benemérita Companhia de Santo Inácio, que tem por missão o apostolado habitualmente exercido através do ensino secundário, não é obrigado a aceitar imposições de seus superiores, ainda que feitas em nome da santa obediência, quando essas imposições são de natureza a forçá-lo, por exemplo, a trabalhar em hospitais, pois que o trabalho hospitalar não está nas finalidades visadas por Santo Inácio, quando fundou a Companhia de Jesus. Vemos, pois que é totalmente contrário à realidade a afirmação do Sr. Carlos Maximiliano, nos seus comentários à Constituição, p. 679, quando diz que “os regulares fazem voto de obediência passiva em todos os assuntos” (os negritos deste parágrafo são deste site, n.d.c.). A liberdade do religioso em assuntos alheios à Ordem existe e foi, recentemente, objeto de luminosa sentença de um tribunal eclesiástico na Espanha, relativamente - se não me engano - a um frade agostiniano, que se declarava isento de qualquer obediência à ordem que lhe fora dada para seguir como missionário em África, alegando que a finalidade agostiniana não era essa. Pois bem: o tribunal deu ganho de causa ao frade e ficou mais uma vez vencedora a doutrina, pacífica, aliás, entre todos os canonistas, que o voto de obediência só atua dentro da finalidade da ordem religiosa (os negritos deste parágrafo são deste site, n.d.c.). Ora, V. Ex.cias, por mais que procurem, não encontrarão instituição religiosa que tenha por finalidade o exercício do direito de voto. Nessas condições, o religioso, tanto quanto qualquer um de nós, é absolutamente livre para votar nas eleições. O Sr. Costa Femandes - É tão bom patriota, quanto qualquer um outro. O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Melhor patriota, muitas vezes. O Sr. Ferreira de Sousa - A Constituição nem reconhecia as relações emergentes entre os religiosos e a comunidade de que fazem parte. No entanto, deu-lhes o efeito de desnacionalizar vamos dizer assim. Pelo dispositivo do projeto, homens da alta mentalidade de Leonel de Franca não poderiam votar, em face de qualquer analfabeto. O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Mais ainda: o padre José de Anchieta, que a Constituição acaba de homenagear, não poderia ser eleitor, do mesmo modo que Nóbrega e tantos homens que formaram, com o seu suor, e, muitas vezes, o seu sangue, a nossa nacionalidade. O Sr. Ferreira de Sousa - Citei o padre Leonel de Franca como a maior celebração do Brasil atual. O Sr. Arruda Falcão – V.Ex.cia não esqueça o exemplo de Feijó. O Sr. Ferreira de Sousa - Feijó não era frade. O Sr. Arruda Falcão - Mas era padre. O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Quanto ao segundo argumento, de que os religiosos se segregam espontaneamente da convivência social, devo dizer que o religioso não é o anacoreta que se retira do meio social; mais do que qualquer de nós é social, porque se coloca debaixo da influência de uma sociedade particular, atuando através dela na sociedade geral de modo altamente meritório e benéfico. O Sr. Arruda Falcão - Os religiosos da ordem de São Filipe Neri, em Pernambuco, foram todos leaders da independência do Brasil. Aqueles heróis de nossa independência eram religiosos professos. Às manifestações anticlericais, minha objeção é a seguinte: não é permitido, absolutamente, sem clamorosa injustiça, que os brasileiros sejam anticlericais, porque os padres têm estado com o povo e com a pátria, sempre na vanguarda, em todos os acontecimentos notáveis da nossa história. Aos opositores peço que deduzam, desde a colônia até agora, a contribuição do padre, na cultura, no progresso, na formação e, em suma, no [desenvolver] geral do Brasil e nos declarem, lealmente, o que é que ficará? O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Ser anticlerical, é ser antibrasileiro. Há outro argumento interessante a que, apenas pelo valor histórico, desejaria responder, é o de que se serviu Lauro Sodré, quando dizia que o clero se estava levantando como verdadeiro exército e anti-republicano. Não seria demais que recordasse nesta circunstância uma afirmação do Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, quando no Império, ocupando ele o cargo de Ministro, alguém o interpelou no Parlamento a respeito das providências tomadas pelo Governo contra a propaganda republicana que se desenvolvia de Norte a Sul do País. O Conselheiro respondeu que não havia medidas a tomar, uma vez que a propaganda se fazia sem infração da ordem material e que, no momento em que a Nação optasse pela forma republicana, o governo estaria de acordo em que a República fosse implantada no Brasil. Essa a atitude do Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, na qualidade de Ministro do Império. Veja V. Ex.cia, Sr. Presidente, ao que muitas vezes a paixão conduz a consciência dos liberais, que chegam a ser mais autoritários do que os monarquistas, privando do direito de voto religiosos eminentes, de incontestável valor, que seriam elementos de grande utilidade, para levantar o nível do nosso eleitorado, apenas com a preocupação de que eles pudessem se insurgir contra a forma republicana, o que a história está a demonstrar que é falso. Há ainda outro argumento, este também endossado por Lauro Sodré, em virtude do qual o religioso seria privado do direito de voto, atendendo-se a que o seu celibato é uma deserção vergonhosa com relação aos encargos de matrimônio. Se este foi um dos motivos determinantes da iníqua cassação do direito de voto aos religiosos, foram incoerentes os constituintes de 91, não tendo a coragem de levar este princípio às suas últimas conseqüências. Porque não retiraram eles o direito de voto aos homens que se conservam alheios ao vínculo conjugal, não para se recolher à austeridade de um claustro, mas para dissipar a sua vida nas orgias e nos deboches em que só tem a perder o indivíduo e a sociedade? No entanto, Sr. Presidente, não só o princípio foi aplicado de modo injusto, ferindo na sua severidade os religiosos, e poupando os libertinos; além disto, ele é errado em sua raiz, e não pode resistir a uma análise séria. Quem, de boa fé, ousará afirmar que é o egoísmo e o horror aos encargos de família, que arranca padres e irmãs de caridade à suavidade do lar, para conduzi-los aos leprosários, aos hospitais de tuberculosos, expondo-os ao contágio das mais tremendas enfermidades? Quem poderá afirmar com sã consciência que um religioso missionário no Araguaia, ou por exemplo um jesuíta que consagre toda a sua existência à educação e instrução da juventude, é menos útil à sociedade do que um médico ou um advogado? Tenho absoluta certeza de que não fala em mim a paixão religiosa que porventura me abrase, em conseqüência do amor ilimitado que voto à Igreja Católica. Não quero trazer o meu depoimento, sobre este assunto, pois que, além de ser eu falho em autoridade, sou suspeito aos olhos de alguns de meus colegas, em conseqüência das crenças religiosas que nunca me fartei de proclamar. Quero aduzir, à guisa de depoimento, a opinião dos nossos maiores expoentes intelectuais sobre a benemerência da ação das ordens religiosas. E desejoso de não afastar as minhas considerações do terreno das famosas realidades brasileiras, é sobre a ação das ordens religiosas no Brasil, que quero arrolar testemunhas do valor de um Euclides da Cunha, de um Capistrano, de um Nabuco, sem falar em Eduardo Prado e Brasílio Machado, imortais pela contribuição que trouxeram a este respeito, com o lustre de seu talento, às comemorações anchietanas de seu tempo. Diz Euclides da Cunha: § “A solicitude calculada dos jesuítas...” § Bem vedes qual a insuspeição do autor que cito, na virulência deste ataque injusto à benemérita Companhia de Jesus. § “...ou a rara abnegação dos capuchinhos ou dos franciscanos incorporavam as tribos à nossa vida nacional e, quando no alvorecer do século XVIII, os paulistas irromperam em Pambú e na Jacobina, deram, de vista surpresa, nas paróquias que ali já centralizavam cabildas.” Segundo Capistrano... §
“... os sobre-humanos trabalhos desses insignes heróis (os jesuítas) enchem de tal modo as páginas de nossa história colonial, que é atrevimento escrever-se a História do Brasil antes de estar escrita a história dos Jesuítas” (Capítulos da História Colonial). Nabuco assevera que... § “... é de todo duvidoso que existisse a unidade brasileira sem a unidade da Companhia de Jesus; a probabilidade é que não haveria Brasil se, em vida de Loyola, Portugal não tivesse sido feito província da Companhia.” E, em outro trecho, acrescenta com sua indiscutível autoridade de diplomata: § “Se não fosse a Companhia, acreditais que o Brasil seria o grande bloco de continente que vai das Guianas do Amazonas às missões do Paraná? Acreditais que esse território não se teria pelo menos dividido em três ou quatro imensos fragmentos, um huguenote, outro holandês e apenas o quarto brasileiro?” Saint Hilaire, no seu livro sobre São Paulo nos tempos coloniais, entre muitas considerações elogiosas aos Jesuítas, disse: § “Esses homens corajosos (os Jesuítas) dedicaram-se sem reserva à felicidade dos índios; ... Os Jesuítas faziam todos os esforços para reerguer os colonos portugueses à dignidade de homens e reconduzi-los aos seus deveres de cristãos, por tanto tempo olvidados; opunham-se às suas injustiças, lutavam corajosamente em prol da liberdade dos índios e separavam da comunhão dos fiéis os opressores desses infelizes...” E Saint Hilaire continua a se estender longamente em frases encomiásticas, que a angústia do tempo me impede de reproduzir. Rocha Pita, na sua História da América Portuguesa, diz que são os Jesuítas... “...varões verdadeiramente apostólicos, dignos das muitas possessões que têm nesta região, cujas rendas dispendem religiosa e piamente no culto das suas igrejas, na sustentação dos religiosos, e de infinitos pobres a quem socorrem com o quotidiano alimento, e outras tão precisas como liberais esmolas”. Juan Teran, que o insigne Tristão de Athayde em um de seus magistrais Estudos cognomina de Capistrano Argentino, no seu El nacimiento de la América Española, diz que... § “... quem realmente catequizou foram os frades ignorados... A Companhia de Jesus deu os maiores exemplares. Não há inimigos nem preconceitos que consigam obscurecer esta verdade, sem contar que se lhes devem o maior exemplo de disciplina no fim do século XVI e começo do seguinte”. § Não foi só no Brasil, portanto, mas em toda a América Latina que os religiosos, especialmente os Jesuítas, derramaram os tesouros de sua ação cristianizadora e civilizadora. Compreendem-se, pois, os motivos que levaram Sabatier, o famoso discípulo de Comte, a afirmar ao Geral da Companhia de Jesus, ao se despedir dele, depois do célebre encontro que tiveram: § “Quando as tempestades políticas do futuro manifestarem toda a intensidade da crise moderna, achareis os jovens positivistas prontos a se fazer matar por vós, como vós estais prontos a vos fazer matar por Deus” (“Revue Occidentale”, julho, 1886, in Eduardo Prado, Polêmicas). Por estes motivos, o Primeiro Congresso da História Nacional do Rio de Janeiro, reunido em 1914, depois de uma série de consideranda que são a maior consagração nacional com que a História poderia ter celebrado os Jesuítas, resolveu... § “...consignar na ata de sua última sessão plena, um voto de contentamento pela recordação desse ato de justiça...” § Referia-se o Congresso ao restabelecimento e reabilitação da Companhia de Jesus, pelo decreto do Sumo Pontífice Pio VII, cujo centenário então transcorria. § “...que solene e juridicamente restituiu ao seu primeiro ser a ilustre Sociedade a quem deve o Brasil tão denodados e eficazes obreiros de sua grandeza e civilização”. E, fazendo eco a tais sentimentos, o primeiro Congresso Internacional da América, que se levou a efeito no Rio de Janeiro, quando do centenário de nossa Independência, aprovou um voto de reconhecimento... § “...aos denodados evangelizadores cristãos que, do Canadá até à Patagônia, a preço de suores e de sangue, devassando o território, e fundando cidades, educaram os colonos, amansaram os bárbaros e difundiram por toda a parte os germes da cultura intelectual, no desempenho de uma extraordinária missão humanitária, civil e política, sem esquecerem jamais a preocupação científica, mercê da qual se tornaram eles próprios, com extremo labor, fundadores da geografia, da história e da etnografia americana”. Estes os homens, Sr. Presidente, a que Lauro Sodré quer negar o direito de voto, vendo neles apenas elementos sociais negativos, que, impulsionados por um egoísmo ilimitado, se segregavam do convívio social, furtando-se às preocupações às vezes ásperas, mas cheias de tão suave consolo, dos encargos familiares. A estes egoístas, a história imparcial glorifica hoje como heróis e como mártires, enquanto nossa gratidão unânime aclama neles os fundadores da nacionalidade. É de lastimar que a paixão sectária e anticlerical da nossa despótica comissão dos três [sic] não tenha rompido com estes preconceitos que, em Lauro Sodré, se explicava sem se justificar, pela ebulição anticatólica que sucedeu à queda do trono. Mas a iniqüidade não parou aí. Cassando aos religiosos o direito de voto, ainda se estabeleceu uma penalidade para aqueles que, alegando crença filosófica ou religiosa, se furtarem aos ônus impostos pelo serviço da República. Ressalta aos olhos de qualquer observador imparcial a injustiça que há, na cassação do direito de voto, e na simultânea imposição do serviço militar. Pois não são correlatos o direito e a obrigação? Como negar o direito e ao mesmo tempo impor tiranicamente a obrigação? Por que razão se fere com pena política humilhante aquele que, por motivos respeitáveis como os de crença filosófica ou religiosa, se furtam ao serviço militar, sem que a constituição cogite de punir com pena idêntica ou mais grave aqueles que, pelo mero comodismo e pelo pouco patriotismo que os domina, desertam do serviço militar provando freqüentemente, graças ao suborno, moléstia de que não sofrem? E nem se diga que a estes se aplica pena criminal, enquanto que aos outros se aplica pena somente política. Preliminarmente, não sei qual das duas é a mais infamante. Ademais, o fato é que, enquanto a Constituição de 91 e o substitutivo já aprovado cominam pena política aos religiosos, sem proibir por isto que a lei ordinária venha fulminá-los eventualmente com pena criminal, os desertores vulgares, por força da própria Constituição, só por meio de pena criminal podem ser punidos. Mas eu trairia meu mandato, Sr. Presidente, se eu pleiteasse para os religiosos e os sacerdotes em geral a isenção do serviço militar, pois que eu contrariaria o desejo veemente de todo o Clero brasileiro, de que lhe seja facultado, não o dever, mas aquilo que reconhecem como direito precioso, que é a participação dos deveres que lhes incumbem como a brasileiros patriotas entre os que mais o sejam. O que eu pleiteio juntamente com todos os Deputados Católicos desta Casa, é que lhes seja permitido prestar seu serviço militar em condições compatíveis com a sua vocação. Depois de se ter levantado nesta Casa a voz cheia de competência e sinceridade do General Cristóvão Barcelos, demonstrando cabalmente a vantagem da assistência religiosa aos quartéis, nao será necessário insistir longamente neste ponto. Se os sacerdotes, na eventualidade de uma guerra, serão inevitavelmente chamados a prestar sua assistência espiritual, muito mais preciosa sob o próprio ponto de vista bélico do que o seu concurso armado, por que motivo não permitir que sua aprendizagem nas fileiras seja feita, tendo desde já em vista sua especialização futura no combate? Não é a especialização das funções o princípio tailoriano, que preside à orientação de toda as organizações modernas? Que prejuízo sofrerá a liberdade de pensamento, se a assistência espiritual às Forças Armadas se facultar a fiéis de todos os credos, sem coação para os que não se incluem em alguma igreja? Porventura não é este o exemplo que nos dão Nações das mais modernas e civilizadas? Por outro lado, que direito tem o Estado de forçar o cidadão a abandonar as suas ocupações normais, para encerrá-lo por dois anos em quartéis, e lhe exigir eventualmente o sacrifício da própria vida sem lhe facultar os socorros espirituais, tão necessários para o crente quanto o oxigênio que respira? Que diríamos nós de um Estado que recusasse aos seus soldados o alimento material, exigindo dele, no entanto, os mais árduos trabalhos? Por ventura materializou-se tanto o homem, que lhe baste o pão do corpo, deixando à míngua o espírito? Muito mal ajuíza de seus cidadãos um Estado que assim pensa. No entanto, assim tem pensado a República Brasileira, e ainda assim pensam alguns de meus colegas, felizmente pouco numerosos. Encerrando minhas considerações, e voltado ao voto dos religiosos, eis o que [afirma] um outro escritor, este também muito insuspeito a nós católicos, o Sr. Humberto de Campos, em artigo publicado no “O Jornal”, de 19 de setembro de 1931: § “A recusa do direito de voto aos membros de comunidade religiosa, sob pretexto de que eles se acham sujeitos a um voto de obediência, constitui, assim, uma anomalia, ou melhor; um anacronismo. Representa, mesmo, um ato de hipocrisia involuntária. “Exclusão da União Soviética e de uma [ou] outra democracia secundária, nenhuma outra nação reorganizada depois da guerra inclui o voto religioso como estigma condenatório do cidadão.” Realmente, percorrei as constituições Alemã, Austríaca, Bávara, de Dantzig, dos Estados Unidos, da Espanha, da Estônia, da Itália, da Irlanda, da Lituânia, de Portugal, da Polônia, da Prússia, da Tcheco-Eslováquia, da Turquia, e nada encontrareis, que lembre a estranha proibição da Constituição Brasileira de 1891. V. Ex.cia, Sr. Presidente, já me advertiu que o meu tempo já está esgotado. Tenho de deixar a tribuna e não posso dar maior desenvolvimento às minhas considerações. O Sr. Costa Femandes - Com tristeza para todos nós. (Apoiados.) O Sr. CORRÊA DE OLIVEIRA - Tenho a certeza, entretanto, de que a Assembléia Constituinte, ao enfrentar o estudo da matéria, acompanhará a orientação verdadeiramente brasileira, a orientação verdadeiramente sadia de não negar o direito de voto aos religiosos, como não o nega, por exemplo, aos maçons, que, do mesmo modo, proferem voto de obediência, e de equiparar a assistência espiritual prestada às Forças Armadas ao serviço militar comum. (Muito bem; muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado) |