Plinio Corrêa de Oliveira

 

Os horrores da Inquisição

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Legionário, 9 de fevereiro de 1930, n. 52

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"É preciso ser muito ignorante para caluniar a Inquisição e para buscar na mentira pretextos com que fazê-la odiosa" (Voltaire, "Ensaios sobre os costumes" [Essai sur les mœurs et l'esprit des nations, chapitre CXL])

Um dos episódios mais impressionantes da história da Igreja, dos que mais se prestam para fácil exploração de mentalidades de credulidade e sensibilidade mórbidas é, sem dúvida, a chamada "Santa Inquisição".

Todo o aparato sinistro de suas execuções públicas, em soleníssimos autos de fé, o desenrolar lúgubre e espetaculoso de todas as minúcias e etiquetas peculiares a semelhante gênero de cerimônias, o crepitar das fogueiras, o gemido das vítimas, e os sorrisos ferinos e sarcásticos dos Inquisidores, tudo, enfim, conspira de modo propício para a constituição de um ambiente pitoresco, no qual historiadores parciais carregam à vontade as tintas, alterando os detalhes, e contribuindo com o jorro nem sempre límpido de sua inesgotável imaginação, para a criação das maiores monstruosidades históricas.

Os romances de engraxate, explorando o natural pendor do público pouco culto pelas cenas teatrais, apresentam sempre a Inquisição sobre os mais desfavoráveis aspectos.

Assim, os inquisidores são sempre sacerdotes velhos que, tendo passado a vida toda no vício, desabafam os rancores de sua velhice desiludida sobre aqueles cujas crenças a Igreja condena.

Outros costumam encarnar no Inquisidor o mais legítimo produto do espírito de fidelidade à Igreja. Os Inquisidores são tidos, em geral, como membros de escol da Igreja, figuras características de indivíduos dotados em alto grau do mais acentuado cunho de catolicidade, produtos típicos do espírito da Igreja.

E, como, pelos frutos se conhece a árvore, tomando-se como frutos os Inquisidores assim pintados, julga-se e condena-se sumária, categórica, solene e definitivamente a Igreja Católica, Apostólica, Romana, isto tudo com grande exibição dos princípios humanitários, frases ocas, sentimentalismo descabido e objurgatórias que encontram sempre terreno favorável.

Eis, em suma, as consequências que os espíritos "independentes e liberais", proclamando-se "imparciais e isentos de superstições de eras passadas", tiram da história da Inquisição. Corresponderá essa ideia da Inquisição à realidade histórica?

Fixemos, primeiramente, o verdadeiro alcance da questão.

Admitido que os Inquisidores, e até a Igreja, tenham patrocinado as torturas dos Torquemada, desta verificação histórica poder-se-ia concluir que a Igreja não é verdadeira? Não.

Se os excessos dos partidários de uma doutrina qualquer demonstram a falsidade desta doutrina, seríamos forçados a concluir que o ateísmo, bem como todas as religiões são igualmente falsas.

Para lembrar as crueldades cometidas pelos ateus, na sua insensata tentativa de derrotar Deus, basta volver os olhos para as horríveis hecatombes, conhecidas na história pelos nomes de Revolução Francesa de 1789, Revolução Russa, Revolução Mexicana.

As religiões orientais e africanas perseguem, com notória crueldade, os missionários católicos.

Na história da Península Ibérica ainda repercute, terrível, o eco dos horrores praticados pelos árabes contra os cristãos.

É imperecedoura a lembrança do Coliseu, dos suplícios e dos mártires dos Césares. (...)

Numerosos foram os mártires que tiveram de regar com seu sangue o jardim da Igreja, por não aderirem às aberrações da ortodoxia greco-cismática.

O próprio protestantismo, cujos prosélitos são os mais violentos quando falam da Inquisição, são forçados a concordar que muitos, injustos e cruéis foram os crimes atribuídos, com toda a certeza histórica, a Lutero e outros próceres da Reforma.

Na sua "Nouvelle Histoire Universelle Illustrée", vol. 2, Albert Mallet e Isaac reproduzem uma gravura contemporânea de Isabel de Inglaterra, representando um suplício ordenado por esta soberana contra seus súditos católicos.

O espetáculo causaria inveja ao próprio Torquemada. Vários mártires estão representados em suplícios diversos, momentos antes de serem pendurados à forca, outros dentro de um caldeirão do qual emergem apenas algumas pernas, outro, já amarrado, é colocado sobre uma fogueira por algozes protestantes.

Um último, enfim, amarrado às patas de um cavalo, olhos postos no Céu, está sendo tentado, ainda na hora da morte, por um protestante que lhe quer incutir seus falsos princípios.

Lutero levou os príncipes alemães a mover uma guerra que, no seu dizer, deveria ser "sem piedade", contra uma revolta político-religiosa de camponeses, segundo o citado Mallet, aliás inteiramente insuspeito de catolicismo, foram executados 18 mil camponeses na Alsácia e 10 mil na Suábia.

Para terminar, lembremos um detalhe interessante: Henrique VIII, o fundador do anglicanismo, a título de repressão ao catolicismo, instituiu uma comissão encarregada de arrecadar os bens dos conventos, mas, em um assomo de sinceridade, coroou sua obra, intitulando a comissão: "Corte de Aumentos dos Rendimentos da Coroa Real". O título não poderia ser mais significativo e demonstra claramente que, além da barbaridade, assistiu ao protestantismo, desde seus primeiros albores, a ganância.

Pensamos, pois, ter demonstrado que todas as doutrinas religiosas ou anti-religiosas deram origem a abusos inomináveis. Como não podem ser todas elas ao mesmo tempo falsas, conclui-se que o simples fato de ter sido causa de abusos não é suficiente para se invalidar uma doutrina.

Poder-se-ia alegar que, desde que a Igreja é verdadeira, deveria ser assistida por Deus e que, portanto, não se compreende que em sua história se encontrassem tais abusos.

Responderemos simplesmente que, apesar de verdadeira, a Igreja não tem, e não poderia ter somente funcionários impecáveis. Se os inquisidores pecaram, sendo cruéis, em nada estão afetados, mas sim confirmados os dogmas da Igreja, que afirma que todos os homens, sejam eles embora os mais graduados na hierarquia leiga ou eclesiástica, são suscetíveis de pecado.

Se tal não fosse, teríamos indivíduos santos, pré-canonizados, o que seria até um insulto à justiça divina, que estatuiu que todos os homens são suscetíveis de pecar, e, portanto, de merecer o Céu ou o Inferno.

Que significação atribuir, portanto, aos "horrores" da Inquisição?

Muitas são as pessoas mais ou menos dotadas de má-fé que afirmam que, na Inquisição, já pôde a humanidade verificar que, entregue qualquer parcela de poder a sacerdotes, teremos como consequência perseguições, supressão da liberdade de pensamento etc. Como consequência, acham eles que é um perigo tornar oficial a Igreja, e dispensar qualquer auxílio do Estado para seu culto.

Ora, note-se imediatamente a fraqueza do argumento. Preliminarmente, convém relembrar que, em muitos casos, os que mais clamam contra a Inquisição são partidários de Calles [tirano ateu que perseguiu os católicos no México, n.d.c.] e de Lenine.

É indubitável que os recentíssimos massacres da Rússia e do México comoveram muito menos nossos elementos "humanitários" e amigos da liberdade de pensamento, do que os autos de fé, já mergulhados nas brumas do passado.

No entanto, pondo de parte esta consideração, limitar-nos-emos a formular simplesmente a seguinte questão: ainda que fossem atribuíveis à Igreja os desmandos da Inquisição, seria justo que alguns fatos lastimáveis, verificados apenas em alguns países europeus, por tempo relativamente curto, fossem suficientes para permitir à humanidade que se esqueça dos inumeráveis benefícios, de ordem meramente temporal, que, em todos os países do mundo, e durante a sua vida quase bimilenária, a Igreja, por intermédio de suas inúmeras instituições de beneficência, tem espalhado generosa e incessantemente sobre o mundo?

É admissível que uma pessoa, cuja mentalidade não esteja nublada pelas paixões, julgue que o desvio de um dia seja suficiente para fazer sombra a séculos inteiros, decorridos constantemente no cumprimento dos mais árduos deveres?

Só restaria aos adversários da Igreja uma saída: afirmar que o catolicismo não trouxe para a humanidade benefício algum, ou ao menos benefícios maiores do que os males causados pela Inquisição.

A estes, que são cegos, porque não querem ver, não responderemos. Se, porém, quiséssemos evidenciar a falsidade de sua opinião, seria suficiente recorrermos às vozes autorizadas dos mais ilustres historiadores, amigos ou inimigos da Igreja.

Lembraremos, de passagem, Jonatas Serrano, Raposo Botelho, Albert Mallet e Isaac e Raoul de la Bedolliere. Responda por nós a voz da História!

Chegamos, pois, à seguinte conclusão: admitidas, contra a Igreja, na questão da Inquisição, todas as agravantes falsas que lhe jogam em rosto, admitidos todos os exageros e todas as fantasias, ainda assim não vemos qual a acusação que, contra a Igreja, logicamente se possa formular.

Entremos, agora, na apreciação histórica do assunto. Antes de o abordar, porém, vejamos o que, a respeito, pensam alguns historiadores.

Já vimos a opinião de Voltaire, o feroz adversário do Catolicismo.

Segundo Valera, a Inquisição era um dos tribunais benignos da época, pois que, comparativamente, as fogueiras da Inquisição fizeram poucas vítimas.

Somos, pois, forçados a concluir, como Justino Mendes, na sua magnífica obra "A Igreja e a História", que a Inquisição, tribunal secular como outro qualquer, e, portanto, inevitavelmente sujeito aos preceitos do direito penal então vigente, ainda era brando, em comparação com os demais, da época. Vemos que é exagero evidente o se lhe atribuir uma ferocidade desusada e a primazia da crueldade entre os tribunais notáveis da História.

Vejamos, agora, qual o caráter da Inquisição.

Se consultarmos os tratados jurídicos do século passado, e outros ainda anteriores, veremos a Inquisição sempre classificada como tribunal eclesiástico. É o que faz, entre outros, Pereira e Souza.

No entanto, convém ponderar que o tribunal eclesiástico era, não aquele que funcionava em virtude da autoridade da Santa Sé, mas sim o tribunal que, embora composto por eclesiásticos, estava subordinado, como órgão da administração pública, aos soberanos temporais.

Não existe, pois, entre a Inquisição e a Igreja, a solidariedade que liga o mandatário ao mandante. Muito pelo contrário, demonstraremos: a) que a Inquisição independia das ordens do Santo Padre, estando subordinada diretamente aos soberanos espanhóis; b) que a Inquisição era malvista e combatida pela Igreja, por causa de sua crueldade.

A primeira das afirmações, podemos fundamentá-las com as seguintes provas, facilmente verificáveis em Justino Mendes ("A Igreja e a História"): o Papa concedeu certificados de ortodoxia a indivíduos acusados pela Inquisição; esta, longe de acatar respeitosamente, como faria um tribunal dependente da Igreja, as ordens do Santo Padre, decretou a pena de morte a quem se munisse de tais certificados.

Onde a obediência que necessariamente caracterizaria a Inquisição, se fosse sujeita à Igreja, e considerada mero departamento desta?

Em 1842, Sisto IV dirigiu um breve severo aos reis da Espanha, contra os excessos da Inquisição. Ora, se esta dependesse do Santo Padre, para que dirigia ele o breve aos reis, e não diretamente aos Inquisidores? Acresce que aos reis cabia até o direito de demitir os Inquisidores, poder este exercido sobre 12 dentre eles.

Além disso, para corroborar ainda mais nossas afirmações, basta lembrar que a Inquisição estava encarregada de julgar os crimes de contrabando e estelionato.

Ora, como poderia um tribunal eclesiástico tomar conhecimento desses crimes?

Quanto à segunda afirmação, de que a Santa Sé combateu a Inquisição por causa de suas crueldades, basta lembrar os seguintes fatos.

Em 1842, Sisto IV pedia aos reis de Espanha, "pelas entranhas misericordiosas de Jesus", que refreassem os ardores criminosos da Inquisição.

Llorente cita diversas desavenças dos Papas com os reis, por causa dos excessos da Inquisição. O mesmo historiador faz menção de indivíduos secretamente absolvidos pelo Papa, depois de condenados pela Inquisição.

Em 1519, Leão X excomungou os inquisidores de Toledo, para punir sua crueldade (é esta a maior pena que um Pontífice possa aplicar a um católico). Paulo III aliou-se aos napolitanos para impedir que se instalasse em Nápoles a Inquisição. Pio IV e São Carlos Borromeu opuseram-se à sua introdução em Milão.

Logo, a Inquisição, sempre desaprovada pela Igreja, não foi um produto do espírito de catolicismo de certo elemento clerical, mas, muito ao contrário, um fator das mais censuráveis revoltas contra o intangível poder dos Pontífices Romanos, aos quais, pois, não cabe a menor responsabilidade quanto aos horrores da Inquisição.

Temos, pois, chegado ao fim a que nos propúnhamos, ao iniciar este artigo, que é demonstrar que:

1) a Inquisição não se presta para demonstrar a indemonstrável falsidade da Igreja;

2) a Inquisição não pode servir de fundamento à separação da Igreja e do Estado;

3) a Inquisição, comparada aos demais tribunais contemporâneos, não foi cruel;

4) a Inquisição não era tribunal eclesiástico;

5) a Inquisição não dependia das ordens do Santo Padre, ou de qualquer outro órgão autorizado do poder da Igreja;

6) a Inquisição, rebelde aos Pontífices, foi por estes combatida e punida muitas e muitas vezes.


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