Plinio Corrêa de Oliveira

 

7 Dias em Revista

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, N.º 483, 14 de dezembro de 1941

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Mal acabaram de ecoar as edificantes e belas palavras com que o Episcopado da Província Eclesiástica de São Paulo brindou os fiéis em seguida sua reunião anual, e a impressão confortadora desta suave e viril mensagem de paz foi brutalmente interrompida pelo estrondo dos canhoneiros do Havaí e Honolulu.

No artigo de fundo deste número, comentamos detidamente a Pastoral. Baste-nos, aqui, registrar essa curiosa coincidência, acentuando que a voz de nossos Bispos, muito mais do que um simples clamor de alguns Prelados de uma Província Eclesiástica, representou naquele momento a própria consciência cristã do mundo inteiro, apreensiva e temerosa diante de novas violações contínuas da moral internacional, fundando-se para tanto em indícios que muito cedo se transformaram em evidência catastrófica e desconcertante.

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Não queremos deixar de acentuar qual a verdadeira posição do católico perante estes fatos.

Agem sem verdadeiro espírito de Fé aqueles que se deixam empolgar pela simples lamentação de dores físicas, de morte e de prejuízos financeiros. A saúde, a riqueza, a própria vida terrena são bens transitórios. Mais cedo ou mais tarde morreriam aqueles que hoje estão sendo ceifados pela guerra, e quando morressem ficariam privados definitivamente de suas efêmeras riquezas se, antes disto, o jogo caprichoso dos fenômenos econômicos não lhes houvesse privado delas.

É lícito, e até digno de louvor, que se lamente a perda destes bens que, usados conforme a lei de Deus, podem ser excelentes. Mas há uma evidente falta de espírito de Fé em chorar excessiva ou principalmente estas ruínas.

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Não nos esqueçamos de que a alma vale mais do que o corpo, a vida eterna mais que os bens transitórios e passageiros.

Diz textualmente a Escritura - e é portanto o próprio Deus que fala - que não devemos temer tanto os que matam o corpo, quanto aos que matam a alma.

Já se terá pensado na série enorme de pecados a que uma guerra pode dar lugar? A vida de acampamento, com as inúmeras ocasiões que oferece em países conquistados, se soma a mil outros fatores para pôr seriamente em risco a salvação, mesmo dos combatentes realmente piedosos. Elevemos a Deus nossas preces não somente para que a mortandade seja pequena, mas ainda e sobretudo para que, de tantas e tantas mortes, as almas se salvem depois da ruína dos corpos.

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Finalmente, não nos esqueçamos de que o enorme pecado que constitui uma guerra injusta, pecado verdadeiramente incomensurável, é uma ofensa a Deus, Nosso Senhor. Com efeito, aqueles que tomam deliberadamente a iniciativa de uma agressão que talvez mergulhe no sangue e na dor dos dois vastos continentes, são responsáveis perante Deus por todas as vidas inocentes, por todas as lágrimas e por todos os sofrimentos que tiverem ocasionado.

Qual será, então, a gravidade deste pecado?

Se antes de tudo e acima de tudo olhamos para a maior Glória de Deus, pensemos ardentemente em reparar este enorme pecado, em chorar esta gravíssima falta, em expiar esse incomensurável crime. Na ordem dos valores, é só depois disto que deverá haver em nossos corações lazer para devotar aos que sofrem a perda dos bens deste mundo aquela piedade, aliás esplendidamente generosa e sobrenaturalmente eficaz, que os corações verdadeiramente católicos sabem tributar aos que sofrem.

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Falamos em guerra injusta.

Mas a doutrina católica também nos ensina que há uma paz injusta. E esta também pode constituir um enorme pecado, um pecado talvez maior do que o de uma guerra injusta, em certos casos ao menos.

É esta, entre outras, por exemplo a situação em que se encontra o velho Marechal Pétain. A situação está mostrando à evidência que é aos recuos, às transigências, às inexplicáveis complacências do ex-”herói de Verdun” que se deve a conflagração no Pacífico, e quiçá no Atlântico.

Senão, vejamos.

O noticiário telegráfico dos últimos dias mostra que o Japão auferiu as mais preciosas vantagens com a inexplicável autorização que o Sr. Pétain deu as tropas nipônicas de ocuparem posições estratégicas ao longo das fronteiras das colônias francesas do Extremo-Oriente. Com efeito, o ataque naval nipônico estaria bem longe de ter revestido de gravidade que alcançou, senão fosse o fato de tropas japonesas estacionadas na própria península indochinesa terem estabelecido uma ameaça permanente e direta contra Singapura e outros pontos de capital importância. Quem conhece a grande inteligência com que costumam proceder os nipônicos na direção de seus assuntos políticos não poderia ignorar que eles mediram tudo isso antes de dar o golpe.

Te-lo-iam dado sem este decisivo fator de sucesso? É muito pouco provável. Em outros termos, o Sr. Pétain é diretamente responsável pelo que ocorre no Extremo Oriente.

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Por que teria o Sr. Pétain agido assim? Ignorância da situação na Ásia? Imprevidência? Quando o Sr. Pétain cedeu essa zona ao Japão, o “Legionário” fez comentários aos quais não tem uma linha a acrescentar. Acentuamos, naquela época, a ridícula incongruência entre a cordura do velho Marechal no Extremo Oriente, e sua ferocidade para com a Inglaterra. Ao mesmo tempo que cedia posições vitais na Indochina, o Sr. Pétain ameaçava desembainhar a espada na defesa das colônias do Mediterrâneo e de Dacar, isto é, de zonas cuja adesão a De Gaulle seria provavelmente fatal à expansão nazifascista naquilo que os jornais do “eixo” se empenham em chamar o “Mare nostrum” do totalitarismo.

 E até hoje o Sr. Pétain não se arrependeu do que fez na Indochina. A prova disto está em que na sexta-feira p.p., os jornais publicaram a celebração de um acordo Vichy-Tóquio “a fim de defender a Indochina”. Defender? Contra quem? Contra anglo-americanos? Quem poderá levar a sério a suposição de que eles atacariam a Indochina se esta não tivesse aberto seu bojo para receber tropas nipônicas?

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Como se vê, a cordura do Sr. Pétain na Indochina tem larga parceria de responsabilidade pelo derramamento de sangue no Pacífico. Suas “bravuras” no Mediterrâneo e no Atlântico não foram menos úteis ao “eixo” do que a capitulação no Pacífico. Com efeito, o Sr. Pétain, mantendo o mundo mediterrâneo francês apartado do movimento de De Gaulle, outra coisa não fez senão reservar para o “eixo” as posições estratégicas que podem ocasionar e facilitar um ataque a Gibraltar e daí uma ofensiva no Atlântico, eventualmente baseado em Dacar. É preciso ser ingênuo como uma criança ou pérfido como um sentenciado para negar isto.

E daí resulta que o Sr. Pétain, querendo preservar a paz nas colônias francesas - ao menos foi este seu pretexto -, terá talvez franqueado a Marte o acesso para o Oceano Atlântico. É patente.

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Inépcia, ainda? Então uma inépcia clínica. Mas será ainda por inépcia que o Sr. Pétain prometeu, segundo certos telegramas, a esquadra francesa ao “eixo”? Aí as coisas atingem as raias do inominável, e é melhor deixar falar os fatos. Se efetivamente a esquadra for entregue ao “eixo”, melhor será que os jornais não qualifiquem o fato, ou ao menos os jornais cuja linguagem se conserva em certo nível...


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