Está debelada a crise francesa com a cessação das
greves. Solução definitiva? Solução provisória? Quem o pode dizer?
Evidentemente ninguém. O futuro da França, e em geral da Europa, continua nebuloso.
Sem embargo disto, o desfecho da crise deixa entrever alguns aspectos
interessantes da situação atual.
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Na realização do plano de greve, o Partido
Comunista se utilizou de dois instrumentos diversos: os seus próprios membros;
as classes trabalhadoras em geral, descontentes com a situação, mas em sua
grande maioria filiadas a partidos outros que o comunista. Tendo fracassado a
greve, será o caso de se indagar qual destes instrumentos é responsável pelo
insucesso.
A resposta só pode ser uma: o operariado comunista
como tal não parece ter fracassado, e a derrota proveio de que em dado momento
as massas trabalhadoras não filiadas ao comunismo se cansaram da greve, e
abandonaram seus companheiros comunistas.
Isto indica claramente que, se de um lado a massa
trabalhadora não comunista é acessível a manobras demagógicas do PC visando
para elas algumas vantagens realizáveis ou utópicas, de outro lado a influência
comunista sobre estas massas é de curto fôlego, podendo quando muito exercer-se
sobre elas em ocasiões excepcionalmente favoráveis e para campanhas rápidas de
objetivos moderados, e nunca para campanhas longas capazes de chegar até a
destruição da atual ordem de coisas.
Assim, pois, os dois desígnios mais próximos da
greve não puderam ser alcançados: nem o Governo se deixou intimidar, nem as
massas prolongaram tanto a parede que se chegasse a dissolver toda a
organização social.
Esta conduta das massas era de se esperar. As
últimas eleições puseram à mostra a ojeriza dos franceses contra o comunismo.
Desde que os operários verificassem que estavam lutando, na realidade, não pela
alta dos salários, mas pela vitória de Moscou, abandonaram a greve. E o PC se
viu obrigado a ceder.
* * *
Evidentemente, tudo isto veio demonstrar que o
comunismo, considerado exclusivamente enquanto uma corrente
francesa de opinião, é incapaz de dominar a França neste momento. O perigo
comunista só pode ter - na origem das hipóteses próximas - um aspecto na
política francesa: é a invasão russa, com o apoio do PC francês.
Esta verificação tem para a política francesa uma
conseqüência gravíssima. A Rússia para bolchevizar a
França e daí se expandir para a Itália, fica reduzida a uma guerra em grande estilo. Não há para
ela a menor possibilidade de triunfar por processos eleitorais e democráticos.
Um golpe de estado comunista também parece difícil de executar. Isto tudo acaba
por se resumir na seguinte alternativa:
a) ou a Rússia renuncia a se expandir na Europa;
b) ou tão cedo quanto possível, ela se atirará
sobre a França.
Ninguém pode levar a sério a primeira hipótese.
Fica de pé, portanto, apenas a segunda.
Não quer isto dizer que a Rússia ataque a França
logo. Pelo contrário, parece-nos que só dentro de alguns anos o fará. Mas de
tudo quanto ficou dito se depreende que no programa russo a solução-chave,
da qual todas as outras dependem, é evidentemente a conquista da França. De
onde se segue que a França se organiza desde logo para fazer face à invasão.
Por uma reciprocidade de efeitos muito explicável, para a França a questão
chave consiste agora em se preparar contra o ataque russo.
Ora, a preparação não se faz apenas no terreno
militar, mas ainda no político. É preciso desde logo evitar qualquer
colaboração de franceses com o invasor. A França conheceu, na dura experiência
de 1939, quanto custam as complacências e as ingenuidades para com as quintas-colunas.
Isto posto, os franceses só darão seu apoio a um governo capaz de debelar o
Partido Comunista. Dos grupos capazes de inspirar a este respeito uma certa
confiança, só dois são viáveis, o RPF e o MRP. Na política interna da França tudo se cifra, pois, em um
páreo entre uma corrente e outra, a saber qual delas demonstrará mais êxito no
reprimir o comunismo.
* * *
Se o autor destas linhas tivesse a suprema desgraça
de ser comunista, cuidaria desde logo de saber qual o mal menor para seu
partido, se a ascensão dos letrados e dos políticos de gabinete do MRP,
simpáticos ainda ontem à colaboração com os comunistas, ou dos militares, dos
aristocratas, dos burgueses, dos católicos que apoiam o RPF e que foram sempre
partidários de uma política à outrance contra o comunismo.
A resposta não pode deixar de ser
a favor do MRP. Para não morrer, deve o MRP atender às injunções
da opinião pública e combater o comunismo. Mas ele não pode romper de um
momento para outro com o que era a medula de sua doutrina, ou seja, o colaboracionismo com os comunistas. E, assim, tudo indica
que seu ataque ao comunismo será menos enérgico e menos total do que o ataque
de De Gaulle.
* * *
Isto posto, o que faria o autor destas linhas?
Trataria de persuadir aos franceses que o MRP é de uma eficácia absoluta na
repressão ao comunismo. Com isto, os franceses provavelmente não chegariam a
levar ao poder o general De Gaulle, cujo poder pessoal lhes causa medo. Como
chegar a este resultado? É tão simples! Bastaria fazer uma grande greve, e
depois ir “cedendo” aos poucos diante da pressão do governo composto por
membros do MRP. Ficaria “demonstrado” que as massas não obedecem cegamente ao
Partido, e que este não poderia tomar conta do país por via legal, nem por um
golpe militar. Para que então dissolver o partido? Verificada a inutilidade de
se dissolver o Partido, este continuaria a viver à luz do dia, preparando
comodamente a sabotagem e a traição.
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Poderia a Rússia desejar algo de melhor? E quem sabe se foi isto que sucedeu? É cedo, e muito cedo para se fazer qualquer
afirmativa, mas a hipótese aqui fica.