Legionário, N.º 798, 23 de novembro de 1947

7 Dias em Revista

Está terminada a apuração no que diz respeito ao candidato à vice-presidência. E causa surpresa ver que o número de eleitores que votaram em branco subiu a perto de 42 mil. Quarenta e dois mil paulistas se sentiram tão desconcertados, que não souberam escolher. Esta atitude, menos compreensível no caso dos candidatos à vice-presidência, foi muito mais explicável quanto aos candidatos às Câmaras Municipais. Não dizemos que tenham andado bem os eleitores que votaram em branco. Andaram mal, e muito mal, como mal andaram os que se abstiveram de votar. Mas quem não compreende o desânimo, a saciedade, que inspirou seu protesto mudo?

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Tudo isto prova que os diretórios de partidos políticos não souberam apresentar listas do agrado dos paulistas. E a prova disto está na atitude que estes diretórios, em geral, tomaram quanto às coligações e alianças nas eleições municipais. Há algo de mais incapaz de agradar os paulistas, por natureza amigos das atitudes nítidas e coerentes, do que os conglomerados políticos monstruosos que se formaram em muitos lugares do interior? Legendas em que o Sr. Getúlio Vargas parecia de braços dados com os seus mortais inimigos da UDN, em que governistas e anti-governistas, comunistas e anticomunistas se aliaram, se entredevoraram, se coligaram sem nenhuma preocupação ideológica, e com o intuito exclusivo de ganhar o páreo eleitoral?

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Pois, por absurdo que pareça, consta-nos que a nova lei eleitoral levará o poder dos diretórios políticos ao cúmulo. O eleitor, que é obrigado a votar só em candidatos registrados, que não pode portanto votar senão nos cidadãos que agradam aos misteriosos mandarins dos partidos políticos, o eleitor que é obrigado a votar em lista completa, sufragando nomes que detesta para poder votar em algum nome que estima, o pobre e miserável pupilo dos partidos, que é no Brasil o eleitor, ficará agora ainda mais escravizado. Com efeito, ele não poderá mais escolher o nome que encabeça a lista. Ele terá apenas o direito de votar no Partido, e este indicará, dentro do número de vagas alcançado, quais os candidatos de sua preferência.

Se neste sistema realizarmos uma eleição, a abstenção subirá ao dobro. É o que se chama um autêntico estrangulamento da democracia.

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Um dos fatos políticos mais importantes da semana passada foi a mensagem enviada ao Congresso norte-americano pelo Presidente Truman, na qual o Chefe de Estado pedia poderes extraordinários de tempo de guerra para intervir na política financeira de seu país.

Tão amplas serão as atribuições do Presidente em conseqüência da aprovação da proposta da Casa Branca, que nos círculos parlamentares americanos sua sugestão causou espécie. Os Estados Unidos terão deixado de ser uma nação republicana e democrática no dia em que o Presidente possa tudo que poderá o Sr. Trumam. Será o inicio do totalitarismo na América do Norte, pois que nenhum aspecto da vida econômica daquele país onde a economia é quase tudo, terá continuado livre e independente em face do Estado.

Com isto, se confirma o que sempre dissemos. Este perpétuo estado de guerra latente acabará por impor que o mundo viva estável e definitivamente como se cada nação devesse ser agredida no dia seguinte. E isto terá por sua vez como conseqüência, que o mundo deverá viver sem nenhuma espécie de liberdade, pois que em estado de guerra todas as liberdades ficam suspensas.

Somos anti-liberais resolutos e declarados. Mas, evidentemente, não podemos desejar que as liberdades justas sejam abolidas com as injustas, e que sob pretexto de se proibir o abuso e o crime se reduza todo o mundo à escravidão do Estado. Do Estado, sim, de um Estado impessoal e cruel, verdadeiro Moloch contemporâneo, cuja onipotência só pode ser em detrimento do Direito Natural de que a Igreja é tutora suprema.

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Enquanto na França e na Itália a ação do comunismo se torna mais intensa, pode-se ter certa esperança de que também a reação anticomunista, apoiada pelos americanos, se esteja tornando mais vigorosa na Checoslováquia.

Com efeito, enquanto o PDC da Eslováquia está muito ativo, e realizou recentemente em Bratislava uma grande manifestação, de outro lado na Boêmia a agitação anticomunista se tornou tão efervescente, que o Ministério do Interior de Praga denunciou publicamente a existência de um verdadeiro estado de luta interna no país, através de comunicado em que acusa os EE.UU. de estarem favorecendo os anticomunistas.

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Em outros termos, significa tudo isto que, quer do lado americano, quer do lado soviético, a luta está recrudescendo. Na Rumânia, por exemplo, onde os sovietes, por motivos perfeitamente misteriosos, ainda mantém um Rei e um simulacro de regime monárquico, aos poucos o expurgo de elementos anticomunistas se vai fazendo. Na semana passada, foi a vez do corpo diplomático, de que foram expulsos todos os elementos "suspeitos". Não é impossível que o expurgo acabe atingindo o próprio Rei. E em seu conjunto isto significa que as posições soviéticas vão se tornando cada vez mais fortes naquele infeliz país, que se transforma rapidamente em colônia de Moscou.

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Na Hungria, os sovietes também continuam sua obra de demolição. Na semana passada, mataram vários indivíduos, sob a alegação de que estavam desencadeando pelo país uma campanha de agitação contra as autoridades. Como os nazistas acusavam de “crimes” tais a todos os adversários que quisessem eliminar, parece bem evidente que os comunistas usam a mesma tática. Assim, não se pode saber se se trata de uma repressão contra a agitação anticomunista providencial, ou de um mero pretexto. Em uma ou outra hipótese, o fato mostra como se vão acirrando os ânimos na Europa central.

Tudo isto torna, a nosso ver, perfeitamente inexplicável que os americanos hajam anunciado para o fim deste mês a retirada dos últimos contingentes que mantêm na Itália.

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No meio de tantas tristezas e tanta monstruosidade, as cerimônias do casamento da Princesa Real com o duque de Edimburgo produziram um efeito refrigerante, colocando diante de nossos olhos horrorizados e fatigados o quadro luminoso e redivivo de épocas cristãs, em que o respeito, a distinção, a linha, a fidalguia, eram o apanágio das nações cristãs e ocidentais. Quase não se acredita, vivendo-se neste lodaçal do século XX, que houve uma época em que nem tudo era perfídia, nem tudo era crueldade, nem tudo era vulgaridade crassa e vil. Todas estas sensações transparecem claramente nos aplausos delirantes com que o povo acolheu o desfile da família real pelas ruas de Londres.

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Tudo isto teria que desgostar, por força, o gabinete trabalhista. O trabalhismo tem alguma coisa de “quacker” na sua mania neurastênica de simplicidade, de pobreza, de vulgaridade absoluta, no seu ódio viperino contra tudo que é nobre e elevado. O gabinete tinha preparado todas as medidas como se o casamento fosse “mero assunto privado”. Assim não o entendeu o povo, que se aglomerou para aplaudir a família real. Não espanta, pois, que tenha havido falta de policiamento e houve acidentes. E a propaganda demagógica apresentou estes acidentes, não como mais uma prova da inépcia do gabinete, mas como “o lado trágico das festas”. Como se todas as festas populares, produzindo aglomerações, poderiam deixar de ter o “lado trágico” dos acidentes que toda aglomeração produz. Esta expressão é, pois, perfeitamente ridícula.

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Lamentamos vivamente, que não tenha sido convidado às festas do casamento o Legado Papal. Evidentemente, o representante do Sumo Pontífice não poderia participar de cerimonia realizada num templo herético por ministros heréticos. Em ocasiões anteriores, a dificuldade se ladeou protocolarmente. É pena que, desta vez, também não se tenha feito assim.

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Curiosa é a interpenetração de todas as seitas heréticas e cismáticas, cuja mútua incompatibilidade raramente as leva a lutarem entre si, e as leva sempre a lutarem contra a Igreja.

O Duque de Edimburgo é cismático. A Princesa Real é protestante. Isto nenhum obstáculo criou ao casamento. Mas se fosse católico o esposo da Princesa, como haveriam de se excitar os protestantes... e os inefáveis demagogos do trabalhismo!