O fato mais importante do noticiário político
internacional foi sem dúvida a entrevista coletiva concedida à imprensa pelo
general De Gaulle. A situação em que o grande cabo militar francês falou
não lhe era nada propícia. Depois de ser elevado claramente pelo sufrágio
popular apurado nas eleições municipais, à categoria de chefe da maior potência
eleitoral francesa, ele ficou entretanto suspenso entre o céu e a terra pela atitude
extravagante do Parlamento. Com efeito, se bem que a maioria governamental seja
constituída por elementos que se dizem democráticos, e se bem que esses
elementos, para se conservarem fiéis aos princípios da democracia, devessem
pedir a dissolução da Câmara para nova consulta à opinião, nada disso fizeram,
e continuam a governar como se não houvesse um RPF [Rassemblement
du Peuple Français] e um De Gaulle sobre a face da terra. Para De
Gaulle, a postura que lhe é assim imposta é um tanto ridícula. Ele fica do lado
de fora, a pedir para entrar. Se se resigna
indefinidamente a este papel, cai no ridículo que o provo francês percebe com
mais rapidez e finura do que nenhum outro. Se arromba as portas, passa por uma
edição francesa de Hitler. Como fazer?
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De Gaulle, em sua entrevista, fingiu não perceber o
problema, e talvez tenha seguido com isto a tática mais hábil. Em lugar de
criticar a atitude do governo Ramadier, que se obstina em não tomar conhecimento de sua vitória,
De Gaulle lançou um programa construtivo de governo, com o que continua a
afirmar suas pretensões ao poder, e ao mesmo tempo responde às críticas dos que
o censuravam por não possuir programa propriamente positivo.
Como De Gaulle é hoje a maior potência política da
França, e a França continua a
ser a nação-chave das lutas ideológicas e
intelectuais de porte mundial, daí resulta que a entrevista de De Gaulle tem uma repercussão mundial. Analisemo-la pois
rapidamente.
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Como dissemos, De Gaulle não enunciou em sua
entrevista qualquer crítica ao procedimento da maioria parlamentar. Mas, de
passagem, não deixou de se referir aos vários partidos políticos, que
qualificou de “estados maiores sem tropas, alguns grupos isolados ou
melancólicos”, etc., cujas críticas ao RPF “podem desde já
ser comparadas a inócuas chibatadas no mar”.
Lendo estas palavras, é possível não pensar na
indisciplina do eleitorado abstencionista em relação aos políticos do Brasil?
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Um dos aspectos simpáticos da entrevista está no
projeto de De Gaulle, de instituir o voto secreto nos
sindicatos. É um golpe sério na tirania exercida sobre o eleitorado operário,
pelos agitadores da extrema-esquerda. Com efeito,
toda a máquina do Partido Comunista vive de uma espécie de regime de terror
criado no próprio seio da classe operária e dos sindicatos, onde ninguém ousa
divergir dos vermelhos sob pena de ser qualificado de traidor, bandido, etc. O
voto secreto dará ao eleitor operário a liberdade de escolher dirigentes
sindicais mais conformes a seu gosto. E quebrará as garras do Partido
Comunista.
Aliás, que argumento honesto podem aduzir contra
isto os comunistas, que se jactam de zelosos paladinos da democracia?
Igualmente aplaudimos a linha de conduta de De Gaulle a respeito do comunismo. Ela continua correta,
clara, compreensível, e consiste em uma intransigência absoluta.
As referências de De
Gaulle ao Partido Conservador da Inglaterra são igualmente muito simpáticas.
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Contudo, gostaríamos que o general definisse melhor
sua política em matéria social, ou que as agências telegráficas tivessem
resumido menos e melhor as suas declarações neste assunto de importância vital.
Por exemplo, a despeito da participação dos
operários agrícolas nos lucros dos patrões, suas declarações ficaram em
generalidades. Em princípio, a participação dos lucros é excelente. Não se pode
porém sustentar que o regime do mero salariado seja ilegítimo. Nem se pode
sustentar que a participação possa ser imposta indiscriminadamente a todas as
regiões de um país extenso e diferenciado como a França. Bom senso e
padronização são termos que se excluem. O salariado, excelente para certas
culturas, em certas épocas, em certas regiões, pode ser ruinoso em outras
regiões, culturas, épocas, etc. O mesmo se pode dizer do regime da participação
dos lucros. E aqui se situa o problema-chave: convém
que o Estado imponha um ou outro regime? Ou será preferível deixar que ambas as
partes, operários e patrões devidamente organizados, cheguem livremente a uma solução
adequada a cada caso concreto?
Neste ponto o Sr. De Gaulle nada nos diz.
A mesma observação ocorre quanto as indústrias. De
Gaulle se manifesta favorável a que várias delas revertam à iniciativa
particular. Nada objetamos a isso, é evidente. Pelo contrário, somos
anti-socialistas mais do que ninguém. Contudo, gostaríamos de conhecer até o
fundo o pensamento do chefe do RPF. Por que é ele favorável à reversão de
certas indústrias à iniciativa particular? Por uma questão de princípio? Neste
caso bateríamos palmas. Por meras razões circunstanciais? Neste caso
gostaríamos de conhecer seus princípios em matéria de tal importância. Mas
infelizmente sobre isso De Gaulle - ou o resumo telegráfico de suas entrevistas
- nada nos diz.
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Felizmente, o MRP está em franca decomposição. Na
reunião realizada na semana passada por seu diretório central, manifestaram-se
divergências fundamentais. Dos diretores, 15 se declararam contrários à
colaboração com De Gaulle, e 14 a favor. A cisão é pois, funda e insofismável,
e essa corrente de tendência católica – cujos “líderes” eram unânimes na
colaboração com o comunismo, não consegue manter a unanimidade quando se trata
de colaborar com o paladino do anticomunismo! Misterioso abismo de contradição
no qual o MRP parece estar afundando todo inteiro.
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Enquanto isto se dá na França, o Sr. De Gasperi bate no peito, na
Itália, entoando o mea culpa com todos os tons.
Com efeito, os comunistas com que ele colaborou
idilicamente nos dias remotos em que de mão comum com eles demolia a monarquia
- estes comunistas tão inofensivos e simpáticos que com meros sorrisos podiam
ser desarmados - estes comunistas desencadeiam pela Itália, de Nápoles a Milão e Turim, uma onda de agitações e de crimes para forçar o gabinete
De Gasperi a renunciar.
Quanta e quanta vez, o Sr. De Gasperi
terá pensado, nestes últimos dias, na fábula do homem que encontrou pelo
caminho uma cobra enregelada e a aqueceu ao peito!
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Foi aprovada pela Câmara dos Comuns a lei referente à
reforma da Câmara dos Lordes. Segundo esta reforma, a Câmara Alta fica reduzida a
nada. Sua única função consistirá em adiar de um ano a execução das leis
aprovadas pela Câmara dos Comuns, que não lhe agradem.
Vejamos se a Câmara dos Lordes aprova tal lei. Em
outros termos, vejamos se ela evitará o suicídio ou não. É bem possível que
não. Como é bem possível e até provável que o Rei aprove por sua vez esta lei.
A força das revoluções está principalmente na
cegueira ou na fraqueza daqueles contra quem elas se fazem.
Uma Câmara dos Lordes de fibra, rejeitaria o
projeto. Um Rei de fibra dissolveria a Câmara dos Comuns e convocaria novas
eleições. Mas quando falta fibra àqueles que, por direito histórico, possuem a
autoridade e a força, o que esperar?